Precisáramos entender que nossa ocidental idiossincrasia não consegue, ainda, absorver as "escolas" de formação social do mundo islâmico. A força que a História detém sobre aquelas sociedades faz com que mil anos se resumam a décadas.
A questão da dissolução do Império Otomano, cujo espólio gerou a primeira guerra mundial foi muito mais além do que jogos de interesses: a cultura daquelas milenares civilizações não foi, devidamente, levada em consideração na equação.
Quase um século depois, pois em oito anos a mais completa-se o centenário do fim daquele flagelo europeu, os países da comunidade européia, em meu entender, ainda não conseguem enxergar a força que as culturas do antigo império otomano guardam e cultuam.
Quando turcos passaram, em levas, a imigrar para países europeus, notadamente as Alemanhas, mantiveram seu sentimento de Nação e não se esvaíram com o tempo tampouco a absorção de novos costumes ocidentalizados ou tecnologias.
O que vemos agora é uma grande força econômica que, junto a Polônia, pode desestabilizar um antigo eixo de "estabilidade" para Europa e Rússia. Sim, essas duas potências, com o crescimento da população muçulmana naquelas economias poderá ser um abrigo para os demais países daquele eixo oriental, ou médio oriente.
O alinhamento com o Brasil em favor do Irã foi só uma tentativa de mostrar alguma força e independência.
Posso me arriscar a dizer que presenciamos o início de uma "nova proposta" de economias integradas naquela região que dará muita dor de cabeça a Europa e ao resto do mundo.
Vale acompanhar.
.Como o Ocidente está perdendo a Turquia
Bernhard Zand
Uma Ancara frustrada está virando as costas para o Ocidente e se voltando na direção do Hamas e do Irã. Durante décadas, o povo da Turquia serviu como um forte aliado do Estado judeu e teve como principal objetivo de sua política externa se tornar membro da União Europeia. Agora, a Turquia está economicamente forte, desfruta de um considerável poder regional e pode ditar suas próprias regras. Será este o fim do legado de Ataturk?
Na cúpula da União Europeia em Copenhague em dezembro de 2002, o então chanceler alemão Gerhard Schröder e o ex-presidente francês Jacques Chirac estavam numa sala com Recep Tayyip Erdogan, um recém-chegado à Europa.
O alemão e o francês tinham más notícias para o homem, que havia acabado de conquistar uma vitória eleitoral histórica em seu país. O primeiro-ministro turco estava esperando receber uma data concreta, 15 anos depois que a Turquia enviou seu requerimento formal, para negociar a aceitação de seu país na UE para começo de conversa. Esta era a vantagem que Erdogan esperava usar para transformar seu país. Mas, disse Schröder, a UE ainda não estava preparada para começar aquelas negociações, e Erdogan simplesmente teria que esperar um pouco mais.
Erdogan ergueu-se em sua cadeira e disse: “Hop hop!”
Chirac não entendeu a frase em turco, que pode ser traduzida como uma combinação de “espere um minuto” e “você deve estar louco”. Mas ele havia sido prefeito de Paris tempo suficiente para reconhecer imediatamente que este homem tinha um pavio muito curto e não lidava bem com a frustração. Os estadistas europeus, informou ele a seu colega turco, tinham suas diferenças. Mas eles também haviam estabelecido formas para discutir essas diferenças. Erdogan não disse nada. Não foi um bom começo.
Virando a mesa em Ancara
Agora, sete anos mais tarde, Erdogan de fato transformou a Turquia. Ele constrangeu a todos que o haviam tratado como um tolo religioso. Ele forçou o poder militar da Turquia contra um muro, desmoralizou o establishment republicano e transformou seu país localizado no Bósforo, antes conhecido por golpes e crises, no tigre da Anatólia. Enquanto a vizinha Grécia se debate com a bancarrota nacional, a economia turca deve crescer mais de 5% este ano.
Ao mesmo tempo, o país está crescendo para ocupar um papel que a Turquia moderna nunca desempenhou: o de uma potência regional expressiva e arrogante que está desencadeando protestos internacionais à medida que abandona um princípio fundamental de sua política estrangeira.
É uma mudança de curso histórica. “Os turcos sempre foram para uma única direção”, disse Mustafa Kemal Ataturk, o fundador da república turca, “em direção ao Ocidente”. Mas agora, depois de sete anos sob o governo de Erdogan, a Turquia está mudando de direção para o Oriente.
Uma aliança estilhaçada
O indicador mais óbvio dessa mudança é a relação com Israel. Desde os anos 40, a Turquia foi um refúgio para os judeus perseguidos da Europa, e em 1949 foi o primeiro país de maioria islâmica a reconhecer o Estado judeu. É uma aliança de conveniência e valores que as elites seculares de ambos os países sustentaram e que existe há quase 60 anos.
Mas essa aliança se desfez há duas semanas, depois de meses de provocações mútuas e do incidente sangrento com uma frota naval na costa israelense. Erdogan acusou Israel de “terrorismo de Estado”, retirou seu embaixador e chegou ao ponto de dizer que o mundo “agora vê a suástica e a estrela de Davi juntas”. “Este dia é um ponto de virada na história”, disse ele num discurso no parlamento, referindo-se às relações com Israel. “Nada voltará a ser como antes.”
A virada também se refletiu nas relações com o Irã, um país que Ancara via com desconfiança desde a Revolução Islâmica de 1979. Uma placa colocada na fronteira turco-iraniana desde 1979 diz: “A Turquia é um Estado secular”. É uma declaração da oposição turca à teocracia do vizinho Irã.
