Claudio J. D. Sales
Correio Braziliense
Presidente do Instituto Acende Brasil (www.acendebrasil.com.br)
Douglass North, Prêmio Nobel de Economia de 1993, é conhecido por suas formulações sobre o papel das instituições, entidades que, segundo ele, foram desenvolvidas pelo ser humano para "estruturar as interações políticas, econômicas e sociais". Na visão de North, as instituições são determinantes para o desempenho econômico das sociedades.
Não deixa de ser intuitivo aceitar que, quanto maior a força das instituições de um país, maiores suas chances de sucesso. Dito isso, é com preocupação que constatamos que as instituições no setor elétrico brasileiro estão sob risco.
A politização que aflige setores regulados é bem conhecida e documentada: políticos que, na ausência de projetos reais e construtivos, apegam-se a falsos temas de difícil compreensão e fazem dos mesmos suas bandeiras. Tudo isso visando a objetivos eleitorais de curto prazo. O tema tarifário, muito complexo, é candidato preferido dos populistas. No Brasil e no mundo. Mas, aqui, passamos dos limites: alguns atores do Congresso Nacional — uma minoria, felizmente — começam a extrapolar os limites de seus mandatos e a abalar a força das instituições brasileiras.
Já estávamos acostumados com campanhas falaciosas sobre episódios tarifários: cálculos errados e tendenciosos, omissões propositais, referências ultrapassadas, uso de "estudos" feitos por "estudiosos" que não conhecem o setor elétrico e muito menos a formação de tarifas etc. Um show de horrores atrás do outro. Mas o episódio abaixo exige um registro objetivo porque destroi os avanços de uma instituição que luta há anos para construir um marco regulatório robusto e coerente: a Aneel, agência reguladora do setor elétrico.
Trata-se do Projeto de Decreto Legislativo (PDC) nº 10/2011, que visa a revogar a decisão da diretoria da Aneel de não efetuar uma revisão retroativa das tarifas, episódio já pacificado pela agência e que implicou aditivo aos contratos de concessão das empresas distribuidoras.
Cabe à instituição Congresso estabelecer as leis que regem o setor elétrico, entre as quais as que atribuem à Aneel a responsabilidade pela regulação do setor, incluindo a definição de tarifas ao longo do tempo. Se um congressista — o "indivíduo congressista" — quiser ir além disso e interferir diretamente na regulação, que o faça por meio de propostas nas audiências públicas promovidas pela Aneel, eventos dos quais todo e qualquer agente da sociedade pode participar. Se houver questionamentos ou problemas com a regulamentação vigente, os que realmente estão interessados num setor elétrico melhor para todos — consumidores, governo e empresas — podem encaminhar seus pontos de vista ao regulador.
Mas tais interferências devem ser feitas antes da decisão da Aneel porque, uma vez tomada, tal decisão precisa ser respeitada. Para o bem das instituições.
Interferências pontuais, intempestivas e com efeito retroativo ferem a autonomia da agência e a previsibilidade da regulamentação, até porque não se pode tratar de forma isolada questões com alto grau de interdependência.
O mais preocupante é que tais projetos de decreto legislativo podem se transformar, pelo precedente que seria estabelecido, numa das formas prediletas de grupos de pressão que, por meio de intervenções "cirúrgicas", buscariam a anulação de medidas "inconvenientes" para seus beneficiários. Um perigo incalculável para a coesão legislativa e regulatória do país.
Já circulam no Congresso outros dois anteprojetos de PDCs para sustar a aplicação de um dispositivo de recente resolução da Aneel que aborda os ativos de iluminação pública. Esses PDCs tramitam ao mesmo tempo em que a Aneel promove audiência pública sobre o tema (AP nº 49/2011). Por que não abordar a questão na audiência promovida pela agência e debatê-la com técnicos especializados, levando em conta o contexto mais amplo da regulamentação setorial? Será que alguns deputados, apenas para satisfazer projetos políticos pessoais, almejam transformar o Congresso num "regulador paralelo", fragilizando a Aneel e sua capacidade de bem servir à sociedade?
A Aneel é formada por centenas de técnicos selecionados em disputadíssimos concursos públicos. Tais servidores, diariamente, debruçam-se sobre a Constituição e as leis do setor elétrico, aplicam metodologias que caminham nas fronteiras do conhecimento, e consolidam suas conclusões em documentos transparentemente divulgados em seu website e nas elogiáveis consultas e audiências públicas. Manter essa rotina não é fácil e exige pessoas competentes, éticas e motivadas.
Quando intervenções populistas na forma de projetos de decreto legislativo aparecem no horizonte, a motivação desses técnicos acaba. Afinal, diriam eles, para que tanto estudo e trabalho se seremos "tratorados" por ações de pessoas que não respeitam o que fazemos aqui e só estão interessadas em votos? Políticos vão e vêm ao sabor das eleições, mas os técnicos da Aneel terão que lidar com os estragos feitos por alguns desses parlamentares.
Os congressistas que acreditam na relevância das instituições — que, felizmente, são muitos — precisam agir para defender a Aneel dos outros congressistas que trabalham com a premissa do "quanto pior melhor".
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