MARCELO GLEISER
FOLHA DE SP
Será que um dia você poderá visualizar os seus pensamentos e torná-los acessíveis em arquivos visuais? Imagine assistir os seus sonhos como se fossem um filme!
Parece coisa de ficção científica, certo? E se outra pessoa (ou o governo) ganhasse acesso ao que ocorre na sua mente? Ou se víssemos o que ocorre na mente de um paciente em coma? As possibilidades médicas são enormes, as complicações éticas também. Supondo que essas tecnologias virem realidade, onde devemos parar? Será que prisioneiros deverão ser submetidos a leituras cerebrais para que o júri possa confirmar o seu veredicto?
Continuamos longe de ver o que ocorre em nossas mentes. Mas não tão longe quanto costumávamos estar. Num experimento recente, voluntários assistiram a videoclipes enquanto sua atividade cerebral era registrada usando ressonância magnética funcional (fMRI). Com os dados coletados, computadores foram capazes de reconstruir parcialmente as imagens que os voluntários viram. Não é o mesmo que ver dentro de suas mentes, mas ver o que suas mentes viam, um feito já bem impressionante.
Como afirmou o cientista cognitivo Jack Gallant, da Universidade da Califórnia em Berkeley, que é um dos autores do estudo, "é um grande avanço para a reconstrução de imagens internas... abrimos uma tela para assistir os filmes que passam em nossas mentes".
Dentre os inúmeros benefícios dessa tecnologia, podemos imaginar o dia em que pessoas deficientes (ou qualquer outra) poderão comandar computadores com suas mentes. No experimento, os voluntários tiveram de ficar sendo escaneados por horas, para que a máquina de fMRI registrasse o fluxo sanguíneo do córtex visual, a região do cérebro que processa a visão.
Num computador, os pesquisadores dividiram o cérebro em pequenos cubos, chamados voxels (pixels volumétricos). A informação dos clipes que chegava ao córtex era medida pelo fMRI, enquanto o computador gravava o tipo e o local da atividade neuronal correspondente a cada imagem, criando um mapa da informação segundo a segundo.
O computador então comparou essa informação com 18 milhões de clipes tirados do YouTube, buscando padrões semelhantes. Os cem mais parecidos eram combinados, e as imagens eram usadas para reconstruir os clipes originais.
Não há dúvida de que esses são apenas os primeiros passos de uma nova tecnologia, e que ninguém pode ainda ver o que se passa na sua cabeça. Dois desafios importantes são a baixa velocidade com que as máquinas atuais de fMRI registram a atividade neuronal (é por isso que a reconstrução é de segundo a segundo) e o tamanho limitado da videoteca usada para comparação.
(Por exemplo, nos 18 milhões de videoclipes do YouTube não havia um com um elefante, de modo que aquela parte da correspondência foi prejudicada.) Porém, como é o caso com novas tecnologias, os primeiros passos podem ser lentos, mas o progresso ocorre mais rápido do que o esperado.
Talvez nossa geração não tenha de censurar nossos sonhos para maridos e mulheres; mas é bem provável que a geração de nossos filhos não terá tanta sorte.
MARCELO GLEISER é professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor de "Criação Imperfeita"..
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