sábado, 19 de junho de 2010

Esse é o hino

Não há outra instituição social no Brasil que tenha unanimidade em qualquer parte do território. É comum achar como eu encontrei, em Santarém Am, pessoas com camisas do Flamengo ou do Corínthians ou São Paulo, ou mesmo em Marabá, Altamira, Dourados, Cuiabá, sem falar nas cidades na faixa litorânea ou Sinop, enfim, o futebol é uma "unidade de comando".

Não fora a expressiva quantidade de dinheiro que movimenta, que faz com que jovens tornem-se milionários sem a maturidade ou o preparo emocional e intelectual para viver e vivenciar grandes fortunas, poderíamos usar este esporte como impulsionador de nosso desenvolvimento.

O jornalista inicia sua crônica atentando para nosso hino que reflete uma formação diferenciada, mesmo no continente: Nossas conquistas sociais foram consensuadas e com pouco derramamento de sangue. Talvez o motivo pelo qual não tenhamos referenciais históricos, ou ícones ou símbolos que nos aglutinem em torno de um bem comum, de uma visão plural. O fato é que nos sentimos Nação somente a cada quatro anos, e com este comportamento acha-se que seremos a quinta economia em 2016...enfim, mais uma grande oportunidade desperdiçada, mas o texto, em si, é muito bom.



J. R. Guzzo

Esse é o hino

"A letra do Hino Nacional talvez nem seja pior que a média das letras dos hinos de outros países, em geral obcecadas por sangue, morte, canhões, tiranias e outros horrores"



Se quatro em quatro anos, por ocasião das Copas do Mundo de futebol, milhões de pessoas pelo planeta afora têm a oportunidade de entrar em contato com uma das melhores realizações que o Brasil já foi capaz de pôr em pé – o Hino Nacional Brasileiro, tocado e transmitido globalmente antes do começo de cada jogo. É sempre um momento de sucesso garantido junto ao público. O time, no campo, pode ir melhor ou pior, mas o hino não falha nunca. Seus primeiros acordes já deixam claro para a plateia presente aos estádios que ela vai ouvir, nos instantes que se seguem, música de primeira qualidade no gênero; dali para a frente as coisas só melhoram. Ao se executar a última nota, todos os que prestaram atenção ao que estavam ouvindo ficam com a impressão de ter recebido um brinde inesperado antes do jogo: em vez da monotonia habitual dos hinos nacionais, em geral áridas arrumações de movimentos marciais que têm como característica mais notável o fato de parecerem todas iguais umas às outras, o que se ouve é uma das melodias mais vibrantes, calorosas e inspiradas que se podem escutar numa cerimônia oficial.
Não há um momento sequer de tédio no Hino Nacional; tudo ali é energia, emoção e vigor. Com quase 200 anos de vida, a peça composta por Francisco Manuel da Silva em 1822 mantém intactas até hoje todas as qualidades que fizeram dela uma das composições mais bem-sucedidas na história da música brasileira. Escrita originalmente em homenagem à Independência, e oficializada como Hino Nacional Brasileiro após a proclamação da República, a obra de Francisco Manuel tem um longo histórico de aplausos. Louis Gottschalk, o grande compositor americano do século XIX, que morreu no Brasil em 1869 e tinha entre seus admiradores Chopin, Liszt e Berlioz, considerava-a um dos melhores momentos da criação musical de sua época; em sua homenagem, escreveu a celebrada Fantasia Triunfal sobre o Hino Nacional Brasileiro. É bom notar, também, que nas Copas do Mundo o Hino Nacional costuma ter competidores de primeiríssima linha, como agora – a começar, por exemplo, pelo extraordinário Deutschland Über Alles, o hino nacional da Alemanha, composto por ninguém menos que Joseph Haydn. Concorre, também, com grandes clássicos como o God Save the Queen, o hino não oficial da Inglaterra, e outros sucessos habituais como os hinos da Itália e dos Estados Unidos – isso sem falar naMarselhesa, da França, provavelmente o hino nacional mais conhecido do mundo. Não é fácil brilhar nessa companhia.
Mas e a letra? Já se falou mal o suficiente da letra do Hino Nacional para que se ganhe alguma coisa insistindo no assunto. Sua linguagem, provavelmente, já era antiquada na época em que foi escrita, 101 anos atrás; é confusa, às vezes absurda, e muito pouca gente consegue decorá-la direito, mesmo porque muito pouca gente entende o que ela está dizendo. Mas isso não afeta a melodia nem embaça o gênio de Francisco Manuel – que, por sinal, já estava morto quase meio século antes de colocarem palavras em sua música. Além do mais, a letra do Hino Nacional nunca causou prejuízo a ninguém – e, francamente, talvez nem seja pior que a média das letras presentes em hinos de outros países, em geral obcecadas por sangue, morte, canhões, tiranias e outros horrores. O mais prático, portanto, é deixar tudo como está, antes que venha a ideia de adotar uma nova letra através de concurso público. Com certeza teríamos muita saudade, aí, do lábaro estrelado e dos raios fúlgidos.
O que seria do futebol, principalmente em momentos de Copa do Mundo, se fosse proibido falar mal do técnico? Ou dos jogadores? E dos cartolas, então? O técnico Dunga acha injusto o tratamento que ele e sua equipe vêm recebendo da imprensa em geral; julga que tem sido visado porque acabou com entrevistas exclusivas, favoritismos em relação a este ou aquele veículo, "panelinhas" etc. Pode haver muito de verdadeiro nisso tudo, mas o problema é outro. Futebol é paixão, e a imprensa reflete a paixão da torcida – se ela aplica vaias selvagens aos seus próprios times, por que seria diferente com a seleção e seu técnico? Torcidas não são imparciais, e não esperam imparcialidade da cobertura esportiva. Não é justo, mas é o preço que Dunga e seus jogadores têm de pagar pela remuneração que recebem. Se vencerem, levam as batatas; se perderem, não levam. É a vida. Ao que parece, eles querem levar as batatas mesmo em caso de perda, por achar que têm "raça" e são "guerreiros". Aí já fica difícil.
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