sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Vade retro, Luiz!


JOÃO MELLÃO NETO
 O Estado de S.Paulo


Estou no jornalismo há mais de três décadas. Tempo suficiente para constatar que a retórica do poder mudou. Vem mudando, aliás, a cada novo governo. Até mesmo a lógica que rege a política parece ter-se modificado através dos anos. Desde os tempos do regime militar, ao que me recorde. É curioso perceber que esse fenômeno não se dá apenas no modo de se expressar dos governantes. Os seus assessores, simpatizantes, adversários e até inimigos, ao fim e ao cabo, terminam adotando idênticas expressões linguísticas e até o discurso daqueles que ocupam o centro do palco. Essa regra é válida inclusive para nós, da imprensa, que, por dever de ofício, nos deveríamos manter equidistantes do jogo político.

Eu me lembro bem de que, nos tempos dos generais Ernesto Geisel e João Figueiredo - mesmo depois que a censura à imprensa acabou -, era muito raro encontrar nos jornais artigos nos quais os autores não se valessem do vocabulário próprio das casernas para expressar as suas opiniões. As expressões mais comuns na imprensa daquele período eram "dispositivo civil", "teatro de guerra", "operação política", "técnicas de despistamento", "recuo tático", "manobra ofensiva" e tudo o mais que compunha o jargão militar.

Até que, em 1985, o último general bateu em retirada. Com ele partiram também os cavalos que tanto amava e os inúmeros oficiais militares que infestavam a capital da República. Os que estavam na ativa ocupavam prestigiosos postos no SNI - o todo-poderoso Serviço Nacional de Informações. Quanto aos já reformados, cabiam-lhes as diretorias das quase 400 empresas estatais.

Vieram, então, a Nova República, a redemocratização e a Assembleia Nacional Constituinte. E as expressões mais em voga, nessa época, passaram a ser "responsabilidade social", "diálogo democrático", "causas populares", "reformas institucionais", etc. Mas o que realmente importava, para a Nação, era remover o "entulho autoritário".

Tudo o que se produzisse em termos de noticiário só era publicável se pudesse encaixar-se numa dessas prateleiras. O resto era enviado para a "cesta seção", eufemismo que designava a cesta de lixo.

Vieram os anos 1990 e, com eles, a ditadura do "politicamente correto". Para a liberdade de expressão era algo ainda pior do que a censura imposta pelos militares. Ao menos esta última vinha de fora. O autopoliciamento é o que de fato esteriliza a criatividade e o livre-pensar. A necessidade de se expressar apenas em termos neutros e não preconceituosos, a premência de se valer exclusivamente de vocábulos não ofensivos a ninguém, tudo isso representava - e cada vez mais representa - uma verdadeira castração intelectual.

Mas o recurso ao dicionário viria a se tornar, de fato, imperioso somente alguns anos depois. Foi quando se iniciou a era FHC. Os emproados tucanos que cercavam o então presidente Fernando Henrique Cardoso, em sua maioria, provinham dos meios acadêmicos de São Paulo. E, portanto, cultivavam um linguajar complexo e hermético. Havia entre eles, também, alguns economistas de origem carioca. Mas estes falavam um português ainda mais difícil. E com isso causavam uma enorme confusão na cabeça das pessoas.

A começar pelo próprio presidente, que ao se lançar candidato alegou um "imperativo categórico", até um alto dirigente econômico que se regozijou por estar realizando uma "destruição criadora", quase todos eles disseram coisas que para o cidadão médio não faziam sentido. Ora, ninguém tem obrigação de conhecer Kant ou Schumpeter para decifrar o que eles realmente pretendiam. À primeira vista parecia que o economista estava cumprindo uma terrível profecia bíblica e o candidato, apenas pedindo licença para ir ao toalete.

Isso para não falar em outro economista que, quando ocupou a presidência do Banco Central, pretendeu dar um jeito na economia por meio de uma certa "banda diagonal exógena". Confesso que até hoje não descobri o que ele queria dizer... O fato é que o dólar disparou, a popularidade do governo despencou e o sujeito está sendo processado na Justiça até hoje.

No meu entendimento, o governo dos tucanos foi muito positivo. Eles promoveram muitas reformas importantes e também forçaram a imprensa a enriquecer o seu vocabulário. Mas, evidentemente, com tal linguajar não conseguiram transmitir nenhum de seus feitos ao povo. E este, ao final, cuidou de eleger alguém da oposição que falasse um português minimamente compreensível.

Infelizmente, os eleitores exageraram na dose. Escolheram o Lula, que abusa da linguagem chula, das metáforas impróprias e dos atentados às normas gramaticais.

Seu talento retórico é inegável. Ganhou o mundo com seu enredo do "coitadinho que chegou lá". Plagiou as ideias de seu antecessor, colheu os frutos do que aquele plantou e, mesmo quase nada fazendo, vendeu a imagem de grande realizador.

Logrou eleger a sua sucessora, mas deixou para ela uma pesada herança: uma equipe ministerial que já está sendo conhecida como "Marilyn Monroe" - não passa um mês sem se envolver num escândalo.

Pasmem, leitores, o homem quer voltar! E, ao que parece, já se vai candidatar agora, em 2014. Com, sem ou contra Dilma Rousseff.

O que dizer a ele? Vade retro, Satanás!

Ou, então, escrever-lhe uma carta nos moldes da que - segundo citou Magnoli - o ex-aliado D'Annunzio enviou a Benito Mussolini: "Acorde! E se envergonhe também! (...) Pelo menos fure a barriga que vos oprime e desinche-a. Senão chegarei eu. Mas não o olharei no seu rosto".
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