O papel de Sarney
FERNANDO CESAR MESQUITA
O Globo
Se existe alguém com um rico histórico de contribuições à consolidação dos valores democráticos é o senador José Sarney. No registro de sua vida não há atos que o desabonem, e desafio que provem o contrário. Inverdades são publicadas e os esclarecimentos ignorados, como se a liberdade de imprensa valesse apenas para quem ataca e condena sem provas.
Trabalhei em seu governo e continuo ao seu lado no Senado. Por desinformação, tentam manchar-lhe a honra e desqualificá-lo. Lembram as orquestrações nazistas, quando multidões erguiam o braço na saudação ao Führer que as concitava com palavras de ordem de morte aos judeus, aos ciganos e aos comunistas, embriagadas pelo fanatismo instrumentado por Goebbels. Assim acontece hoje com pessoas de boa-fé manipuladas por gente odienta que, em passeatas e shows de rock, repete slogans banais.
Quem pesquisar a história do Brasil dos últimos 50 anos constatará que a vida de Sarney foi marcada pela preocupação com as liberdades públicas, a cidadania e a modernização do Estado. Foi um dos criadores da "Bossa Nova da UDN" - grupo de deputados inconformados com o conservadorismo do partido - e integrou a Frente Parlamentar Nacionalista.
No Senado dos anos 70, foi precursor na defesa do meio ambiente e mais tarde se empenharia na realização da Rio 92. Em dezembro de 1978 relatou a Emenda Constitucional nº 11, que revogou todos os atos institucionais e complementares impostos pelos militares.
Acompanhei-o na formação da Frente Liberal, que resultou na eleição de Tancredo Neves, cujos compromissos Sarney respeitou na montagem de seu governo. Legalizou todos os partidos políticos, assegurou a liberdade sindical, acabou com a censura prévia, foram realizadas as primeiras eleições diretas para prefeito das capitais em 20 anos. Na política externa, reaproximou o Brasil da China e da então URSS e reatou relações diplomáticas com Cuba. Estreitou o diálogo com a Argentina, criou o Mercosul e foi firme diante dos EUA na defesa do interesse nacional.
Sarney convocou a Assembleia Nacional Constituinte, que produziu uma Carta garantindo amplos direitos sociais e incorporando os princípios de democracia direta.
Seu governo inovou em todos os setores. Criou-se o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher; o Ministério da Reforma Agrária; instituiu-se o Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde, o SUDS, que universalizou o atendimento médico. A questão ambiental foi levada a sério com a criação do Ibama; foi dele a Lei de Incentivo à Cultura, atual Lei Rouanet; instituiu o vale-transporte que beneficia milhares de trabalhadores; fez o Programa do Leite, que atendia 7,6 milhões de crianças por dia; pela igualdade racial defendeu sanções contra a África do Sul e criou a Fundação Palmares. Foi o primeiro parlamentar a propor uma política de cotas para negros.
Na área econômica e financeira, surgiu a Secretaria do Tesouro Nacional; foi extinta a conta-movimento do Banco Central no Banco do Brasil, unificado o Orçamento Geral da União e criado o Siafi. Foi dele a ideia do seguro-desemprego e de proteção da moradia do trabalhador contra penhora. Também o projeto de lei que garantiu aos portadores de HIV acesso gratuito a medicamentos.
Sarney abriu o Senado ao País com a rádio e TV Senado ao vivo. Toda a atividade parlamentar está on-line na internet, como também a administração da Casa. O senador convocou juristas para reformar os Códigos Civil, Penal, de Processo Civil e de Defesa do Consumidor, além das reformas política e eleitoral em tramitação no Congresso.
Erros administrativos do Senado foram reparados por proposta de Sarney, que encomendou à FGV uma auditoria na Casa. Omissões e falhas de servidores foram apuradas, e os culpados, punidos. A reforma do funcionamento do Senado será concluída até o fim do ano.
Sarney tem defeitos como todo ser humano, mas os serviços prestados ao País o fazem credor do respeito dos seus compatriotas. É injusto e imperdoável o linchamento moral que fazem de sua biografia.
.
Nenhum comentário:
Postar um comentário