O secretário de Segurança Pública do Rio Janeiro, José Mariano Beltrame, equivocou-se. Na quinta-feira, depois da ocupação da Favela Vila Cruzeiro e da fuga em massa dos traficantes que fizeram dessa área de mais de 200 mil metros quadrados, na zona norte carioca, o principal baluarte do crime na cidade, o secretário declarou: "Ainda não há nada a comemorar."
Compreende-se e até se deve louvar a sua prudência. Mas há, sim, muito a comemorar, pela competente operação com que o governo fluminense respondeu aos atos terroristas que desde o começo da semana haviam transformado o Rio numa espécie de capital tropical do Quinto Mundo, com uma profusão de arrastões, queima de veículos e tiroteios que, até ontem, já haviam matado pelo menos 35 pessoas.
Deve-se comemorar, antes de tudo, um acontecimento sem precedentes: a participação de uma das Três Forças, no caso a Marinha, no combate não propriamente ao narcotráfico, mas ao poder incontrastável exercido por suas gangues sobre núcleos inteiros da cidade. Vila Cruzeiro, por exemplo, era o quartel-general do Comando Vermelho, assim como a Rocinha é a base da facção rival Amigos dos Amigos.
Sem a decisão da Marinha de atender prontamente a um pedido de apoio logístico das autoridades estaduais - cedendo veículos blindados, carros-lagarta e viaturas para transporte de tropas, além de 70 fuzileiros navais para manejá-los -, a mobilização de meio milhar de policiais do Batalhão de Operações Especiais (Bope), Polícia Militar e Civil só poderia ter êxito a um preço impensável: a mortandade de sabe-se lá quantos inocentes na batalha campal que seria travada.
Comemore-se, pois, o "feito de armas" que pode mudar o curso do que, em última análise, é uma guerra pelo controle do Rio de Janeiro. Desde anteontem a repressão ao crime organizado na cidade visa mais do que nunca o pior dos seus desdobramentos: os verdadeiros governos paralelos, ou melhor, as tiranias brutais do tráfico e das milícias.
"A comunidade hoje pertence ao Estado", resumiu um dos responsáveis pela dramática operação na Vila Cruzeiro, transmitida ao vivo pelas redes de televisão, com câmaras instaladas em helicópteros. Foi também pela TV que o País acompanhou a debandada da bandidagem para o Complexo do Alemão, do outro lado da encosta - o novo alvo das forças de segurança, desta vez com o engajamento da Polícia Federal.
Por muito tempo ainda o narcotráfico terá de ser combatido em muitas frentes, não raro distantes dos centros urbanos onde prospera, como as regiões de fronteira no extremo norte do País. Mas uma coisa é a droga, outra é o banimento do poder público de áreas usadas como centros de distribuição, baluartes para as máfias que as dominam e nelas criam mercados cativos de bens e serviços.
O Estado tem de retomar os feudos do crime não apenas para manter a sua integridade, proteger e prover as suas populações, mas também para desestruturar as quadrilhas e torná-las mais vulneráveis à ação policial. Falando da fuga dos criminosos da Vila Cruzeiro, o secretário Mariano Beltrame observou que o ataque "tirou dessas pessoas o que nunca foi retirado: o seu território".
"É importante apreender drogas", disse ainda. "Mas é mais importante tirar o território." Naturalmente, está fora de cogitação o que equivaleria a retirar e devolver. As forças que recuperarem a favela não poderão sair dali tão logo. Nem será do dia para a noite que ali se instalará uma Unidade de Polícia Pacificadora (UPP). O trabalho "vai demandar um esforço muito grande", avisa Beltrame.
Aliás, as poucas que já funcionam (em comparação com o que o Rio de Janeiro necessita) afetaram os traficantes a ponto de fazê-los desencadear a ofensiva terrorista que ensejou, afinal, a cooperação entre as Forças Armadas e o governo do Estado - a ser ampliada, por decisão do presidente Lula, com o envio de helicópteros, veículos e equipamentos de apoio logístico. Além disso, informou o Ministério da Defesa, 800 soldados do Exército serão deslocados para "garantir a proteção dos perímetros das áreas que forem ocupadas pelas polícias".
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