quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Crise, eles e nós

Alguns detalhes precisam ser melhor esclarecidos.
A imagem do mapa mundi de cabeça para baixo, na capa da Economist, é a mesma que é símbolo do Foro de São Paulo.

A reportagem em si trás algum ranço com relação à prevalência do comércio com os EUA em relação aos de origem da comunidade européia. Não ficou claro para mim se a revista elogia os governos por austeridade que fazem o PIB, em média, subir para 5,5%. Todavia o PIB não sobe por obra e graça de regimes de governo tampouco por melhor distribuição de renda.

O que precisa ser relembrado é que todos os países da região enfrentam problemas quase que incontornáveis que tornam sua produção e inserção no mercado mundial um eterno desafio. Dentre eles temos os efeitos de terremotos, maremotos e furacões que aniquilam toda a produção agrícola e a infra-estrutura do país, fazendo com que eles sejam sempre dependentes de empréstimos do BIRD e do Banco Mundial. 

Além desse importante fator, o histórico baixo nível de escolaridade, em média, não permite que se avance em termos de produção tecnológica ou que os investimentos nestas áreas sejam atrativos às empresas estrangeiras. Assim, querendo-se ou não, quem entra na equação para manter a sustentabilidade da região são os EUA.

Seria bem melhor se a mídia especializada avançasse por estes caminhos sempre colocados em segundo plano nas análises dos especialistas.

Crise, eles e nós
Miriam Leitão - O Globo - 15/09/2010
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Dois anos depois do dia em que o Lehman Brothers quebrou, o balanço mostra que a economia americana cresce pouco, a Europa teve que fazer um esforço para salvar o euro, o Japão voltou à estagnação, o mundo fez um acordo por nova regulação bancária. A China e a Índia crescem forte. A América Latina toda cresce, exceto Venezuela, Cuba e Haiti.

Não deixa de ser animador que na semana em que o mundo completa dois anos daquela assustadora segunda, 15 de setembro, a capa da revista “The Economist” fale sobre o “renascimento” latinoamericano, justo a região que sempre foi mais atingida pelas crises mundiais.

Um mapa do mundo ao contrário, com a América do Sul acima e a do Norte abaixo, decora há décadas a parede do gabinete do ministro no Itamaraty. Essa mesma ideia está na última capa da “Economist”, com o título: “Não é quintal de ninguém”.

Claro que há ainda muitas mazelas por aqui. Quem tiver em mente o massacre no México, de 72 imigrantes, alguns brasileiros, que tentavam chegar ilegalmente aos Estados Unidos, atrás do sonho americano, pode achar que ainda é cedo para comemorações.

A região tem muitos sinais do passado: o caudilhismo do Chávez lembra velhos tipos da região.

Há sinais assustadores de neo-caudilhismo no Brasil também. O casal Kirchner conspira contra a modernização da Argentina. A guerra contra as drogas no México exibe falhas de outras instituições, como as Forças Armadas.

No Brasil, a corrupção parece incansável.

Mas na área macroeconômica, a região enfrentou muito bem a crise. No Brasil, a agilidade do BC e as altas reservas impediram que se repetisse o cenário de crise cambial. A região teve rapidez na recuperação pós-crise na maioria dos países e, este ano, está com forte crescimento, não apenas no Brasil.

Uma das razões desse bom momento é o crescimento forte da China e da Índia e a demanda por matérias-primas da região, diz a “Economist”, que, no entanto, registra como principal fator do progresso o sucesso na luta contra a inflação crônica, a maior responsabilidade fiscal e a regulação bancária mais prudente que nasceram das crises dos anos 80 e 90.

Essa é a lição da América Latina para o sul da Europa: a crise das dívidas soberanas foi enfrentada com reformas estruturais que agora estão mostrando seu valor.

A crise derivada da quebra do Lehman Brothers remodelou a conjuntura econômica.

Hoje, a Europa ainda vive engasgada com enormes déficits e dívidas, cresce pouco e houve um momento em que o próprio euro correu riscos.

Nos Estados Unidos, a popularidade do presidente Obama se esvaiu nos primeiros dois anos de mandato, em decorrência direta do ambiente econômico. Ele herdou a crise, não a fez, mas a cabeça da sua equipe econômica está sendo pedida no debate pré-eleitoral, sob a acusação de não ter sido capaz de superar a crise e recuperar o emprego.

Já no mundo emergente, houve gradações diferentes de impacto da crise. O Brasil teve uma queda abrupta do ritmo de crescimento. O país crescia a 6% e caiu a -0,2%. A Pnad de 2009 mostrou que a taxa de desocupação aumentou 18,5%. O país teve dois trimestres de recessão. A Índia e a China tiveram apenas uma redução do ritmo de crescimento. Rússia e México tiveram recessões de 7%.

Em 2010, todos voltaram a crescer, inclusive o México.

A América Latina tem vários países com crescimento forte: Brasil, Peru, Colômbia, Chile, Argentina. Mas a “Economist” mostra também que os velhos problemas permanecem.

A produtividade tem crescido a níveis mais baixos do que em outras partes do mundo. A região tem baixos níveis de poupança e de investimento. Aceita padrões medíocres na educação e inovação. Tem uma regulação trabalhista que induz a um grau enorme de informalidade na economia.

Para resolver esses problemas, a região precisaria, diz o texto, de líderes que renovassem seu apetite por reformas. Outro risco atual é o fortalecimento da ideologia do Estado forte.

A América Latina precisa também evitar o antiamericanismo de Hugo Chávez e, de acordo com a “Economist”, o país com mais chance de neutralizar esse “nonsense” é o Brasil. Por outro lado, os Estados Unidos também precisam mudar a atitude com que sempre trataram os países do sul do continente. O muro separando os Estados Unidos do México é o exemplo desse erro de ver os riscos e não as oportunidades na relação com os vizinhos. O país deveria construir pontes, diz a revista, até pelo dinamismo econômico da região.

A reportagem foi feita a propósito dos 200 anos de independência de vários países hispânicos que se comemora em 2010. A nossa independência, como se sabe, veio depois, teve outro caminho.

Mas este momento que o Brasil vive não é muito diferente do que é vivido pela maioria dos outros países latinoamericanos. Nas suas vantagens, acertos, riscos e erros. A fórmula é não errar velhos erros e fortalecer os acertos das últimas duas décadas.

Porque crises como a de 2008/2009 sempre acontecem.

É preciso se preparar para os sustos como o daquele 15 de setembro que ainda não foi digerido por inúmeras economias. 
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