HÉLIO SCHWARTSMAN
FOLHA DE SP
SÃO PAULO - Sucesso na internet, as manifestações contra a corrupção não vão tão bem no mundo extrassilício. A pergunta é: por quê?
O que não falta são hipóteses. Entre os suspeitos por nossa tolerância com a corrupção figuram desde a herança ibérica até o jeitinho brasileiro.
Se formos aos dados, porém, vamos descobrir que o buraco é mais embaixo. Pesquisa Datafolha de 2009 mostrou que 94% dos brasileiros concordam que é errado vender o voto. Apesar disso, 12% dizem que trocariam o sufrágio por dinheiro.
Pior, 74% declaram sempre obedecer às leis; não obstante, 83% admitem já ter cometido uma ação ilegítima, de um cardápio que traz de sonegação a estacionar em fila dupla.
O problema está na clivagem entre a ética pública (que segue um modelo deontológico, de normas absolutas) e a ética privada (que vai na linha consequencialista, na qual as ações são consideradas boas ou más em virtude dos resultados que produzem).
Embora essas duas matrizes sejam mutuamente excludentes, nós estamos sempre pulando de uma para a outra.
E por boas razões. Levados até o fim, tanto a ética deontológica quanto o consequencialismo produzem paradoxos que não queremos aceitar. Uma regra absoluta de jamais mentir levaria a sociedade ao colapso: você teria de dizer para sua sogra que a comida dela é horrível.
Já um consequencialismo sem freios sanciona o ato do médico que mata o sujeito saudável para, com seus órgãos, salvar a vida de cinco pacientes na fila de transplantes.
Para que o Estado funcione em padrões de Primeiro Mundo, a balança deve pender mais para o lado das normas absolutas e menos para o do pragmatismo "self-service".
Revela-se aí um novo paradoxo: nós recorremos à ética privada justamente porque as instituições são ineficientes, e elas são ineficientes, entre outras razões, porque toleramos a corrupção. Para sair dessa armadilha, não basta exigir ética. É preciso também fazer o Estado funcionar.
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