sábado, 27 de novembro de 2010

O lado lixo da internet

O lado lixo da internet

A ombudsman da Folha, Suzana Singer, no domingo, e o especialista bielorrusso radicado nos Estados Unidos, Evgeny Morozov, na segunda, disseram sobre a internet o que eu há muito tinha vontade de dizer, mas estava esperando vozes mais autorizadas.

Suzana, sob o sugestivo título "Comente com moderação", cita cartas publicadas nesta Folha.com que são lixo puro, para emendar: "A rede, com o seu manto protetor do anonimato, libera o lado mais perverso e raivoso, como se viu recentemente na onda antinordestina que surgiu depois da vitória de Dilma Rousseff".

Quase perfeito, cara Suzana. Quase porque esse lado "perverso e raivoso" vem sendo liberado faz muito mais tempo.

Menos mal que a ombudsman puxou também para o seu texto comentário de uma leitora não identificada que diz: "Os comentários na Folha.com me fazem sentir vergonha de pertencer à raça humana". Bem-vinda ao clube, cara leitora, embora tema que sejamos muito solitários nele.

Na segunda-feira, Morozov ia um pouco na mesma linha mas apontando problemas ainda mais graves.

Primeiro problema: "Alguns governos autoritários estão fazendo experimentos com propaganda ideológica e se tornarão muito ativos na internet. Nada na rede dificulta espalharem sua mensagem com mais ressonância do que nunca".

Segundo problema: "Operações sigilosas em que se pagam blogueiros ou se subsidiam sites para tentar mudar a opinião pública".

O especialista citou o Kremlin e o presidente iraniano Mahmoud Ahmadinejad, mas, na recente campanha eleitoral brasileira, ficou evidente que havia blogueiros pagos para destilar veneno.

Aliás, um dos problemas da internet é que você nunca sabe se este ou aquele blogueiro é apenas um legítimo interessado em participar do debate público ou é financiado por alguém com objetivos propagandísticos ou piores.

É desanimador verificar, nos comentários à colunas e blogues, a predominância de dois tipos de atitudes, ambas calhordas: uma é xingar, em vez de argumentar.

A outra é mais canalha: o remetente atribui um rótulo a quem faz um comentário como forma de desqualificar o interlocutor, em vez de responder a seus argumentos.

Funciona mais ou menos assim: João dos Anzóis Carapuça critica o Corinthians. Vem alguém e diz que João é palmeirense ou sãopaulino. Fica, por isso, dispensado de discutir os argumentos do João.

Vale na política, na economia, na religião, até no debate sobre meio-ambiente.

Um caso com algum parentesco com o exemplo acima é a polêmica sobre a premiação a Chico Buarque com o "Jabuti", tido como o principal prêmio literário do Brasil.

A premiação de "Leite Derramado", definida pelo público, foi contestada pela Editora Record, que deixou no ar o mesmo tipo de alegação já mencionado: Chico teria sido premiado por ter feito campanha por Dilma Rousseff, afinal tão popular que acabou eleita presidente da República. Não seria, portanto, pelo seu talento literário.

Todo o mundo tem o direito de gostar ou de odiar o livro. Eu ainda não li, mas li o anterior, "Budapeste", delicioso, daqueles que você pega e não consegue largar. Para o meu gosto, portanto, o talento de Chico está comprovado --e não só pelas suas músicas-- desde sempre. Talento reconhecido durante a ditadura, que o censurava, pela democracia antes de Lula chegar ao poder e depois também. Não há portanto motivos para colocar um fator político à frente da discussão de seu valor como escritor.

Claro que todo o mundo pode --e até deve-- discutir tudo o que Chico escreve, músicas ou livros. Mas que tal manter a discussão no âmbito da literatura ou da música, sem meter no meio outros fatores, como simpatias políticas? Vale para os comentários a textos de colunistas e blogueiros.
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