sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Treinamento de sobrevivência para comissários de vôo

Na selva, futuros comissários de bordo aprendem que também têm de ser gerentes de crise

por Rodrigo Garcia

Além dos ares, um comissário de bordo também tem de saber sobre outros elementos, como fogo, terra e água. A Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) exige que os profissionais dos céus tenham conhecimentos práticos sobre sobrevivência na selva, no mar e de combate ao fogo, pois, como definiu um dos instrutores do Curso de Sobrevivência na Selva, Renato Moreira Cardoso, “nas emergências, um comissário também se torna de um gerente de crise”.

Por isso, quase 200 alunos, do Centro Educacional de Aviação do Brasil (Ceab) participaram, durante o sábado do feriadão de 15 de novembro, das 7h30 às 20h30 e 12 horas de aulas práticas numa área florestal em Juquitiba, a 74 km de São Paulo, às margens da Rodovia Régis Bittencourt.

Os futuros comissários, entre 18 e 29 anos, enfrentaram frio, chuva, cansaço, fome, medo e muito pressão psicológica, já que não sabiam exatamente o que lhes esperava e sabiam que se fossem reprovados só teriam outra oportunidade em seis meses.

O diretor do Ceab, o ex-comissário de bordo Salmeron Cardoso, explica que a pressão psicológica faz parte dos treinamentos, pois quem trabalha em avião pode ter de enfrentar estresses bem mais difíceis. Um exemplo dessa pressão: Salmeron, bem enérgico, avisou aos alunos que a caminhada na mata poderia demorar até 3 horas e que não admitia corpo mole. Os alunos , em silêncio, tinham de caminhar em fila indiana, passando por cima de troncos caídos e subindo e descendo ladeiras escorregadias, seguindo uma ordem predeterminada. Cerca de uma hora depois, eles chegaram à clareira onde haveria aulas.

Lá, os instrutores Everaldo do Nascimento e Renato Moreira Cardoso, que também são soldados do Grupo de Operações Especiais da (GOE) Polícia Militar de São Paulo, ensinaram a montar armadilhas para conseguir comida, a construir um abrigo usando folhas, a fazer uma maca usando galhos de árvores e casacos, a obter fogo usando pilhas e palha de aço, além de outras dicas bem práticas. Algumas podem parecer bem distantes de nosso dia a dia (“Antes de levar a cobra ao fogo, tire a cabeça, o rabo, a pele e as vísceras para evitar problemas de saúde e que a carne fique com gosto ruim”, ensinou Nascimento), mas que são fundamentais quando se está perdido na selva.

As lições dessa parte do treinamento podem ser resumidas em uma frase do instrutor Renato Cardoso: “Numa situação de emergência, é preciso tornar o que não é aproveitável em algo aproveitável”.

Medo de água fria

Saindo da mata, a turma se dirigiu para uma piscina, onde foram ministradas aulas de marinharia (como usar o coleta salva-vida, como usar um cabo para fazer atravessar um rio e como fazer uma boia usando uma calça jeans e mais algumas dicas). Ali, o frio foi o principal desafio, pois a temperatura da água estava por volta dos 15 graus. O rosto de muitos alunos não escondiam o temor, apesar dos instrutores garantirem repetidas vezes que jamais deixariam alguém morrer afogado. O medo foi vencido e todos realizaram os exercícios, que não exigiam que o futuro comissário soubesse nadar. Por causa do frio, quatro alunas passaram mal e foram atendidas pelo instrutor Nascimento, que também é socorrista.

Em todas as tarefas do dia, os instrutores contavam com a ajuda de monitores, ex-alunos do Ceab, alguns dos quais formados há apenas um ano, ou seja, eram tão jovens quanto os futuros comissários. A principal função deles era exigir silêncio e evitar que o foco dos alunos fosse desviado para conversas paralelas. Os monitores também tinham de fiscalizar os alunos para garantir que não estavam fazendo nada proibido, como usar relógio, telefone celular ou comer algo.

Também houve instruções de uso de sinalizadores, para avisar às equipes de busca onde o avião pousou, e de combate ao fogo, quando tinham de apagar chamas de até 2 metros usando extintores de incêndio.

A tarefa mais difícil dessa parte era passar por dentro de uma casa onde havia muita fumaça, sem poder proteger o rosto, nem com as mãos, e ainda ter de responder a perguntas do diretor sobre o treinamento. “Os alunos têm de aprender a manter a calma em qualquer situação adversa”, explicou Salmeron. Os futuros comissários iam em grupo de aproximadamente de 15 pessoas, guiados pelo diretor, e tinham de entrar na casa, onde alguns cômodos estavam escuros, e sair dela sem soltar a mão do colega. O percurso era feito em menos de um minuto e muitos alunos saiam tossindo.

Por volta das 20h30 os alunos estavam exaustos e famintos, mas satisfeitos: todos foram aprovados. Rossyângela Batista, que veio de João Pessoa para São Paulo só para fazer o curso do Ceab, comemorava a missão cumprida. “Ser comissária de bordo é o que eu quero, sempre quis”, disse ela com brilho nos olhos e com a certeza que logo estará voando em céu de brigadeiro.
.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

GEOMAPS


celulares

ClustMaps