terça-feira, 30 de novembro de 2010

O fascínio dos jornais

O fascínio dos jornais

Carlos Alberto Di Franco - O Estado de S.Paulo
A melhor arma do jornal para se adaptar às novas tecnologias digitais é a qualidade do seu conteúdo. Há mais de uma década, falando do alto da tribuna da Associação Mundial de Jornais, Bill Gates fez um exercício de premonição. O dono da Microsoft previu que no ano 2000 não haveria mais jornais impressos. Hoje, ao contrário da sombria profecia de Gates, os diários continuam vivos. No Brasil, para além da razoável saúde dos diários tradicionais, explodiu o fenômeno dos populares de qualidade. O novo segmento não tem apenas incorporado novos leitores. Ele, de fato, representa uma esplêndida plataforma educativa. É fascinante ler alguns depoimentos dos novos leitores. São pessoas simples, frequentemente marginalizadas do debate público, que encontraram nos jornais populares de qualidade a porta de entrada da cidadania.

Os diários têm conseguido preservar o seu maior capital: a credibilidade. A confiança da população na qualidade ética dos seus jornais tem sido um inestimável apoio para o desenvolvimento de um verdadeiro jornalismo de buldogues. O combate à corrupção e o enquadramento de históricos caciques da política nacional, alguns sofrendo o ostracismo do poder e outros no ocaso do seu exercício, só é possível graças à força do binômio que sustenta a democracia: imprensa livre e opinião pública informada.

Os jornais brasileiros têm cumprido um papel singular. Transformaram-se, de fato, numa instância decisiva de uma sociedade abandonada por muitas de suas autoridades. O Brasil, graças também à qualidade dos seus jornais, está experimentando uma profunda mudança cultural. A corrupção, infelizmente, sempre existirá. Faz parte da natureza humana. Mas uma coisa é a miséria do homem; outra, totalmente diferente, é a indústria da negociata e a certeza da impunidade. Estas, sem dúvida, devem e podem ser combatidas com os instrumentos de uma sociedade civilizada. A transparência informativa é o elemento essencial na renovação dos nossos costumes políticos.

Mas o cidadão que confia na integridade dos jornais é o mesmo que nos envia alguns recados: quer menos frivolidade e mais profundidade. Tradicionalmente fortes no tratamento da informação, alguns diários têm sucumbido às regras ditadas pelo mundo do entretenimento. Ao atribuírem à televisão a responsabilidade pelo emagrecimento de suas carteiras de leitores, partiram, num erro estratégico, para um perigoso empenho de imitação. Acabamos, frequentemente, imobilizados por uma falácia. A força da imagem, indiscutível e evidente, gerou um perverso complexo de inferioridade em algumas redações. Perdemos a coragem de sonhar e a capacidade de investir em pautas criativas.

É hora de proceder às oportunas retificações de rumo.

A revalorização da reportagem e o revigoramento do jornalismo analítico devem estar entre as prioridades estratégicas. É preciso atiçar o leitor com matérias que rompam a monotonia do jornalismo de registro. Menos aspas e mais apuração. O leitor quer menos show e mais informação de qualidade. O sensacionalismo, embora festejado num primeiro momento, não passa pelo crivo de uma visão retrospectiva. Curiosidade não se confunde com aprovação. O prestígio de uma publicação não é fruto do acaso. É uma conquista diária. A credibilidade não se constrói com descargas de adrenalina.

Apostar em boas pautas (não muitas, mas relevantes) é outra saída. É melhor cobrir magnificamente alguns temas do que atirar em todas as direções. O leitor pede reportagem. Quando jornalistas, entrincheirados e hipnotizados pelas telas dos computadores, não saem à luta, as redações se convertem em centros de informação pasteurizada. O lugar do repórter é na rua, garimpando a informação, prestando serviço ao leitor e contando boas histórias. Elas existem. Estão em cada esquina das nossas cidades. É só procurar.

O leitor não quer receber o noticiário do telejornal da véspera. Quer análise, interpretação, explicação. Quer, no fundo, algo que sirva para a sua vida. O que vai conquistar novos leitores é uma ágil e moderna prestação de serviços, é a matéria que ultrapassa a superficialidade eletrônica, é a denúncia bem apurada, é o texto elegante e bem escrito.

Há muito espaço para o jornalismo de qualidade. Trata-se de ocupá-lo. Com competência, ousadia, criatividade e, sobretudo, com ética. A percepção do cidadão a respeito do papel do jornal é um inequívoco reconhecimento do seu vigor editorial e da força da sua credibilidade. Isso é bom. Mas deve ser um ponto de partida. Não podemos deixar a peteca cair. O Brasil depende, e muito, da qualidade técnica e ética dos seus jornais.

Finalmente, precisamos ter transparência no reconhecimento de nossos eventuais equívocos. Uma imprensa ética sabe reconhecer os seus erros. As palavras podem informar corretamente, denunciar situações injustas, cobrar soluções. Mas podem também esquartejar reputações, destruir patrimônios, desinformar. Confessar um erro de português ou uma troca de legendas é fácil. Mas admitir a prática de atitudes de prejulgamento, de manipulação informativa ou de leviandade noticiosa exige coragem moral. Reconhecer o erro, limpa e abertamente, é o pré-requisito da qualidade e, por isso, um dos alicerces da credibilidade.

A força de uma publicação não é fruto do acaso. É uma conquista diária. A credibilidade não combina com a leviandade. Só há uma receita duradoura: ética, profissionalismo e talento. O leitor, cada vez mais crítico e exigente, quer notícia. Quer informação substantiva.

O jornalismo moderno, mais do que qualquer outra atividade humana, reclama rigor, curiosidade, ética e paixão. É isso que faz a diferença.

