O GLOBO
Quais das seguintes informações são comprovadamente falsas:
1) A privataria iniciada em 1990 vendeu 165 empresas públicas, gerou uma receita de 87 bilhões de dólares e reduziu a presença do Estado na economia nacional.
2) A expansão do setor privado sobre a mineração, telecomunicações, portos, rodovias e no setor elétrico colocou mais competidores no mercado.
3) Antes da chegada dos europeus, houve na Amazônia uma civilização fundada por extraterrestres.
Seis anos de pesquisas, durante os quais o professor Sérgio Lazzarini, do Insper, mastigou 20 mil dados estatísticos de 804 empresas informam que as duas primeiras afirmações são comprovadamente falsas. Quanto aos ETs da Amazônia, quem quiser, pode continuar acreditando.
Entre 1996 e 2009 a rede do Estado e dos burocratas de caixas de pensão da Viúva expandiu-se. Cruzando-se numeros do banco de dados de Lazzarini descobre-se que, em 1996, num universo de 516 grandes empresas, o BNDES e os fundos Previ (Banco do Brasil), Petros (Petrobras) e Funcef (Caixa) participavam de 72 sociedades. Em 2003, numa amostra de 494 companhias a Boa Senhora estava em 95. Em 2009, num universo de 624, o Estado tinha um pé em 119 empresas.
O trabalho do professor chegará nas próximas semanas às livrarias, com o título de "Capitalismo de laços". Além de mastigar números, Lazzarini foi fundo na documentação do assunto e nos estudos sobre as conexões do mundo empresarial. O livro tem 184 páginas, 51 das quais ocupadas por notas, descrições metodológicas e pela bibliografia.
"Capitalismo de laços" começa recontando a investida recente do palácio do Planalto, do fundo de pensão Previ e do empresário Eike Batista sobre os administradores da Vale. Em tese, a Vale é uma empresa privada. Na prática, pelos "laços", o governo é seu maior acionista e, na ocasião, Batista era o melhor amigo.
Segundo a revista Forbes, ele é o homem mais rico do Brasil. Em 2008, foi o maior patrocinador privado do filme "Lula, filho do Brasil" e, em 2006, o maior doador individual na campanha que reelegeu Nosso Guia. Quem teria sido o maior doador corporativo? A Vale.
A privatização virou privataria (termo que Lazzarini não endossa) quando o tucanato, em busca de recursos e de interessados para os leilões de venda do patrimônio da Viúva, recorreu às arcas dos fundos de pensão e do BNDES. Diz o professor: "Fernando Henrique, longe de "esquecer o que escreveu", em realidade ajudou a sedimentar o capitalismo de laços no Brasil." Durante os últimos oito anos petistas alguns laços desfizeram-se (os de Daniel Dantas, por exemplo), outros, como os de Eike Batista e do grupo JBS-FriBoi (outro grande doador de 2006), estabeleceram-se.
Os laços do andar de cima com o Estado foram magistralmente mostrados por Raymundo Faoro em seu "Donos do poder", um livro de 1957. Lazzarini poderia ter chamado seu livro de "Donos do poder 2.0". Ele fulanizou e quantificou suas afirmações. Estudou a composição acionária das empresas do seu banco de dados para testar uma variante do famoso "diga-me com quem andas e eu te direi quem és" : "Diga-me de qual empresa você é dono que te direi quem é o seu amigo".
O professor trabalhou com um complicado conceito de "centralidade". Simplificando-o quase ao exagero, é como se tivesse estudado a composição acionária das empresas com o olhar de um usuário do Facebook. Em 1996, quem tinha mais "amigos" eram a União (com o BNDES) e a Previ. Em 2009 a situação era a mesma. Com outro critério, olhando-se para os grupos econômicos e seus cruzamentos, hoje quem tem mais amigos é o conglomerado da Andrade Gutierrez, seguido pelo grupo do empresário Carlos Jereissati. Estudando a estrutura das grandes empresas, Lazzarini mostra como é pequeno o mundo dos amigos entrelaçados: 11 grão-senhores participam de 66 conselhos de empresas.
Na epígrafe do livro o professor repete a frase do romance "O leopardo", quando o aventuroso Tancredi (Alain Delon no filme) diz ao tio (Burt Lancaster): "Se quisermos que tudo fique como está, é preciso que tudo mude."
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