FOLHA DE SÃO PAULO
"Em condições específicas", disse o papa; e existe condição mais específica do que o desejo? E o amor?
TUDO PODE SER interpretado, veja-se o caso da escolha da nova equipe econômica. Segundo os que entendem de tudo, se para o Banco Central for A, significa que os juros vão subir, se for B, que a gastança vai continuar -ou o contrário. Se Palocci aparece mais -ou não aparece-, a interpretação vem logo: ele vai para a Casa Civil, ou não vai mais.
Como o ser humano adora interpretar, imagine o prato cheio que foi a declaração do papa, dizendo que em condições específicas -por exemplo, um profissional do sexo que seja soropositivo- o uso de preservativo é permitido. Ora, se para tudo na vida existem várias interpretações, imagina nesse assunto.
Para começar, foi uma surpresa saber que a Igreja Católica aceita que exista a prostituição. Se, para ela, o sexo é só para procriar, como admitir profissionais -homens e mulheres- do sexo?
Não vamos esquecer que houve uma pequena confusão na tradução das declarações do papa; teria ele dito "garotos de programa" ou "prostitutas"? Então a Santa Madre Igreja admite também a existência de "garotos de programa"? Moderna, não?
Agora, às interpretações. E se não for um/uma profissional do sexo, mas um empresário/a, contaminado, que saia para namorar. Nessas condições, a Igreja aceita? Mas devem existir casos em que a pessoa tem uma suspeita, mas não a certeza de ter o vírus; se for um/a profissional, pode usar camisinha. Se não for, não pode -claro, já que é pecado transar. Difícil, essa Igreja.
Li ontem que, no mundo, 15 pessoas são infectadas por dia pelo HIV. Fiquei pensando: se o IBGE fizesse perguntas sobre a vida sexual de todos os habitantes do mundo, seria possível saber quantas relações sexuais acontecem a cada 24 horas.
Sendo a população em torno de 6 bilhões, vamos fazer uma continha rápida. Digamos que 1/3 sejam crianças, 1/3 idosos; sobram 2 bilhões de adultos. Supondo que, desses 2 bilhões, 100 mil sejam sexualmente ativos -portanto, 50 mil casais -, e que esses casais transem uma vez por mês.
Seriam quase 2.000 transas diárias, o que nem é tanto assim, mas não acredito que todas tenham a intenção de procriar. E não acredito, mas não acredito mesmo, que por mais religiosas que sejam as pessoas, na hora do desejo elas se contenham, lembrando que é pecado. Lamento, mas não dá.
"Em condições específicas", disse o papa; e existe condição mais específica do que o desejo? E o amor? São as duas condições mais específicas que existem, e é triste ver como a Igreja ainda encara o sexo: ou é para ter um filho, ou para evitar a morte. Para ser mais alegre e mais feliz, nem pensar.
Então, a pedofilia dos padres deveria mandá-los não para o inferno, mas para mil infernos, se isso fosse possível. Porque além do crime da pedofilia, eles estão abusando do poder que têm, levando risco de infecção para o garoto e ferrando com a cabeça dele para o resto da vida.
Acho que Bento 16, com aquela cara de antigo, está sendo o papa mais moderno que a Igreja jamais teve. Ele não precisa liberar geral. Mas se liberar o sexo entre as pessoas que se amam, merece ter uma longa vida para ver a volta do rebanho à Igreja.
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