DOUTOR EM COMUNICAÇÃO, É PROFESSOR DE ÉTICA E DIRETOR DO MASTER EM JORNALISMO E-MAIL: DIFRANCO@IICS.ORG.BR

A segunda entrevista do bandido

Arnaldo Jabor 

O Estado de S.Paulo
-Em maio de 2006, tu me entrevistou... Estou lembrado da tua cara... Saiu até no Harper"s Magazine... em inglês...
Agora estão me mudando de Catanduvas, acho que para Roraima, sei lá. Mas, creia que eu não ordenei ataque nenhum, que não sou burro. Você acha que eu ia queimar ônibus e jogar a população contra nós? Isso é coisa de traficas idiotas... Na época, você me perguntou como entrei no crime e eu te disse que eu era invisível desde menino... Vocês nunca me olharam durante décadas... E olha que era mole resolver o problema da miséria... O diagnóstico era óbvio: migração rural, desnível de renda, poucas favelas, ralas periferias... A solução é que nunca vinha... O governo federal alguma vez alocou uma verba para nós? Nós só aparecíamos nos desabamentos de barracos ou nas músicas românticas sobre a "beleza dos morros ao amanhecer", essas coisas... Os policiais eram considerados bandidos e nos éramos heróis, lembra? "Vítimas da miséria." É; mas quem fez o crime crescer não foi a miséria; foi o capitalismo, cara. Com a multinacional do pó, ficamos ricos e as armas chegaram... Aí começou o "que horror!", "que medo!" entre vocês do asfalto. Nós fomos o início tardio de vossa consciência social...
- Como assim?
- Nós somos filhos tortos do crescimento econômico; e vocês também. Nosso enriquecimento e virulência obrigaram vocês a se modernizarem na repressão. De certa forma, vocês aprenderam conosco, numa espécie de "formação reativa dialética". Viu, como sou culto? ...Li centenas de livros em Catanduvas.
- Sim, mas você que viveu na barra-pesada, me diga, qual é a solução?
- Vocês só chegam a algum sucesso se desistirem de defender a "normalidade". Olha aqui, mano, não há mais solução! A própria ideia de "solução" já é um equívoco pequeno-burguês... há há ...é filosoficamente uma esperança vã!
Mas, vou ser franco contigo, na boa, na moral: estamos todos no centro do "Insolúvel". Vocês no bem e eu no mal e, no meio, a fronteira da morte, a única fronteira.
Só que nós sabemos que não há saída. Só a morte ou a merda. E nós já trabalhamos dentro delas. A morte para vocês é um drama cristão numa cama. A morte para nós é o "presunto" diário, desovado na vala... Vocês, intelectuais, não falavam em "luta de classes", em "seja marginal seja herói"? Pois é: somos nós! Há há...
Há uma terceira coisa crescendo aí fora, cultivada na lama, se educando no absoluto analfabetismo, se diplomando nas cadeias, como um monstro "Alien" escondido nas brechas da cidade. Você não ouve as gravações feitas "com autorização da Justiça"? Pois é. É outra língua. Estamos diante de uma espécie de Pós-Miséria. Isso. Há uma nova cultura assassina, ajudada pela tecnologia, celulares, internet, armas modernas. É a merda com chips, com megabytes. Meus comandados são uma mutação social, são fungos de um grande erro sujo.
- O que mudou nas periferias?
- Grana. A gente hoje tem. Você acha que quem tem US$ 40 milhões, como o Beira Mar, não manda? Com 40 milhões a prisão é um hotel. Quem vai queimar essa mina de ouro, tá ligado?
Vocês são o Estado quebrado, dominado por incompetentes.
Nós temos métodos ágeis de gestão. Vocês são lentos e burocráticos. Vocês são regionais, provincianos. Nossas armas e produtos vêm de fora; somos globais.
- Você acha que o caminho é esse?
- Vocês estão fazendo uma crítica da própria incompetência. Esse negócio das UPPs é muito bom. É a primeira coisa imaginosa que apareceu. Mas, se não houver uma reforma geral das instituições, as UPPs podem morrer na praia. Elas mantêm o paciente vivo, mas não combatem a doença original.
Tem de haver uma reforma radical do processo penal do País, tem de haver comunicação e inteligência entre policias municipais, estaduais e federais, programas sociais e educação. Tudo bem... agora melhorou muito; aumentou o pragmatismo e a eficiência. Nós sempre estivemos no ataque; vocês na defesa. Agora tudo se inverteu. Parabéns.
A repressão aprendeu muito conosco. A polícia e a política aprenderam com o excesso de horrores que já produzimos nos últimos 30 anos, aprenderam com os tremores da população, com os ônibus pegando fogo, com as cabeças cortadas, com os micro-ondas torrando os X-9s , aprenderam que não há mais solução e sim "processo" e por isso vocês estão ganhando terreno. Parabéns. Mas, agora como se diz no Exército, está na hora do "aproveitamento do êxito". Não adianta tomar o morro e depois sair, não adianta matar, celebrar vitórias, não adianta nada se...
- Sim, o que devem fazer as forças policiais?
- Vou dar um toque, mesmo contra mim. Escreve aí: peguem os barões do pó! Tem deputado, senador, tem generais, tem até ex-presidentes do Paraguai nas paradas de cocaína e armas.
Isso não é assunto para polícia, não. Isso é uma questão de Estado, é tão importante quanto impedir o desmatamento. Está havendo uma mudança psicológica na população. Faz parte do crescimento econômico. Não é bom para o mercado uma zorra como a nossa. A produção no mundo está nos obrigando à modernização e à democracia. Eu estou falando como um cientista político porque sou um cientista sobre mim mesmo - há, há... Meu destino está traçado, o sangue está grudado em mim, mas o destino de vocês também está. Eu vejo hoje muito mais do que via, mas vocês também têm de mudar. Estou lendo o Klausewitz - Sobre a Guerra - e digo que vocês não podem esperar uma vitória total, solução, a paz em Ipanema e o mundo voltando atrás. Nunca mais.
É com no Oriente Médio, com os homens-bomba. Nunca haverá uma vitória clássica. Dá para melhorar, urbanizar, civilizar, mas o mundo de hoje tem um preço trágico que todos terão de pagar. Todos vamos conviver com a própria miséria.
De qualquer forma, parabéns... por linhas tortas chegaram lá. A história não é uma linha reta. É um ziguezague.
Vocês nunca terão uma solução completa, mas, ao menos, já conhecem o problema...
Vamos lá... Vou vazar para Roraima... mas, olha, cara: não há mais segurança máxima na vida...
Bye bye, Catanduvas... 

China é que dá as cartas no comércio com o Brasil

Rodrigo Tavares Maciel
O Estado de S. Paulo

Mais de seis anos se passaram desde as trocas de visitas presidenciais entre Brasil e China, que fizeram com que o País finalmente despertasse para a emergência chinesa no mundo, e o perfil das relações comerciais entre os dois países pouco, ou mesmo nada, alterou. O Brasil continua somente reagindo à demanda chinesa, permitindo ao país asiático conduzir o relacionamento. Ou seja, o Brasil é comprado pela China. O ano de 2010 deverá registrar novo recorde do comércio sino-brasileiro. As trocas comerciais atingirão US$ 50 bilhões e o Brasil terá superávit comercial também recorde (até outubro já registrava superávit de US$ 5,1 bilhões). As vendas para a China, de janeiro a outubro, cresceram 42,6% (totalizando US$ 25,8 bilhões), comparado com o mesmo período de 2009, mas infelizmente sua concentração em commodities atingiu recorde de 82,7% .

O número de empresas exportadoras para a China continua reduzido, assim como o interesse da indústria brasileira pelo mercado consumidor chinês. O Brasil continua ignorando o fato de que cerca de 72% das importações totais chinesas são de bens manufaturados e que o mercado chinês supera 250 milhões de consumidores, com potencial para ultrapassar 350 milhões em 2015. Os exportadores brasileiros parecem desconhecer que a população urbana chinesa será maioria em 2012 pela primeira vez na história e que na próxima década mais de 133 milhões migrarão para as cidades. O Brasil se mantém ausente de um mercado que já é maior consumidor mundial de aparelhos de celular, televisores, automóveis e bens de luxo, entre outros.

Mas os dados do comércio sino-brasileiro de 2010 também apresentam sinais bastante positivos para o Brasil. A China conquista a posição de principal compradora do petróleo brasileiro, posição que até 2009 era ocupada pelos Estados Unidos, assim como se mantém como primeiro parceiro comercial brasileiro, posição conquistada em 2009, desbancando os EUA. Não há dúvidas de que o contrato de fornecimento de petróleo firmado pela Petrobrás com a Unipec Asia, subsidiária da China Petroleum & Chemical Corporation (Sinopec), contribuiu de forma crucial para o crescimento das vendas em 143,2% (em volume). Assim como também não há dúvidas de que esse crescimento será muitas vezes maior nos próximos anos com o avanço da produção do Pré-Sal. Além do contrato de fornecimento com a Petrobrás, as chinesas Sinochem e Sinopec adquiriram participações relevantes nas operações das empresas Statoil e Repsol, com o objetivo claro de garantir fornecimento estável do produto.

Dessa forma, o petróleo provavelmente se tornará, em futuro breve, principal produto das exportações brasileiras para a China, posição ocupada pelo minério de ferro em 2009 e 2010.

É sócio-diretor da Strategus Consultoria
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O dia seguinte

Miriam Leitão 
O Globo

É emblemático que o símbolo da conquista seja uma bandeira brasileira numa obra do governo. O teleférico é do PAC, o PAC é do governo. A bandeira ser o retrato da reconquista exibe a ambiguidade da situação. Mas nunca tivemos tanta chance de enfrentar nossas contradições e vencer uma forma de organização da economia do crime no Rio que incluía o controle territorial.

O Rio sonhou muito com este momento. Foi um avanço quando todos passaram a entender que os bandidos tiranizam as populações locais. Parece simples agora que o conceito se firmou, mas por muito tempo havia desvios na forma de pensar o problema das áreas do Rio onde o crime se instalou. Os governos sempre pediram licença às “autoridades” locais para entrar, o que significava legitimá-las. Por isso a palavra “libertação” se justifica. Depois da euforia, é hora de pensar com racionalidade os passos seguintes, os dias seguintes.

