sexta-feira, 3 de junho de 2011

As vítimas do Brasil

Amigos, não temos, sequer, a condição de enxergar que tudo isso faz parte de manobras dissuasórias acerca das graves dificuldades que o atual governo encontra para equacionar os principais problemas que impedem nosso pleno desenvolvimento com a prometida e, a cada dia mais distante, redução da desigualdade.

Estamos, cada vez mais, nos tornando uma sociedade covarde e despreparada para conviver no mundo globalizado. A cada passo como esse impedimos o nosso próprio desenvolvimento.


Enfim, é uma crônica inteligente e muito bem escrita acerca de nossa incapacidade, como sociedade, de vivenciarmos os valores adequados a uma sociedade madura.


Vale a leitura.

As vítimas do Brasil
David Coimbra
Zero Hora


O Brasil atingiu um nível de tolerância intolerável. Estamos sob a tirania dos mais fracos. Basta o sujeito ser de uma suposta minoria para oprimir a suposta maioria. Exemplo da hora: os ciclistas de Porto Alegre. São os oprimidos opressores do momento. Um psicopata engatou uma terceira e tocou o carro por cima de uma vintena deles, semanas atrás. Um crime, um absurdo e tudo mais. Mas por que os ciclistas estavam ocupando TODA a via PÚBLICA na hora do atropelamento? Por que os ciclistas de Porto Alegre, quando pedalam em grupo, continuam ocupando TODA a via pública?

Outro dia alguém se queixou por ter ficado 15 minutos preso atrás de um pelotão de ciclistas, numa sexta à noite. Disse assim, o queixoso:

– E se eu estivesse indo para o hospital? E se fosse uma emergência?

Ora, não é preciso haver uma emergência para censurar quem bloqueia a via pública sem permissão. Posso estar indo ao cinema, ou para a minha casa, ou posso estar simplesmente rodando à toa, não interessa, eles NÃO TÊM DIREITO de obstruir a rua. Só que o caso do atropelador psicopata lhes conferiu uma arrogância desafiadora. Já vi ciclista xingando motoristas, ameaçando chutar a lataria do carro. Eles agora são inimigos do motor à explosão, defensores intransigentes da tração animal. E ninguém pode dizer que prefere andar de carro. Por quê? Porque se transformaram em vítimas. A vítima pode tudo, no Brasil.

O cara fala nóis fumo, nóis vortemo, nóis pega os livro, mas num sabe lê? Não ouse corrigi-lo. Se o fizer, você revelará todo o seu preconceito linguístico, você será da classe dominante que oprime a classe dominada com a gramática. Pobre classe dominada, sufocada por mesóclises e concordâncias perfeitas. Há que se tolerar quem não fala a “norma culta”. Se o professor disser que quem fala nóis pega us livro está “falando errado”, o aluno vai se traumatizar, vai “se sentir entre dois mundos”. Mais uma vítima nesse país de vítimas.

As verdadeiras vítimas do Brasil são os poderosos. Ou os supostamente poderosos: os parlamentares. Você quer posar de revolucionário, de defensor dos mais fracos, de corajoso? Enxovalhe o parlamento. Fale que é tudo culpa dos políticos, inclusive daquela taipa que você elegeu. É sempre saudável desancar um político. Faz bem para a pressão, alivia o estresse, todo mundo concorda com você e você se sente... uma vítima. Todos somos vítimas dos políticos.

Agora mesmo, em meio à polêmica Bolsonaro-homofobia, ouvi gente boa defendendo publicamente o fim da imunidade parlamentar. Seria o mesmo que acabar com o Legislativo. Porque o deputado pode até ser uma besta, mas ele tem direito de dizer besteira. Ele é um parlamentar; o parlamentar parla. Bolsonaro está defendendo ideias retrógradas e tacanhas porque representa um eleitorado retrógrado e tacanho. Que tem direito à representação. Bolsonaro diz que não aceitaria que o filho dele fosse homossexual. O eleitorado dele também não aceitaria. Eu mesmo, eu aceitaria sem problemas que meu filho fosse homossexual, desde que não fosse corrupto ou vegetariano.

Pronto. Acabei de transformar os vegetarianos em vítimas.
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