MATTHEW SHIRTS
REVISTA VEJA - SP
As vantagens do automóvel são claras. É o pedestrianismo que precisa ser defendido, ocorreu-me, na semana passada, ao entrar na Estação Sumaré do metrô. Vinha pensando em como promover o chamado esporte “dos poetas” sem parecer antiquado ou convencido.
Vendi o automóvel e comecei a caminhar por São Paulo há alguns anos. Não foi com o intuito de economizar dinheiro, nem emissões de carbono, tampouco pelo exercício físico, como se poderia pensar, embora sejam ganhos agradáveis da decisão. Não sou nenhum extremista. Minha mulher, Luli, ainda tem carro. Mas eu não aguentava mais ficar preso no trânsito. Sou impaciente. Sofro de faniquito em veículos paralisados. Alguns homens compram BMWs ou Mercedes ou Ferraris ao enfrentar a meia-idade. Eu vendi o Honda.
Dentro da cidade, passei a andar a pé, de metrô, de trem, de ônibus e de táxi. Nessa ordem de preferência. Utilizo a internet, os mapas do Google, que são uma maravilha, para conhecer os caminhos. Quando me perco, o que ocorre com incômoda regularidade, apelo para os serviços de autolocalização do meu telefone inteligente. Gosto de seguir a setinha na tela do aparelho. Ela vai indicando o número de metros que faltam para chegar ao destino: 800, 700, 600... A ideia de acionar um satélite para encontrar meu caminho também me entusiasma. Convenhamos: o próprio Batman não tinha um aparelho desses.
Também ando a pé na Avenida Sumaré, sempre que posso, para garantir a silhueta e conversar com amigos pedestres. O professor Antônio Pedro, historiador da PUC, mais conhecido como Tota, me acompanha com frequência. Em geral, discutimos a globalização e a cultura brasileira. Por vezes falamos de Nelson Rockefeller, objeto de um livro que o Tota escreve. Nelson, como o chama o professor, foi um dos responsáveis pela introdução no Brasil do milho híbrido, do frango industrializado e do prêt-à-porter, sem falar da Marginal Tietê.
A certa altura, passei a chamar o conjunto de atividades realizadas sem automóvel de pedestrianismo. Não chega a ser uma ideologia, mas me serve bem como forma de levar a vida. O pedestre, garanto, aprecia mais a cidade. Enxerga todas as curiosidades de perto. Os tipos. As lojas. Os mercadinhos, padarias, bancas, livrarias, locadoras e restaurantes. Vende-se cada coisa em São Paulo! Comecei a gostar de sapatos, por exemplo, item importante no vestuário do pedestre. Comprei alguns. Luli logo me apelidou de Imelda, em homenagem à viúva do presidente das Filipinas, conhecida por sua coleção de 2.700 pares de sapato. Devo ter uns dezoito já.
Compreendo uma eventual estranheza diante da palavra “pedestrianismo”. Seu uso era mais comum nos séculos XVIII e XIX. Naquele tempo, denotava uma competição mesmo, ou uma prática exótica cultivada por escritores, sobretudo poetas. “Os atos literários associados ao pedestrianismo romântico são pontuados por rebeldia”, escreve um estudioso. “É a busca de um caminho desconhecido, um desvio do ordinário, o inconformismo topográfico.”
De acordo com os cálculos do poeta inglês Samuel Taylor Coleridge, William Wordsworth, o maior de todos os românticos, caminhou quase 300.000 quilômetros ao longo da vida. Os escritores americanos Henry David Thoreau e Walt Whitman eram adeptos. Mark Twain, também, praticava e escrevia sobre o pedestrianismo. Entre os contemporâneos, Bill Bryson, autor de "Uma Caminhada na Floresta", é dos bons, capaz de passar dias caminhando nas montanhas (o livro é ótimo, diga-se). Sem falar do meu amigo Reinaldo Moraes, responsável pelo festejado romance "Pornopopeia". Ele já atravessou a pé a cidade de São Paulo em missão da revista National Geographic Brasil. Levou sete dias.
Se você me permite um palpite, esta será uma das principais tendências do futuro próximo: a redescoberta do prazer de andar a pé. Foi por isso, afinal, que descemos das árvores.
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