O que apareceu até agora foram os frutos do crime: um enorme volume de drogas e de armas apreendidas. Sabese pouco do paradeiro dos chefes. A Polícia e as Forças Armadas ocuparam o terreno para estrangular fisicamente o tráfico, mas os canais financeiros que alimentam o negócio continuam abertos. É uma atividade que gera muito dinheiro e muito desses recursos acaba circulando pelo sistema bancário.

O Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) e o Banco Central foram importantes quando se combateu o PCC em São Paulo. As pessoas ligadas direta ou indiretamente ao crime precisam ter suas movimentações financeiras analisadas cuidadosamente pelo Coaf, cuja função é esta mesma. O órgão não faz trabalho de campo. Ele analisa informações de movimentações financeiras suspeitas para evitar que dinheiro ilegal vire legal. Oficialmente, o Coaf tem que ser informado apenas de movimentações acima de R$ 100 mil. No caso do tráfico, há milhares de depósitos de pequeno porte numa mesma conta. É mais difícil de flagrar. O órgão já está atento.

O tráfico é uma atividade econômica. Criminosa, bandida, mas que tem os mesmos elementos de qualquer outra: emprega, gera renda, tem uma logística de distribuição dos seus produtos, tem financiamento e mercado. Mesmo se por milagre todos os chefes do tráfico forem presos, outros tomarão seus lugares e a atividade econômica continuará. O economista Sérgio Besserman avalia que a vitória foi contra um dos absurdos, o maior deles:

— Os Estados Unidos gastam US$ 15 bilhões por ano lutando contra as drogas e estão perdendo. O que houve neste fim de semana foi uma vitória contra a lógica de controle territorial do crime que existe no Rio. Mesmo que em Los Angeles ou São Francisco circule mais droga do que aqui, os criminosos não são donos de partes da cidade. Quando o Estado aceita não entrar em uma área, ele passa a admitir tudo. Esse foi o sentido dessa vitória.

Como o Estado organizou as obras do PAC? Como as empreiteiras fazem seu trabalho? Que poder têm os bandidos sobre os trabalhadores contratados? Obviamente tudo foi feito com negociação ou anuência do tráfico, do contrário a Polícia não instalaria uma bandeira no teleférico como símbolo da libertação.

Nós vivemos agora a agradável sensação de alívio. Uma fortaleza que parecia inexpugnável foi conquistada com vários ineditismos, como a cooperação entre as forças do Estado. Foi um dia realmente histórico, mas para não perder a vitória é preciso dar os outros passos.

O secretário de Assistência Social, Ricardo Henriques, já tem pensado esse futuro. O PAC social tem projetos em andamento. Já beneficiou 2.700 famílias com novas casas e apartamentos, instalou uma escola de ensino médio de qualidade, fez uma UPA. Aquele morro que foi visto por todo mundo com os bandidos fugindo da Vila Cruzeiro para o Alemão será reflorestado para ser área de preservação ambiental. Com a UPP, chegará também a UPP Social, que vai olhar antes a realidade local.

— Cada comunidade tem uma realidade diferente. Pavão- Pavãozinho, Chapéu Mangueira são diferentes do Alemão — diz Ricardo Henriques.

O economista André Urani confirma essa ideia, lembrando que em algumas favelas da Zona Sul há uma economia no entorno. No Alemão, não.

— Em volta do Alemão é um cemitério industrial. E não adianta pensar em novas indústrias, porque as grandes cidades estão se desindustrializando. Lá, moram pequenos prestadores de serviços, pintor, a mulher que faz o sacolé (picolé em saco), o serralheiro. É um mundaréu de pequenas atividades órfãs. Não adianta querer formalizar tudo. Se a mulher do sacolé tiver que pagar pela luz do freezer — e o governo estadual ainda cobrar 40% de imposto sobre a luz — ela vai preferir a informalidade — diz Urani.

É preciso não esquecer que todas as favelas da Zona Oeste ainda estão sob o domínio das milícias, e que das 13 comunidades onde há UPP, só uma, a do Batan, foi tirada da milícia.

Os dados sobre o Alemão são pouco confiáveis, segundo Besserman, porque há uma subdeclaração. Moradores preferiam não dizer que são de lá pelo estigma do local. Agora, o Complexo será mais bem estudado.

Enfim, o desafio da vitória se multiplica e se bifurca como as ruelas do Alemão. Há muito a fazer no dia seguinte a uma vitória como essa. Mas que bom que chegou o dia seguinte.
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Antes tarde

Dora Kramer
O Estado de S.Paulo

Entusiasmo é material perecível, assim como senso crítico é matéria prima indispensável ao desenvolvimento da humanidade. Agora, desqualificar o trabalho das forças estadual e federal no combate ao poder do tráfico no Rio de Janeiro na última semana é, além de uma atitude retrógrada, um exercício de crítica à deriva. Um equívoco, sobretudo.

São poucos, mas ainda há focos de resistência ao reconhecimento de que o que houve no Rio significou um avanço incontestável em relação ao que estávamos acostumados a ver. Principalmente nos últimos 20 anos, quando o crime já havia consolidado suas posições e as autoridades ainda resistiam - por incompetência, compadrio ou indiferença - ao enfrentamento.

Embora seja pertinente o questionamento sobre as razões pelas quais não houve antes uma atuação semelhante às retomadas dos territórios de Vila Cruzeiro e do Complexo do Alemão, na região da Penha, zona norte da cidade, a mera repetição dessa pergunta não leva a lugar algum.

Melhor que perguntar por que o Estado não agiu antes é cobrar das autoridades a continuidade desse tipo de ação. No País todo. Já ficou demonstrado que o poder público, quando quer e se empenha, ganha sempre.

É mais forte que o crime. Detém a legitimidade da força e, a despeito de enfrentar a "desvantagem" da obrigação de atuar dentro da lei frente a um inimigo livre dos ditames legais, é infinitamente superior a ele.

Portanto, não há mais daqui em diante nenhuma justificativa para que não se prossiga nesse combate. Muito menos existem quaisquer explicações para que o governo federal em conjunto com os governadores não elabore e institua uma política de segurança pública de caráter nacional e com sentido prioritário.

Essa é uma tarefa que se impõe ao governo de Dilma Rousseff. Depois de 16 anos consecutivos de fracassos na área, nos governos Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio da Silva, é hora de a sociedade aplicar o critério da tolerância zero em relação à responsabilidade dos governantes no cumprimento do dever constitucional de garantir o direito à vida aos cidadãos.

Isso abrange a inclusão de diferentes áreas: legislativa, judicial, trabalho de fronteiras, posição do Brasil em relação aos países que exportam drogas e não fazem o combate necessário à exportação de armas, combate duro aos barões da criminalidade, o expurgo da corrupção (da polícia, da política, do Judiciário), sem prejuízo também de se revelar responsabilidades sobre décadas de omissão.

A população que não sofre na pele a escravidão pelos traficantes no cotidiano parou de considerar o bandido um herói e, de um modo geral, a mentalidade em relação à defesa dos direitos humanos está se alterando: há o viés social, mas não há que se desprezar o poder da repressão.

A cultura do protesto vão - passeatas da elegantzia e da intelligentzia que o ex-chefe de polícia Hélio Luz denunciava por "protestar de dia e cheirar à noite" - deu lugar à participação objetiva e mais que efetiva por intermédio do Disque-Denúncia.

A polícia, por sua vez, começou a atuar como aliada do cidadão, substituindo a arbitrariedade pela inteligência e o planejamento estratégico, sob um comando sério e integrado.

Nada está resolvido, mas está provado que o Estado sabe o caminho. Se não enveredou por essa trilha até hoje, a hora é agora. Sem recuos, pois as condições estão postas e o rumo da recuperação da soberania do Estado está dado. Sem margem para ambiguidades.

Dona da casa. De Lula a FH, muitos se arvoram o direito de dar conselhos públicos à presidente eleita. Não fica bem.

Mais não seja no que tange ao ex-presidente, porque ele pertence à oposição. Derrotada e "eleita" para se opor.

No Twitter. @DECUBITO: "Que a polícia tire os bandidos das ruas e o povo tire os bandidos da política.".
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Recibo do Fracasso

Maria Lucia Victor Barbosa


O Rio de Janeiro é o cartão postal do Brasil, sonho de turistas estrangeiros. E não faltam belezas naturais em todo Estado do Rio. No entanto, o que se vê nestes tristes dias é a explosão descomunal de um processo de violência vinculada ao narcotráfico, se bem que tiroteios, assaltos, assassinatos faz tempo atemorizam a população carioca.

