sábado, 27 de novembro de 2010

Nas três frentes

Míriam Leitão
O GLOBO

Para que tema olhar? A violência no Rio domina a semana e os corações. Impossível não ver. Na Europa, uma moeda está próxima de um precipício. Sobreviverá o euro à crise das dívidas soberanas? No Brasil, o governo Dilma ganha os primeiros contornos, já há uma equipe econômica e os seus integrantes fazem declarações, algumas conflitantes com o que diziam dias antes.

Não posso escolher. São todos temas da atenção dos leitores desta coluna. Melhor separá-los e tentar reuni-los depois. Ontem, a situação estava assim: o presidente Lula, a menos de cinco semanas de deixar o cargo, antes de sair do país autorizou o envio de tropas ao Rio; a presidente eleita, fechada em copas, continua se comunicando por notas, nomeando apenas petistas, num governo que será de coalizão. No Rio, representantes das Forças Armadas, ministro da Defesa, governador e secretário de segurança deram entrevista conjunta sobre a mais impressionante ação já realizada por todos eles juntos na cidade contra o tráfico de drogas.

Não é a primeira vez que o Exército vai para as ruas do Rio. Quem por acaso tivesse à mão ontem a edição do GLOBO do dia 18 de maio de 1994, poderia ver a foto do então candidato Fernando Henrique percorrendo a cavalo e chapéu de nordestino ruas do sertão alagoano. A manchete do jornal aquele dia foi "Exército ocupa duas favelas do Rio." Foram 600 soldados do Batalhão de Infantaria Blindada do Exército que ocuparam as favelas de Ramos e Roquete Pinto. Difícil lembrar as circunstâncias, mas basta registrar que é assim sempre: no surto, no agudo da crise, a corrida para convocar o Exército como salvador. O alívio e aplauso. Depois, o Rio sempre voltou à banalidade do mal.

Há esperança maior desta vez porque há uma ação coordenada e uma política pública bem definida, as Unidades de Polícia Pacificadora (UPP). Houve tentativas no passado que foram abandonadas; agora há continuidade. Houve melindres no passado em se ter, em momentos de crise, a ajuda das Forças Armadas, mas a entrevista conjunta de ontem mostrou que essa visão estreita foi superada. Um estado federado precisa de ajuda e a União a fornece. Forças policiais não têm equipamentos e a Marinha os fornece. O Exército vence sua relutância porque foi invocada a sigla mágica: GLO. Garantia da Lei e da Ordem, princípio constitucional que permite que seus soldados atuem em ruas conflagradas do espaço urbano.

Mas o Rio já viveu suficientes dores para saber certas coisas. Essa guerra é complexa. Não tem só dois lados: mocinhos e bandidos. Tem vários outros, mas pelo menos um sobre o qual não se deve deixar de falar. O que a polícia deve fazer para vencer de vez o tráfico? No seu blog, o cientista político Luiz Eduardo Soares respondeu assim: "Em primeiro lugar, deveria parar de traficar ou de associar-se aos traficantes. Deveria parar de negociar armas com traficantes. Deveria parar de reproduzir o pior do tráfico, dominando sob a forma de máfias ou milícias territórios e populações."

Pois é. O apoio ao poder público e à presença do Estado neste momento não pode ser ingênuo nem simplificar o que é complexo. Esquecer pontos como o das milícias. Do contrário, os fatos de hoje serão apenas um traço na história como a operação do Exército há 16 anos.

Os problemas do Rio não podem ser enfrentados com olhos em 2016. Por vários motivos. Um deles, é que antes tem 2012, quando chefes de Estado do mundo inteiro podem voltar a discutir aqui a questão ambiental, na Cúpula da Terra Rio+20. Mas antes de 2012, tem o dia 27 de novembro de 2010. E o que tem o dia de hoje? Hoje é o tempo presente, em que os 11 milhões de moradores da Região Metropolitana do Rio querem o início de uma resposta duradoura e em que milhões de brasileiros sabem que essa é uma batalha essencial.

Várias batalhas essenciais do país serão enfrentadas no governo que começa em 35 dias. Não podem ser adiadas pela agenda intensa de eventos internacionais que temos pela frente, mas principalmente não podem ser adiadas por nós mesmos. O governo Dilma ainda está apenas no esboço. Há alguns bons sinais e outros preocupantes. O ministro Guido Mantega, que nos últimos anos incentivou o aumento excessivo dos gastos públicos e que, com manobras contábeis, tirou credibilidade de indicadores fiscais, foi confirmado no cargo e diz que fará, agora, ajuste fiscal. Será o início do neomanteguismo? No dia seguinte, sua proposta foi a de mudar o cálculo do índice de inflação retirando alimentos e combustíveis. Em vez de atingir a meta, mudar o termômetro que mede a meta. Isso sim se parece mais com o pensamento convencional do ministro da Fazenda.

Se existe uma coisa que o Brasil não precisa é perder batalha ganha. As da austeridade fiscal e da credibilidade de indicadores já foram vencidas. Não podemos retroceder. Entre outras razões porque o mundo piora a cada momento. Esta semana o fantasma que ronda a Europa deu mais volteios. O temor é de que ele chegue à Espanha. Ontem, José Luis Zapatero fez um discurso ameaçador aos mercados, avisando que eles terão que pagar parte da conta. Irlanda, Grécia e Portugal somados têm PIBs de US$750 bilhões. O da Espanha é de US$1,4 trilhão. Quase o dobro dos outros três. O euro caiu 3% na semana.

Num mundo mais instável, o Brasil não pode ceder terreno conquistado, precisa consolidar velhas vitórias e buscar novas. Uma delas será nas ruas do Rio. Teremos mais chance se soubermos que a vitória não virá apenas de um espetáculo, mas após uma longa sucessão de acertos. 
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