Na última quarta-feira, entretanto, o embaixador turco levantou sua mão no Conselho de Segurança da ONU e votou contra o pacote de sanções com o qual Washington, Londres, Paris e Berlim – e até Moscou e Beijing – esperam impedir o avanço do controverso programa nuclear iraniano.
O Ocidente está chocado. Um país que cobre o flanco sudeste da Otan por 60 anos, e que ficou ao lado dos Estados Unidos e da Europa, com o segundo maior exército da aliança – da Guerra da Coreia à do Afeganistão – de repente é amigo dos mulás? O Departamento de Estado em Washington disse estar “desapontado”, enquanto alguns em Israel, nos Estados Unidos e na Alemanha já estão prevendo um novo “eixo do mal”.
Quem deve ser responsabilizado pela mudança política da Turquia? Erdogan? Israel? Os europeus? Quem perdeu a Turquia?
“Pressionado por alguns na Europa”
Se o país do Bósforo parece estar indo para o leste, diz o secretário de Defesa dos EUA Robert Gates, é porque “em grande parte ele foi pressionado repetidas vezes por alguns na Europa que se recusaram a dar à Turquia a ligação orgânica que ela buscava com o Ocidente.”
É difícil de refutar o argumento de Gates. No Acordo de Associação de 1963, os países da UE deram aos turcos uma perspectiva clara de associação, e Ancara fez seu primeiro pedido em 1987. Mas mesmo depois que as negociações começaram oficialmente em 2005, Bruxelas continuou a impedir os turcos, enquanto aceitava os países do antigo bloco do Leste, um após o outro.
Entretanto, Erdogan continuou guardando esperanças de se tornar membro da UE, e com esse trunfo nas mãos, reformou o país como nenhum outro premiê turco havia feito antes. Ele assumiu riscos, relaxou as tensões com os curdos e em geral tentou impressionar os europeus. Ele estava determinado a ser lembrado pela história como o turco que levou seu país ao “clube cristão”.
Diminui o entusiasmo pela Europa
Mas daí, perto da metade do caminho entre a chegada da chanceler alemã Angela Merkel ao poder em 2005 e a do presidente francês Nicolas Sarkozy em 2007, o entusiasmo de Erdogan diminuiu. Se há uma questão em que esses dois líderes concordam, é sua oposição à associação completa da Turquia à UE.
Erdogan entende que ele não tem chance na Europa no momento, e em vez disso está redirigindo suas energias para o Oriente. Não é uma maneira muito perspicaz de liberar a frustração política, mas tampouco é totalmente surpreendente.
Uma data precisa pode ser designada como o começo do desapontamento de Erdogan com Israel: 27 de dezembro de 2008. Durante anos, a Turquia negociou indiretamente os diálogos de paz entre Israel e a Síria. Erdogan queria chegar a um acordo no conflito pelas Colinas de Golan, que está sem resolução desde 1967, um papel que também teria garantido a ele um lugar nos livros de história.
Erdogan se sentiu traído
O primeiro-ministro turco imaginava-se próximo de um momento crucial por volta do Natal de 2008. O primeiro-ministro israelense Ehud Olmert viajou para Ancara em 22 de dezembro, mas ele não ofereceu nenhum indício durante sua visita de que daria ordens para lançar a operação Cast Lead logo após seu retorno a Jerusalém. Os ataques militares – lançados em retaliação aos bombardeios constantes do Hamas com foguetes de Gaza contra o território israelense – causaram a morte de 1.400 palestinos. Erdogan só soube da operação quando ela apareceu nos noticiários.
Até hoje, diz um confidente, o primeiro-ministro turco vê o fato de Olmert ter escondido seus planos como uma traição. Quatro semanas depois, Erdogan saiu irritado de um debate com o presidente israelense Shimon Peres no Forum Econômico Mundial em Davos, Suíça. Ao sair, ele gritou para Peres: “Você mata pessoas. Eu me lembro das crianças que morreram nas praias”. A partir daí, a relação turco-israelense se estilhaçou.
Desde então, os ultraconservadores dominaram a retórica em ambos os países: o próprio primeiro-ministro na Turquia e, em Israel, homens como o ministro das Relações Exteriores Avigdor Lieberman, que diz: “A culpa toda, toda ela, do começo ao fim, é da Turquia”.
Uma onda de nacionalismo – na Turquia e em Israel
Agora, parece que os dois países, que sempre se orgulharam de ser as “únicas democracias” no Oriente Médio, perderam seus campos de oposição numa onda de nacionalismo.
Na Turquia, pelo menos, Kemal Kiliçdaroglu, novo líder da oposição, está criticando o governo. A Europa e os Estados Unidos, diz o social-democrata, veem o Hamas “como uma organização terrorista. Portanto, devemos tomar cuidado”.
Em Israel, até agora, as críticas têm se limitado a intelectuais como o autor David Grossman, e a comentaristas como Aluf Benn, que escrevem despedidas melancólicas para os dois países no jornal Haaretz, observando que mesmo nas diferenças mais profundas, há mais coisas que os une do que os separa.
Os dois países, escreve Benn, têm atitudes erradas em relação a suas minorias e um poder militar exageradamente influente, e ambos são altamente modernos e ainda assim infiltrados por fundamentalistas. Ambos os governos, de acordo com Benn, estão ocupados em destruir o legado de seus fundadores, David Ben-Gurion e Ataturk – e o povo dos dois países está saturado de preconceitos. “Mas nós”, escreve o israelense Benn, “não somos um país de mentirosos e assassinos como diz Erdogan, e a Turquia não é um Irã que quer varrer Israel do mapa, como acredita Lieberman”.
*Traduzido do alemão por Christopher Sultan
Tradução: Eloise De Vylder
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