Segundo consta, começou com Leonel Brizola o que hoje é o Estado paralelo do crime. Para se eleger, Brizola fez acordo com bicheiros e a polícia não podia subir os morros para não incomodá-los. Dos bicheiros aos narcotraficantes foi tramado o enredo tenebroso que se alastrou pelo tempo sustentado pela corrupção das autoridades, pela impunidade, pela indiferença social.

Se esse câncer social não é de agora, é preciso lembrar que Lula da Silva iniciou seu primeiro mandato prometendo que tudo iria mudar. Foram prometidos doze presídios de segurança máxima, mas só um foi construído em Cantanduvas – PR. Uma ideia megalomaníaca acenava com a regularização de todas as favelas do Brasil e, claro, nada foi feito nesse sentido. Alçado ao posto de redentor dos pobres, pela propaganda e pelo culto da personalidade, Lula da Silva vive se gabando que praticamente acabou com miséria no País. Mas, se o Brasil é um paraíso sem pobreza e desemprego, o que leva jovens favelados a se unirem aos narcotraficantes como única opção para uma breve e bestial vida?

Na verdade, a explosão do terrorismo nunca antes vista no Rio de Janeiro e nesse país é o recibo do fracasso dos governos Federal e Estadual na área da Segurança Pública. E quando os criminosos continuam a por fogo em ônibus e outros veículos, mesmo diante de todo aparato policial e do apoio das FFAA, o recado está dado para as autoridades: vocês não valem nada, somos nós que mandamos.

Dirá o governador Sérgio Cabral, eleito com espetacular votação, que as Unidades de Polícia Preventiva asseguraram a paz em algumas favelas cariocas e, que por isso, bandidos de lá fugiram para por fogo nas ruas. De fato, não deixa de ser interessante a presença da policia junto à população, mas as UPPs, que valeram votos para a candidata do presidente, não são suficientes. Há que ter no governo um sistema de inteligência capaz de rastrear com antecedência as manobras dos traficantes e das milícias, prisões sem trégua para retirar os marginais do meio social, juízes que não soltem os bandidos facilmente, ação constante de confisco de armas e drogas, uma polícia bem paga e bem armada que não dê trégua aos criminosos.

No tocante à remuneração dos policiais, o estabelecimento de um piso salarial nacional, projeto que tramita no Congresso, já foi detonado por Lula da Silva. Ele quer mesmo o trem-bala, desperdício não menos faraônico do que seria a construção de uma ONG em forma de pirâmide, que serviria unicamente para cultuar o presidente da República e facilitar seus negócios.

Sobre a ação da Polícia Militar e Civil, especialmente do Bope, é justo louvar a coragem e o heroísmo dos policiais que arriscam suas vidas numa guerra sem fim. E se a magnitude da violência ultrapassou a violência cotidiana e demandou o apoio das FFAA, esse apoio devia ser habitual para que não se chegasse ao que se presencia agora. Portanto, apesar dos discursos e poses de autoridades federais e estaduais para TVs é lógico afirmar que governos fracassaram redondamente quanto à Segurança da população. Relembre-se que, se o problema é mais acentuado no Rio, existe em todo país.

Não basta, então, dizer que os acontecimentos derivam da fuga de bandidos das favelas por causa das UPPs. O problema é muito mais profundo e estrutural. Seria também necessário maior controle das fronteiras por onde entram drogas e armas, especialmente na Tríplice Fronteira e nas fronteiras com a Colômbia e a Bolívia.

No tocante às sanguinárias Farc, é conhecido seu intercâmbio com traficantes brasileiros, mas, lamentavelmente, o presidente Lula da Silva recusou o pedido do então presidente da Colômbia, Álvaro Uribe, para classificar as Farc como terroristas. Além disso, existe liderança das Farc morando no Brasil com o privilégio de ter sua mulher nomeada para cargo governamental. Sem falar que altas autoridades do governo Lula, que continuarão no governo Rousseff, frequentam o Foro de São Paulo onde se reúnem as esquerdas latino-americanas, incluindo, as Farc, das quais são muito amigas.

Resumindo, o espetáculo da guerra do tráfico no Rio de Janeiro é o retrato do final de oito anos do governo Lula que passa recibo do fracasso na Segurança Pública. É também um dos aspectos da herança maldita que Dilma Rousseff vai receber. Outras maldições continuarão na Saúde, na Educação, na infraestrutura, na gastança, na dívida pública, no descontrole da inflação que o reconduzido ministro Mantega quer camuflar.


 O povo quis. O povo terá.

Maria Lucia Victor Barbosa é socióloga.

Morte com data certa

FERREIRA GULLAR 
FOLHA DE SÃO PAULO

Na cama, antes de dormir, lembrava-se dela, daquele sorriso, daqueles cabelos ruivos presos na nuca

ELE A viu, pela primeira vez, numa fotografia. No mezanino da escola, na parede oposta à dos janelões, havia uma série de fotos que documentavam alguns momentos memoráveis daquele estabelecimento formador de quadros políticos que teoricamente iriam mudar a face do mundo.
Não obstante, ali se realizavam reuniões festivas de que participavam diretores, professores, alunos e tradutores. Lina era uma tradutora e, sem sombra de dúvidas, a mais linda de todas.
Ela ocupava, em primeiro plano, o canto esquerdo da foto, os cabelos presos na nuca e um sorriso que lhe iluminava o rosto redondo de menina. Calçava botas de cano alto e uma saia justa que lhe deixava à mostra os joelhos.
Era como uma fada jovem, numa aparição de encanto, naquele universo político-ideológico. Suspirou, certo de que aquela mulher estava fora de seu alcance, fora do alcance mesmo de seus olhos. Seria, talvez, uma visitante, que ali aparecera como convidada em alguma das festas.
Viu a tal foto na primeira semana de sua chegada ao instituto, quando os cursos mal se iniciavam e as turmas ainda estavam incompletas. Poucos dias depois, as aulas começavam e foi aí que a viu em pessoa, lanchando na "stalovaia" da escola. Ela estava numa mesa próxima, tomando café e conversando com um grupo que falava espanhol.
Em determinado momento, seus olhos se cruzaram, mas ela logo se voltou para alguém, disse-lhe alguma coisa ao ouvido e riu discretamente. De noite, na cama, antes de dormir, lembrava-se dela, daquele sorriso, daqueles cabelos ruivos presos na nuca.
Soube depois que era tradutora encarregada dos coletivos de alunos de língua espanhola, todos latino-americanos. Como os brasileiros se enturmavam com estes, também se davam com ela e foi assim que, certa tarde, na mesma lanchonete, ela sentou-se na mesa em que ele estava com um casal carioca.
Foram apresentados e ela não pareceu dar maior importância ao fato, embora ele tivesse a impressão de que o seu olhar de algum modo a perturbava.
Por sorte, algumas semanas depois, houve uma festa promovida pelo coletivo argentino, com tangos e tudo o mais, e nessa noite ele a tirou para dançar. Disse-lhe ao ouvido que a achava linda ("ótin craciva") e ela empalideceu. Quando a festa acabou, ela, nervosa, sussurrou-lhe que a esperasse na estação do metrô. Pouco depois, tomavam o trem, desciam na estação perto da casa dela e, já de mãos dadas, penetravam num parque escuro e deserto àquela hora da noite.
Puxou-o pela mão, sentaram-se num banco e ela, sorrindo, soltou os cabelos ruivos que lhe caíram encantadoramente sobre o rosto. Tentou beijá-la, mas ela se esquivou, ergueu-se do banco e o levou pela mão até à porta do edifício onde morava. Ali, beijou-o na testa e, com um adeusinho, sumiu no portão. Ele, de volta a seu quarto na "abchejite", mal acreditava no que acabara de viver.
Ela era casada, vivia com o marido mas já não eram marido e mulher; é que, no socialismo, se o casal ganhara um apartamento, não tinha direito a outro, pouco importando se o casamento acabara ou não. Na primeira noite em que ela o levou à sua casa, o marido ainda não havia chegado. Serviu-lhe um jantar, na cozinha, e ele, não podendo conter-se, declarou-se apaixonado por ela. Foi então que Lina lhe ofereceu a boca para um beijo que jamais esqueceria.
O marido, Andrei, chegou lá pelas nove horas. Beberam vodca juntos e, como nevasse muito, aproveitou para dormir lá mesmo, no sofá da sala. De manhã, quando o marido se preparava para ir trabalhar, fingiu que ainda dormia e só se levantou depois que ele se foi. Aí entrou no quarto, jogou-se sobre Lina na cama e se amaram loucamente.
Mas aquele amor tinha data certa para acabar: terminaria o curso e ele teria de deixar o país. Na véspera da partida, foi para a casa dela e lá ficaram, os dois, de mãos dadas, beijando-se e chorando. Nem ele podia ficar nem ela podia mudar de país. Sem alternativa e para não perder o metrô, decidiu ir embora, sabendo que nunca mais a veria na vida. Mesmo assim, saiu e atravessou o parque, como um autômato.
Na manhã seguinte, como um autômato, foi para o aeroporto, entrou no avião e partiu. Faz 37 anos e seis meses. Nunca mais se viram.
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A polícia e o estado de direito

