quinta-feira, 17 de junho de 2010

Os palácios do poder

Uma metáfora muito bem elaborada por este excelente escritor.
O que ele diz é ontológico, faz parte da natureza humana.
De toda sorte, é uma reflexão madura e importante sobre a questão do poder nos relacionamentos
nas organizações e instituições.


10/06/2010 17:28:21
Thomaz Wood Jr.
Política e poder estão entre os temas mais presentes, e menos falados, do mundo corporativo
No livro Shalimar, o Equilibrista, de Salman Rushdie (Companhia das Letras, 2005), o personagem Max Ophuls substitui as fábulas e histórias de dormir que pais contam a seus rebentos por pesadas homilias. Certa noite, explica para sua sonolenta filha: “O palácio do poder é um labirinto de salas interligadas... Não tem janelas nem porta visível. Sua primeira tarefa é encontrar um jeito de entrar. Quando resolver esse enigma, quando chegar como suplicante à primeira antessala do poder, vai encontrar nela um homem com cabeça de chacal, que vai tentar expulsar você. 

Se ficar, ele vai tentar devorar você. Se com algum truque conseguir passar por ele, você vai entrar numa segunda sala, guardada desta vez por um homem com cabeça de cão raivoso, e na sala seguinte vai encontrar um homem com cabeça de urso faminto, e assim por diante. Na penúltima sala, há um homem com cabeça de raposa. Esse homem vai tentar afastar você da última sala, na qual está sentado o homem do verdadeiro poder. Ou melhor, ele vai tentar convencer você de que já está nessa sala e que ele próprio é esse homem... Se conseguir perceber os truques do homem-raposa e puder passar por ele, vai se encontrar na sala do poder. A sala do poder não tem nada de especial e nela o homem do poder está na sua frente, do outro lado de uma mesa vazia. Ele parece pequeno, insignificante, medroso; porque, agora que você penetrou nas defesas dele, ele tem de lhe conceder o que o seu coração deseja. Essa é a regra. Mas no caminho de saída o homem-raposa, o homem-urso, o homem-cachorro e o homem-chacal não estão mais lá.

No lugar deles, as salas estão cheias de monstros voadores, semi-humanos, homens alados com cabeça de pássaro, homens-águia e homens-abutre, homens-ganso e homens-falcão. Eles mergulham na sua direção e arrebatam o seu tesouro. Cada um arranca com as garras um pedacinho dele. Quanto você vai conseguir levar para fora da casa do poder? Você vence todos, defende o tesouro com seu corpo. Eles atacam suas costas com garras branco-azuladas brilhantes. E quando você vence todos e está de novo do lado de fora, os olhos apertados e doloridos por causa da luz brilhante, agarrado ao pobre restinho esfarrapado, vai ter de convencer a multidão descrente – aquela multidão impotente, invejosa! – de que você voltou com tudo o que queria. Senão, será marcado como um fracassado para sempre... Essa é a natureza do poder”. 

As organizações do século XXI, sejam elas multinacionais, empresas familiares, organizações sociais ou até mesmo companhias estatais, são mais abertas que suas congêneres do século anterior. A pressão de consumidores e grupos de interesse, as baias baixas, as estruturas mais enxutas e o avanço das tecnologias de comunicação e informação tornaram o ambiente corporativo um pouco mais transparente. 

Aqui e acolá, nesses modernos palácios, abundam questões relacionadas à política e ao poder: decisões sobre promoções, disputas por recursos e investimentos, uso do conhecimento técnico para influenciar decisões, intrigas palacianas, golpes e contragolpes, tentativas de catequização e padronização da cultura organizacional. Curiosamente, mesmo nesses espaços corporativos pós-industriais, poder e política continuam sendo tabus, como se não pertencessem ao mundo dos negócios. Pouco se fala e quando se fala faz-se uso de circunlóquios e eufemismos. 

Grandes mudanças geram distúrbios nas empresas. As privatizações dos anos 1990, a crise econômica de 2008/2009 e as fusões e aquisições que ocorreram nas últimas décadas criaram palcos privilegiados para jogos, conchavos e conflitos de todo o tipo. A falta de preparo para lidar com a natureza política dessas situações gera efeitos danosos para as organizações e para seus funcionários: aumento do estresse e do cinismo, queda da produtividade e da qualidade dos produtos, aumento do absenteísmo e perda de quadros. Essa mesma falta de preparo alimenta um exército de discípulos de Maquiavel e Sun Tzu, que veem a vida corporativa como uma guerra sem tréguas, enxergam inimigos por toda a parte e encaram cada dia de trabalho como uma batalha a ser vencida. 

A crua homilia do personagem de Salman Rushdie ressalta o perigo da busca do poder e o vazio do encontro. Os palácios do poder continuam – e continuarão – a existir, com seus homens-chacais, suas antessalas e seus ocupantes taciturnos. Porém, seria mais saudável para as empresas e seus funcionários abandonar as máscaras, desmistificar o tema e tratá-lo sem pudor. Afinal, política e poder estão presentes em qualquer ajuntamento humano. E, como bem sabem nossos ilustrados leitores, as criaturas das trevas costumam perder o rumo quando expostas à luz do sol. 

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