terça-feira, 29 de junho de 2010

O voto e o barro

Não é a minha primeira vez nessa experiência, aliás, uma de minhas primeiras missões operacionais voando helicópteros foi em calamidades públicas.

Esse tipo de missão humanitária muito nos ensina. É uma escola de vida quase que completa: Vê-se de tudo, inclusive solidariedade humana. Contudo, em meio a tanto sofrimento, por incrível que pareça, é o que menos prevalece, o que mais se destaca é a velhacaria e o aproveitamento de quem sofre.

Novamente deparo-me com preços de víveres e alimentos triplicando tendo-se como vendedores vizinhos comerciantes com melhor sorte. A pilhagem de mantimentos e bens de casas destroçadas é ponto comum em focos quaisquer, isolados ou não.

Há os donativos, claro, grande ajuda, sem dúvida. Também entre eles há muitos alimentos vencidos e de qualidade questionável. Aliás, fazer os doadores entenderem que quem precisa de comida não tem onde cozinhar é perder tempo. Surgem sacas e sacas de cestas básicas sem muita serventia. Cozinha-se em "arranjadinhos" ou galpões improvisados e o risco dos mais fortes tomarem é iminente.

Lembra-me o romance de Victor Hugo, os Miseráveis, onde os "tigres rondam a noite".  A miséria humana apesar de pitoresca é, infelizmente, repetitiva. O que presenciei quando tenente novo, piloto arrojado, voluntário sem hora para dormir, ouço de relatos de pessoas "in field" trabalhando em uma coordenação setorial.

A grande lição que, aliás, já esperava, é o indefectível "mis en scene" que os políticos fazem e da situação se apropriam. Camisas "arremangadas" para se dar uma impressão de marketing político de estarem com a mão na massa, mas longe do barro, do fedor, da putrefação, da miséria humana...e há quem acredite, há quem vote, aliás, uma penca de iludidos, aliás, ser iludido é mais confortável e mais seguro.

Surpreendo-me com a notícia de pessoas isoladas, em locais cuja responsabilidade não era nossa, de militares, estes sempre cobrindo os inexoráveis furos dados por pessoas da área pública...diga-se de passagem, muitos dos públicos sequer compareceram, apesar dos que sofrem também lhes pagar os salários via impostos.

Enfim, a grande lição que revi é que em poucos meses mais uma vez o cidadão brasileiro se preocupará com o presidente a ser escolhido sem notar para a fundamental importância de quem governará o Estado ou estará em uma Assembléia Legislativa, como deputados. Estes indicam pessoas para trabalharem em cargos públicos, nos níveis estaduais e municipais. Estes deveriam ser os primeiros nos locais afetados, muito antes de nós, militares, mas não foram, aliás, devem estar esperando que a terra seque para não comprometer o coro italiano dos sapatos.

Como comum neste governo, o aumento, o inchaço é notório, resta saber se são competentes, se ao menos aparecessem para ver o que estava ocorrendo. O que seria uma ação coordenada vira um exército de Brancaleone. Se os militares não estiverem à frente, jamais com os créditos que lhes são devidos, pouco se faz de objetivo.

Descobri ontem, pelo relato de quem deveria receber apoio de setores públicos do Estado, de que havia uma ou duas comunidades ainda isoladas desde o início da calamidade, há mais de uma semana.

Garanto que essas pessoas votaram no presidente achando que teriam uma vida melhor. Acredito, até, que se importaram com o governador que, por sua vez, escolhe seus secretários, que por sua vez....cadê eles mesmo???

Bem, todos já sabem do resto da história, pois a mídia está lá, atuante. Faz a conexão quem quer ou quem pode. Enlaçar as pontas soltas é uma questão de se querer, não de inteligência ou escolaridade, aliás, o matuto isolado percebeu isto logo.....Ele votou consciente para presidente, e agora está comendo barro, até que os que foram nomeados bem abaixo do conhecimento do presidente aprendam seu ofício e tirem ele do isolamento e lhes proveja comida, abrigo e conforto.

Enfim, o argumento já está repetitivo, mas a distração está cobrando vidas...O voto foi coerente, mas o barro foi inesperado.
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