Merval Pereira 
O Globo

Os relatos que começam a surgir de abusos de poder por parte de policiais na ocupação do Complexo do Alemão têm que ser investigados e reparados o mais rapidamente possível pelas autoridades responsáveis pela segurança pública no Rio, para que não se quebre o clima de solidariedade entre a população e as forças da lei, a principal razão do sucesso da operação.

Houve uma mudança fundamental na atuação das forças de segurança nesse episódio, com os limites da lei sendo respeitados e os direitos dos cidadãos, até mesmo dos traficantes, norteando a ação de repressão. Desvios eventuais têm que ser reparados.

No domingo, a Globo News colocou no ar diversos depoimentos de estudiosos que destacaram em uníssono o que fez a diferença desta ação policial das anteriores.

O psicanalista Joel Birman, professor da Uerj e da UFRJ, considera que a população sentiu que a polícia deixou de ser ambígua, o que a motivou a sair da inércia.

“A polícia se firmou como sujeito de um estado de direito. O imaginário das pessoas faz com que elas se sintam protegidas por uma autoridade e saiam do medo paralisante que até então os dominava”, comenta Birman.

O recorde de telefonemas para o Disque-Denúncia demonstra, segundo ele, que, quando os cidadãos passam a acreditar na ação das autoridades, no momento em que fazem a denúncia, acham que estão trabalhando para ajudar a limpar a comunidade de elementos nefastos.

“Foi a maneira decidida de agir que deu à população a sensação de segurança”, diz Birman, ressaltando que não só a polícia não se deixou intimidar pelos traficantes como se apresentou com uma força muito maior, e não negociou para entrar na favela.

O recado dado aos traficantes e à própria população foi: “Nós vamos entrar e prender vocês. Nós estamos do lado do bem e vocês, do lado do mal. Nós estamos do lado da lei e vocês, do lado do crime. O Estado vai recuperar esse território”. Para Joel Birman, a imagem da fuga dos bandidos “foi como se a gente sentisse a reconstituição da sociedade do Rio”.

Uma sociedade é uma associação de pessoas, lembra Birman, e com a operação “surgiu a possibilidade de uma população fragmentada, assustada, cada um tratando de sobreviver no seu canto, de repente reconstituir os laços sociais e participar com solidariedade através do Disque- Denúncia, através das redes sociais, do Twitter”.

Para Joel Birman, o fato de a TV Globo ter transmitido ao vivo os primeiros momentos da ocupação deu maior transparência à operação e evitou que qualquer excesso eventual fosse cometido.

O sociólogo Ignácio Cano, da Uerj, preocupa-se com o reforço da lógica da guerra, e ficou aliviado por não ter havido um banho de sangue.

Ele temeu que tivéssemos um retrocesso com a ação da polícia meramente reativa às ações dos bandidos, deixando de lado o planejamento estratégico que rege a instalação das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs).

“Há centenas de comunidades no Rio de Janeiro ainda dominadas pelo tráfico e pela milícia, e não há sentido em cantarmos vitória”, ressalta.

Para ele, o mais importante é a retomada do território, e, para isso, as forças de segurança terão que continuar no Complexo do Alemão até que se instale uma UPP.

Diante de um comentário meu, Cano ressalvou que não é possível punir as comunidades que estão sob o domínio do tráfico com a falta de obras públicas.

Eu me referia às bandeiras hasteadas no teleférico do Complexo do Alemão que, se por um lado sinalizam uma vitória das forças legais, também relembram que as obras do PAC estavam sendo feitas com a favela dominada pelo tráfico, o que demonstra que havia um acordo com os traficantes.

A própria rota de fuga pelas tubulações subterrâneas e os túneis que os operários teriam sido obrigados a construir mostram que não há possibilidade de fazer acordo com bandidos sem se envolver com algum tipo de desvio.

Francisco Carlos Teixeira, professor de história contemporânea da UFRJ, classifica de “uma vitória” não ter acontecido a grande explosão de violência, o banho de sangue que se temia.

A operação, destaca, mostrou que as forças policiais e militares tiveram uma boa atuação dentro do estado de direito. “Vimos que é possível ser duro, manter a ordem, sem violação dos direitos civis, do direito da população. Também vimos que há eficiência, há competência”.

Ele destaca, no entanto, a importância de o governo federal agir. “Não se trata de colocar à disposição do estado carros blindados e tropas, porque isso é uma exceção. Tem que agir é no cotidiano: a Receita Federal tem que controlar a lavagem de dinheiro, a Polícia Federal tem que tomar para si a missão constante de controle de fronteira, não apenas na crise, e a Polícia Rodoviária Federal não pode deixar chegar cocaína, maconha e armas ao Rio de Janeiro”.

Ele acha que houve nitidamente uma diferenciação na ação, destacando que “infelizmente nos lembramos claramente que as incursões da polícia nas comunidades populares no Rio eram movidas pela vingança e culminava em coisas lamentáveis como Vigário Geral e outras tantas até recentemente”.

Jacqueline Muniz, antropóloga, professora da Ucam e da UFRJ, diz que a diferença desta vez “foi a qualidade da ação do governo. Diante da incerteza, da imprevisibilidade, do temor, responderam com superioridade de método, regularidade”.

Também demonstraram, ressalta, uma capacidade de ação coordenada, integrada, e, portanto, “uma ação de natureza federativa”.

Jacqueline Muniz também acha que foi importante a prestação de contas regular que foi feita à população. “Na normalidade democrática, as forças da lei dependem da cooperação da população. Como fazer busca e rastreamento sem mandado de busca e apreensão? As próprias casas são geminadas, umas se ligam às outras. É preciso fazer isso com a cooperação da população. Quanto menor o nível de resistência da população à polícia, menor é o risco em operações especiais”, destaca.

Ela destacou dois aspectos importantes na operação do fim de semana: o centro de triagem e identificação, para minimizar a possibilidade de erro nas detenções, e a montagem de centros de socorros.
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Guerra civil

Uma visão serena e madura de um jurista decano em nossa sociedade.
Já foi Ministro da Justiça, do STF e continua nos brindando com seu intelecto apurado e atento.
Quanto ao Irã, a posição brasileira esconde o alinhamento doutrinário ao Foro de São Paulo, entidade que abriga todos os países que se abstiveram do voto contra o Irã.
Enquanto a mídia não aprofundar a investigação sobre esta entidade eles vão avançando e nós nos surpreendendo com as posições adotadas por Lula em nome de nossa sociedade.
É mais um dos resultados do atento cochilo de nossa sociedade sobre assuntos de interesse público e republicano.


