EDITORIAL
VALOR ECONÔMICO
Requentado ou não, o escândalo envolvendo o ministro do Esporte, Orlando Silva, com o desvio de verbas do Programa Segundo Tempo deixou vulnerável uma das autoridades responsáveis pela decisão sobres bilhões de reais envolvidos na preparação para a realização da Copa do Mundo de 2014 e da Olimpíada de 2016, no Rio de Janeiro.
É conhecido, em Brasília, o mal-estar que causam à presidente da República as relações duvidosas de seu ministro do Esporte com a cartolagem do futebol. Até agora, essa rede de amigos e a memória acumulada em relação aos dois eventos - o ministro é remanescente do governo Lula - são as únicas justificativas para a manutenção de Silva no cargo.
No ministério, ele representa um partido inexpressivo politicamente, dono de uma bancada de pouco mais de uma dezena de deputados que se destacam pela ferocidade com que defendem a "boquinha" que detêm no governo.
As denúncias envolvendo o ministro no desvio de verbas do Programa Segundo Tempo não são novas. É salutar que se dê ao ministro o benefício da dúvida. A "presunção da inocência" faz parte do processo civilizador e é bom que assim a entenda o governo. Mas já não há como esconder as sucessivas demonstrações de leniência e incompetência do Ministério do Esporte na gerência dos recursos destinados a incentivar os esportes no país.
Já há algum tempo é de domínio público que Organizações Não Governamentais (ONGs) transformaram-se num ralo de desvio do dinheiro público. Elas somam milhares e são de difícil fiscalização. Há quem diga, no governo, que é impossível mantê-las integralmente no radar do Estado e de seus órgãos de controle e fiscalização. A própria presidente Dilma Rousseff afirmou na África que o governo precisa ser mais rigoroso nos contratos que faz com ONGs.
Segundo Dilma, é preciso endurecer as regras para reduzir a fragilidade dos convênios. "O que nós detectamos é que em geral elas são menos formais do que as prefeituras e do que os Estados, que têm toda uma regulamentação", disse a presidente ao chegar à África do Sul, primeira etapa de uma jornada pelo continente africano iniciada na segunda-feira. Dilma foi elegante, pois também é do conhecimento público que ONGs - e não se pode generalizar- se transformaram num instrumento de partidos e de políticos para o desvio de verbas públicas.
Silva, aliás, nem é o primeiro ministro do atual governo a ser açoitado pela falta de vigilância sobre os acordos que seu ministério fez com algumas dessas organizações. Antes dele, houve o folclórico deputado Pedro Novaes (PMDB-MA), do Turismo, já posto para fora do governo. Até o ministro encarregado da relação do governo com os movimentos sociais, Gilberto Carvalho (Secretaria Geral da Presidência), já registrara a epidemia de "picaretagem" no meio. Não há como deixar de constatar: é preciso diminuir esse tipo de convênio e tornar mais eficiente a fiscalização dos contratos.
Evidentemente, há de se separar o joio do trigo. Existem organizações de primeira linha que merecem e precisam ser incentivadas. Esse é o caso, por exemplo, da Fundação Butantã, que em 2010 recebeu quase R$ 900 milhões para a produção de vacinas e imunizantes - e que nem por isso devem deixar de ser auditadas em cada centavo público recebido. E há aquelas ONGs suspeitas à primeira vista, como parece ser o caso de uma boa parte das entidades atendidas pelo Programa Segundo Tempo.
Talvez seja o caso de se delimitar com mais precisão o objetivo do programa. Hoje ele é um guarda-chuva sob o qual cabe qualquer coisa. Sua meta é "democratizar o acesso à prática e à cultura do Esporte de forma a promover o desenvolvimento integral de crianças, adolescentes e jovens, como fator de formação da cidadania e melhoria da qualidade de vida, prioritariamente em áreas de vulnerabilidade social". Ou ainda de mais transparência, como ocorre com o Bolsa Família, cujos beneficiários são listados na internet - o que também não o torna imune à fraude.
Seja como for, urge ao governo rever a política de repasses a entidades sem fins lucrativos, denominação na qual cabem tanto as ONGs como os partidos. Nos últimos seis exercícios, a transferência de recursos para essas entidades cresceu a cada ano, passando de R$ 1,9 bilhão, em 2004, para R$ 5,4 bilhões, em 2010. Como se alguém, num piscar de olhos, descobrisse o caminho das pedras.
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