Paulo Brossard
ZERO HORA (RS)

Faz uma semana, pouco mais, com relevo foi divulgada notícia envolvendo a posição do Brasil em tema delicado, a notória ofensa a direitos humanos consagrados pela comunidade das nações civilizadas. Tratava-se da situação vigente no Irã, que timbra em manter algumas normas que repugnam padrões universais, como “apedrejamento, chibatadas, amputações, execução de adolescentes, estrangulamento, enforcamento, discriminação contra mulheres e minorias”.

Quarenta e duas nações, sob a liderança do Canadá, apresentaram projeto de resolução no plano da ONU em que externavam “preocupação profunda” em face da notória violação desses direitos no reinado de Ahmadinejad, escolhido pelo Brasil para seu comparsa nas travessuras diplomáticas engendradas pelo presidente da República. Resultado dessa estranha preferência foi a abstenção do Brasil; para ser agradável ao seu parceiro, a abstenção foi caracterizada pelo voto, quer dizer, o não voto; aliás, é de notar-se que o presidente Luiz Inácio chegou a oferecer asilo a uma condenada à lapidação e a oferta foi recusada por seu parceiro e depois disso a presidente eleita chegou a dizer que a sanção era “muito bárbara”.

Contudo, prevaleceu a abstenção, na desconfortável companhia de Venezuela, Cuba, Líbia, Bolívia, Angola, Benin, Butão, Equador, Sudão... et caterva. A repercussão foi penosa, o que levou o ministro das Relações Exteriores a elaborar uma explicação justificada. A emenda saiu pior que o soneto. Um dos nossos grandes jornais, tradicionalmente atento aos problemas internacionais, em editorial, referiu-se à lamentável defesa da Casa de Rio Branco como “intelectualmente pobre e moralmente esquálida”. Tudo isso para afagar o amigo e compadre internacional, embora a Constituição proclame que o Brasil tenha como fundamento “a dignidade da pessoa humana” e que a República “rege-se nas suas relações internacionais” pela “prevalência dos direitos humanos”.

Mudo de assunto, embora muito tivesse a dizer sobre a abstenção em causa. É que aconteceu o que, dia mais, dia menos, teria a acontecer. Afinal, sem aviso nem declaração formal, alguém, sem nome nem documento, iniciou a guerra civil na Cidade Maravilhosa. O Rio de Janeiro, a segunda metrópole brasileira, a antiga capital, passou a ser palco de violências e danos materiais, como sói acontecer, o fato não aconteceria sem causa, por mero acaso nem de repente. As causas são antigas e, salvo engano, foram publicamente adotadas quando um governante anunciou “polícia não sobe o morro”, o que importava dizer que a população que mora em morros, privada da polícia, passava a depender de quem veio em sua substituição. O vazio tem de ser preenchido.

Se o Código Penal deixa de ser aplicado no morro, outra lei surge, e passa a ser aplicada; pela Justiça? Obviamente, não, mas por quem tenha poder de mando; suas decisões são tomadas com a observância do devido processo e uso de recursos inerentes a qualquer decisão? Claro que não. No entanto, um simulacro de ordem e justiça se instalou e a famigerada entidade passou ao funcionamento. Isto posto, a guerra, guerra civil, está em curso, provocando seus fatídicos efeitos. Até onde? Não sei.

Sejam eles quais forem, a meu ver, eles seriam inevitáveis, até porque, no longo interregno, a entidade inicial cresceu e hoje não hesita em guerrear o próprio poder público. É possível que tenham se surpreendido com a reação estatal. Mas isto não passa de especulação e em nada modifica a situação existente. O que impressiona é a audácia da ação. Em verdade, a anomalia não podia terminar bem, especialmente depois de ter se estabelecido um pacto entre o fato social inegável e a droga com suas exigências e peculiaridades, que, segundo se diz, são ilimitadas e inexoráveis. A respeito ninguém pode iludir-se.


*Jurista, ministro aposentado do STF

Competição na telefonia móvel

Amigos, as telecomunicações são, em toda sua gama, peças fundamentais para o desenvolvimento social e econômico.
Nosso país é muito extenso e para se promover o desenvolvimento sustentável nossa dependência de telecomunicações confiáveis é crucial.
O tema voltará à mídia muitas vezes neste ano e vale a pena acompanhar. O governo federal tem que defender os interesses da sociedade.
Estamos quase na segunda década do século XXI.

Competição na telefonia móvel

- O Estado de S.Paulo

A Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) autorizou a criação de operadoras virtuais de telefonia móvel, abrindo espaço para o aumento da competição num segmento caracterizado por tarifas extremamente elevadas. Em estudos no Brasil desde 2008, a regulamentação da atividade das operadoras virtuais foi bem-sucedida em países desenvolvidos.

No mês passado, o número de linhas de telefones celulares existentes no Brasil atingiu 194,4 milhões, superior à população brasileira. Em Brasília, por exemplo, já há 170 celulares por 100 habitantes, uma das maiores densidades de telefonia móvel no mundo. A permissão para o ingresso das operadoras virtuais é um passo adiante no processo de abertura das telecomunicações iniciado no governo FHC.

Foram criadas as figuras das operadoras virtuais credenciadas (por concessionárias de telefonia móvel), que serão uma espécie de representantes comerciais das companhias de telefonia, e daquelas que operarão em nome próprio, por meio do compartilhamento das redes atuais.

A operadora virtual que fechar contrato com uma concessionária móvel não poderá, simultaneamente, fazer contrato semelhante com outra concessionária.

Também será permitido às empresas que já atuam no setor de telecomunicações pedirem autorização à Anatel para alugar a rede de outra operadora - desta forma, as companhias de telefonia fixa poderão ingressar na telefonia móvel. Até as prestadoras de serviços de telefonia móvel poderão obter o direito de uso de redes localizadas em áreas onde ainda não têm a outorga do serviço.

Bancos, redes varejistas e até times de futebol poderão se habilitar como operadores virtuais, como já ocorre no exterior, onde o serviço é conhecido como Mobile Virtual Network Operation (MVNO). Em países como os Estados Unidos ou a Suécia, essa modalidade de abertura foi muito benéfica para os clientes.

Mas, além de bancos e varejistas, outras empresas que dispõem de capacidade tecnológica, mas não de um grande capital, puderam comprar lotes de minutos das concessionárias, revendendo-os a clientes que adquirem cartões de telefonia em farmácias, supermercados e outros locais.

Como a operadora virtual opera no atacado, adquirindo os minutos a preços muito inferiores aos cobrados pelas concessionárias dos clientes que atendem no varejo - e que costumam fazer economia para evitar o custo elevado das contas telefônicas -, as possibilidades de competição são enormes.

Graças às operações no atacado, a compra de cartões telefônicos no exterior, para uso nas redes de telefonia fixa no exterior, já propicia enorme economia a brasileiros que viajam, por exemplo, para os Estados Unidos, a Europa ou a Argentina. Se comparado o custo de uma ligação fixa com outra ligação, pelo celular, a tarifa poderá ser inferior a 1% do custo da ligação sem o uso do cartão telefônico.

No Brasil, as facilidades estarão limitadas à telefonia móvel. É provável que só no futuro haja regras semelhantes na telefonia fixa, cujas concessionárias pagaram enormes somas ao governo brasileiro pela concessão das áreas e fizeram contratos de exclusividade de longo prazo.

Grandes bancos, como o Itaú-Unibanco, o Bradesco e o Banco do Brasil, já estariam estruturados para ingressar no setor. O Santander tem experiência como operador virtual na Espanha, com o serviço Habla Facil. Não houve manifestação das concessionárias de telefonia móvel, que terão a possibilidade de aumentar seu faturamento.

As operadoras virtuais, avalia a Anatel, deverão começar a atuar em dois a três meses. Na medida em que forem concluídos os acordos entre as operadoras virtuais e as concessionárias, ocorrerá a ampliação substancial dos serviços de telefonia móvel, com a oferta de pacotes de produtos e serviços por empresas interessadas em atrair clientes.

Do ponto de vista público, o que conta é a possibilidade de uma redução substancial dos custos da telefonia, que já é registrada em países que estimularam a competição. 
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Compre essa idéia - Diga não a violencia no Rio

A complexidade do problema da violência urbana no país está sendo magistralmente dissecada pelo autor do livro que deu origem aos dois filmes de maior bilheteria no país.
A partir da dinâmica do crime nas ruas do Rio de Janeiro percebe-se o quão complexo será o processo de combate ao crime.
O recado principal do autor: Depende mais da sociedade do que do Estado.




Nestes dias tristes de guerra no Rio de Janeiro, uma pessoa tem ficado em destaque: Rodrigo Pimentel (o verdadeiro Cap. Nascimento, autor do livro que deu origem ao filme "tropa de Elite"), que vem comentando com sensatez, as transmissões da Rede Globo, as ações da polícia do Rio.



Um video interessante é a palestra dele no TEDxSudeste, onde ele expõe com argumentos sólidos por que a segurança pública tem, sim, saída.



Eu ajudei a destruir o Rio de Janeiro

Nestes momentos muitos textos surgirão, sendo verdadeiramente atribuídos ou não, contudo como adolescente criado no Rio muito do que foi dito nesta elegante catarse é absolutamente verdadeiro, motivo pelo qual achei pertinente postá-la.

EU AJUDEI A DESTRUIR O RIO!

Fonte: Jornal de Brasília


Sylvio Guedes, editor-chefe do Jornal de Brasília, critica o "cinismo" dos jornalistas, artistas e intelectuais ao defenderem o fim do poder paralelo dos chefes do tráfico de drogas. Guedes desafia a todos que "tanto se drogaram nas últimas décadas que venham a público assumir: eu ajudei a destruir o Rio de Janeiro".

Leia o artigo na íntegra:

É irônico que a classe artística e a categoria dos jornalistas estejam agora na, por assim dizer, vanguarda da atual campanha contra a violência enfrentada pelo Rio de Janeiro. Essa postura é produto do absoluto cinismo de muitas das pessoas e instituições que vemos participando de atos, fazendo declarações e defendendo o fim do poder paralelo dos chefões do tráfico de drogas.

Quando a cocaína começou a se infiltrar de fato no Rio de Janeiro, lá pelo fim da década de 70, entrou pela porta da frente. Pela classe média, pelas festinhas de embalo da Zona Sul, pelas danceterias, pelos barzinhos de Ipanema e Leblon. Invadiu e se instalou nas redações de jornais e nas emissoras de TV, sob o silêncio comprometedor de suas chefias e diretorias.

Quanto mais glamuroso o ambiente, quanto mais supostamente intelectualizado o grupo, mais você podia encontrar gente cheirando carreiras e carreiras do pó branco. Em uma espúria relação de cumplicidade, imprensa e classe artística (que tanto se orgulham de serem, ambas, formadoras de opinião) de fato contribuíram enormemente para que o consumo das drogas, em especial da cocaína, se disseminasse no seio da sociedade carioca - e brasileira, por extensão. Achavam o máximo; era, como se costumava dizer, um barato.

Festa sem cocaína era festa careta. As pessoas curtiam a comodidade roporcionada pelos fornecedores: entregavam a droga em casa, sem a necessidade de inconvenientes viagens ao decaído mundo dos morros,
vizinhos aos edifícios ricos do asfalto.

Nem é preciso detalhar como essa simples relação econômica de mercado terminou. Onde há demanda, deve haver a necessária oferta. E assim, com tanta gente endinheirada disposta a cheirar ou injetar sua dose
diária de cocaína, os pés-de-chinelo das favelas viraram barões das drogas.

Há farta literatura mostrando como as conexões dos meliantes rastacuera, que só fumavam um baseado aqui e acolá, se tornaram senhores de um império, tomaram de assalto a mais linda cidade do país e agora cortam cabeças de quem ousa lhes cruzar o caminho e as exibem em bandejas, certos da impunidade.

Qualquer mentecapto sabe que não pode persistir um sistema jurídico em que é proibida e reprimida a produção e venda da droga, porém seu consumo é, digamos assim, tolerado. São doentes os que consomem. Não sabem o que fazem. Não têm controle sobre seus atos. Destroem famílias, arrasam lares, destroçam futuros.

Que a mídia, os artistas e os intelectuais que tanto se drogaram nas três últimas décadas venham a público assumir:


"Eu ajudei a destruir o Rio de Janeiro."


Façam um adesivo e preguem no vidro de seus Audis, BMWs e Mercedes.
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A questão quilombola

As questões de Estado tratadas com ideologia criam problemas de longo prazo.
A questão dos quilombolas é recorrente e não veio à atenção do cidadão que acabará por pagar a conta da irresponsabilidade do chefe de Estado.
Gostaria de saber se Dilma chamaria o que virá a ser uma boa dor de cabeça, criada por seu antecessor, de herança bendita.
Este assunto diz respeito ao patrimônio social e está sendo tratado de forma muito discreta pela mídia.

A questão quilombola

- O Estado de S.Paulo

Dentre as dores de cabeça que receberá de herança do governo Lula, Dilma Rousseff terá que enfrentar, provavelmente já em 2011, a questão da demarcação e titulação das terras de quilombolas. O caso, na eminência de ir a julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF), tem potencial para provocar a mesma repercussão que teve, no ano passado, o julgamento sobre a reserva indígena Raposa-Serra do Sol. A polêmica criada em torno do assunto resulta da "liberalidade" com que Lula regulamentou o preceito constitucional que trata da questão.

No artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, dispôs a Carta Magna de 1988: "Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos." Era o reconhecimento de um direito. Restava regulamentar a forma pela qual esse direito seria garantido. Já em seu primeiro ano de mandato, em novembro de 2003, o presidente Lula assinou o Decreto 4.877, que estabelece, em seu artigo 2.º: "Consideram-se remanescentes das comunidades dos quilombos, para os fins deste decreto, os grupos étnico-raciais, segundo critérios de autoatribuição, com trajetória histórica própria, dotados de relações territoriais específicas, com presunção de ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão histórica sofrida."

E logo em seguida o parágrafo primeiro do mesmo artigo reafirma e esclarece: "Para os fins deste decreto, a caracterização dos remanescentes das comunidades dos quilombos será atestada mediante autodefinição da própria comunidade."

Essa regulamentação resultou naquilo que, em recente artigo no Estado, o professor Denis Rosenfield descreveu como "ressemantização da palavra quilombo": "O quilombo já não significaria um povoado formado por escravos negros (...) mas uma identidade cultural." E essa identidade, nos termos do Decreto 4.877, é autoatribuída pelos próprios interessados. Assim, tanto a Fundação Cultural Palmares quanto o Incra, entidades governamentais que têm a responsabilidade de administrar a questão, passaram a "reconhecer como quilombo qualquer "identidade cultural", "étnica", doravante aplicando-se a qualquer centro cultural, por exemplo, um terreiro de umbanda ou de candomblé". Dessa forma, segundo ainda o articulista, os processos de desapropriação para efeito de redistribuição de terra a quilombolas "não conheceriam mais limites, não importando, como estabelece a Constituição, que se trate ou não de quilombos efetivamente existentes em 1988". De fato, muitas entre as mais de 3.500 comunidades reconhecidas pelos critérios do Decreto 4.887 como quilombolas não se limitam a reclamar a titulação das terras que ocupavam em outubro de 1988, mas almejam também direitos sobre propriedades alegadamente ocupadas por antepassados, hoje nas mãos de terceiros. Numa demanda judicial dessa natureza, recentemente um juiz federal de Santa Maria, no Rio Grande do Sul, deu ganho de causa a pequenos agricultores sobre cujas terras quilombolas reclamavam direitos.

A arguição de inconstitucionalidade do Decreto 4.887 que deverá ser julgada pelo STF foi uma iniciativa da direção do DEM, já há mais de cinco anos. Desde então já deram entrada na Suprema Corte 26 pedidos, de origem variada, para que a questão seja levada a debate público antes de ser submetida à apreciação dos ministros-juízes.

A Constituição de 1988, que o presidente da Assembleia Nacional Constituinte, deputado Ulysses Guimarães, batizou de "Constituição Cidadã", foi efetivamente marcada pela preocupação de, entre outras questões fundamentais, afirmar o compromisso do País com sua diversidade etniocultural e com a preservação da memória, tanto quanto do patrimônio, dos mais distintos grupos formadores da sociedade brasileira. É coerente com essa linha o reconhecimento do direito de comunidades quilombolas à propriedade definitiva de suas terras. Mas não ao arrepio de preceitos constitucionais claramente estabelecidos. Esse é um dos desafios que, em tempos de mudança, o Brasil tem pela frente. 
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Parlamentares na Suécia

Esta é a principal diferença entre a idiossincrasia anglo-saxã da nossa, que é latina e patrimonialista.


segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Precisão


A hora da verdade

Alfredo Sirkis
O Globo

As represálias das facções do tráfico contra a ocupação pelas Unidades de Polícia Pacificadora de algumas pequenas favelas que as quadrilhas controlavam, nas zonas Sul e Norte, e as operações policiais no Complexo do Alemão sinalizam a hora da verdade das UPPs. O Rio precisa enfrentar esse desafio de acabar de uma vez por todas com o controle territorial dos bandos poderosamente armados do narcovarejo. É uma situação intolerável que desafia o estado democrático de direito. A sociedade deve fazer sacrifícios para acabar com essa ditadura militar local do tráfico e dos grupos parapolicais mafiosos erradamente chamados de "milícias".

Os últimos acontecimentos anteciparam uma ação que seria mais gradual. No passado esse conglomerado de favelas e outros já foram ocupados pela polícia. Ao armamento maior dos bandidos corresponde agora uma resposta operacional mais robusta com apoio das Forças Armadas. Mas derrotar militarmente o tráfico nunca foi o "x" do problema. A questão é ocupar permanentemente. Não se pode empenhar um efetivo enorme nas favelas e deixar desguarnecido ou mal policiado o asfalto. Falta efetivo e falta qualidade ao policiamento ostensivo. A escala de serviço e o duplo emprego de policiais fazem com que se conte, num dia normal, com uma pequena parte do efetivo da PM. Já recebi informações de que em determinados dias menos de 2.500 homens, de um efetivo de 38 mil, fazem diariamente o policiamento das ruas do Rio.

O policiamento da cidade precisa ser feito a pé. O patrulhamento em viatura não cria vínculo com a população e sua qualidade de observação é ruim. Vi em Bogotá uma cidade, de sete milhões de habitantes, sendo policiada a pé, em grupos de três, com contato visual e comunicação via rádio, cobrindo todo o território. Lá a Polícia Nacional tem 16 mil homens em dedicação exclusiva. São bem pagos e trabalham unicamente para a segurança pública.

Precisamos de um Fundo Nacional de Segurança que ajude os estados a elevar o salário dos policiais ao nível disposto na PEC 300, para poder, em contrapartida, impor de fato a dedicação exclusiva e acabar com o regime de um dia de trabalho por dois ou três de folga. Com isso, pode-se aumentar de imediato o efetivo disponível e melhorar sua qualidade. É preocupante observar que o governo federal prepara-se para tentar derrotar a emenda no Congresso. Deveria estar estudando como transformar o que não pode ser uma bandeira meramente corporativa num componente de uma profunda reforma na segurança pública. Há formas criativas de assimilar o aumento previsto na PEC 300 sem as consequências fiscais adversas temidas, desde que, de fato, se considere a segurança da população uma prioridade.

Além disso é preciso reduzir drasticamente a aplicação da progressão de pena e do regime semiaberto para os condenados por crimes violentos. Não há outro país onde autores de crimes bárbaros conseguem sair da prisão tão rapidamente para poder reassumir suas quadrilhas, aterrorizar e matar de novo. É inacreditável que os assassinos do jornalista Tim Lopes já estejam todos livres - com exceção do chefe, Elias Maluco, que, no entanto, em breve poderá se beneficiar mais uma vez dessa mesma regalia que exercia quando daquele crime. Só no Brasil..
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O "Capitalismo de laços" da privataria

Elio Gaspari
 O GLOBO

Quais das seguintes informações são comprovadamente falsas:

1) A privataria iniciada em 1990 vendeu 165 empresas públicas, gerou uma receita de 87 bilhões de dólares e reduziu a presença do Estado na economia nacional.

2) A expansão do setor privado sobre a mineração, telecomunicações, portos, rodovias e no setor elétrico colocou mais competidores no mercado.

3) Antes da chegada dos europeus, houve na Amazônia uma civilização fundada por extraterrestres.

Seis anos de pesquisas, durante os quais o professor Sérgio Lazzarini, do Insper, mastigou 20 mil dados estatísticos de 804 empresas informam que as duas primeiras afirmações são comprovadamente falsas. Quanto aos ETs da Amazônia, quem quiser, pode continuar acreditando.

Entre 1996 e 2009 a rede do Estado e dos burocratas de caixas de pensão da Viúva expandiu-se. Cruzando-se numeros do banco de dados de Lazzarini descobre-se que, em 1996, num universo de 516 grandes empresas, o BNDES e os fundos Previ (Banco do Brasil), Petros (Petrobras) e Funcef (Caixa) participavam de 72 sociedades. Em 2003, numa amostra de 494 companhias a Boa Senhora estava em 95. Em 2009, num universo de 624, o Estado tinha um pé em 119 empresas.

O trabalho do professor chegará nas próximas semanas às livrarias, com o título de "Capitalismo de laços". Além de mastigar números, Lazzarini foi fundo na documentação do assunto e nos estudos sobre as conexões do mundo empresarial. O livro tem 184 páginas, 51 das quais ocupadas por notas, descrições metodológicas e pela bibliografia.

"Capitalismo de laços" começa recontando a investida recente do palácio do Planalto, do fundo de pensão Previ e do empresário Eike Batista sobre os administradores da Vale. Em tese, a Vale é uma empresa privada. Na prática, pelos "laços", o governo é seu maior acionista e, na ocasião, Batista era o melhor amigo.

Segundo a revista Forbes, ele é o homem mais rico do Brasil. Em 2008, foi o maior patrocinador privado do filme "Lula, filho do Brasil" e, em 2006, o maior doador individual na campanha que reelegeu Nosso Guia. Quem teria sido o maior doador corporativo? A Vale.

A privatização virou privataria (termo que Lazzarini não endossa) quando o tucanato, em busca de recursos e de interessados para os leilões de venda do patrimônio da Viúva, recorreu às arcas dos fundos de pensão e do BNDES. Diz o professor: "Fernando Henrique, longe de "esquecer o que escreveu", em realidade ajudou a sedimentar o capitalismo de laços no Brasil." Durante os últimos oito anos petistas alguns laços desfizeram-se (os de Daniel Dantas, por exemplo), outros, como os de Eike Batista e do grupo JBS-FriBoi (outro grande doador de 2006), estabeleceram-se.

Os laços do andar de cima com o Estado foram magistralmente mostrados por Raymundo Faoro em seu "Donos do poder", um livro de 1957. Lazzarini poderia ter chamado seu livro de "Donos do poder 2.0". Ele fulanizou e quantificou suas afirmações. Estudou a composição acionária das empresas do seu banco de dados para testar uma variante do famoso "diga-me com quem andas e eu te direi quem és" : "Diga-me de qual empresa você é dono que te direi quem é o seu amigo".

O professor trabalhou com um complicado conceito de "centralidade". Simplificando-o quase ao exagero, é como se tivesse estudado a composição acionária das empresas com o olhar de um usuário do Facebook. Em 1996, quem tinha mais "amigos" eram a União (com o BNDES) e a Previ. Em 2009 a situação era a mesma. Com outro critério, olhando-se para os grupos econômicos e seus cruzamentos, hoje quem tem mais amigos é o conglomerado da Andrade Gutierrez, seguido pelo grupo do empresário Carlos Jereissati. Estudando a estrutura das grandes empresas, Lazzarini mostra como é pequeno o mundo dos amigos entrelaçados: 11 grão-senhores participam de 66 conselhos de empresas.

Na epígrafe do livro o professor repete a frase do romance "O leopardo", quando o aventuroso Tancredi (Alain Delon no filme) diz ao tio (Burt Lancaster): "Se quisermos que tudo fique como está, é preciso que tudo mude."
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