quarta-feira, 1 de setembro de 2010

A desestruturação do Estado

Em meu entender, quando em uma sociedade patrimonialista como a nossa, coletivista e extremamente dependente do Estado, sem qualquer ou mínimo pendores para o empreendedorismo permite que órgãos do mesmo Estado aquiram tal nível de força e de independência o todo, que se pressupõe harmônico, ficará seriamente comprometido em serviços e produtos que garantam soberania sustentável.

O que se depreende do artigo abaixo é o velho adágio "cada um por si e o resto que se dane". Bem, isso tudo ocorre sob a liderança carismática que obtém 81% de aprovação da mesma sociedade que ficará, em curto espaço de tempo, prejudicada.
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A desestruturação do Estado
O Estado de S. Paulo - 29/08/2010

Propostas de mudança da Constituição em exame pela Câmara dos Deputados aumentam as prerrogativas de funcionários do Executivo e do Judiciário, dão-lhes o poder de decidir sobre seus próprios salários e sobre o orçamento dos órgãos a que pertencem, garantem-lhes vencimentos iguais aos de funcionários de nível salarial mais alto e, sobretudo, asseguram-lhes prerrogativas até aqui exclusivas dos membros dos Poderes Legislativo e Judiciário e do Ministério Público, num claro desvirtuamento de funções que desorganiza o Estado.

A Constituição estabelece que compete privativamente ao presidente da República o envio ao Congresso do plano plurianual, o projeto de lei de diretrizes orçamentárias (LDO) e as propostas de orçamento anual da União. Ela assegura ao Poder Judiciário autonomia administrativa e financeira, que dá aos tribunais a prerrogativa de elaborar suas propostas orçamentárias, "dentro dos limites estipulados conjuntamente com os demais poderes" na LDO. Também o Ministério Público elabora seu orçamento, dentro dos limites estabelecidos pela LDO.

Algumas das propostas de emenda constitucional (PECs) em tramitação na Câmara asseguram autonomia funcional, administrativa e financeira a diversos órgãos públicos, o que os retira da esfera de controle direto dos Poderes a que estão vinculados, transformando-os numa espécie de novos poderes, com funcionários dotados de "superpoderes", como mostrou reportagem de Denise Madueño publicada segunda-feira pelo Estado.

Os membros da Advocacia-Geral da União (AGU) são beneficiários de duas dessas PECs. Uma delas assegura aos advogados e defensores públicos salário equivalente a 90,25% dos vencimentos dos ministros do Supremo Tribunal Federal, medida que, se aprovada, deverá se estender às demais categorias da advocacia pública. Outra PEC assegura autonomia funcional, administrativa e financeira à AGU, à Procuradoria-Geral Federal e às procuradorias das autarquias federais, além das Procuradorias dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios. Desse modo, os advogados públicos, de qualquer autarquia federal e de qualquer município brasileiro, não responderão mais funcional, administrativa e financeiramente aos dirigentes dos órgãos para os quais trabalham e aos demais poderes constituídos.

Outras PECs estendem a autonomia funcional administrativa e financeira às administrações tributárias da União, dos Estados e dos municípios e garantem a independência e autonomia funcional aos delegados de polícia, os quais passarão a gozar também de garantias como vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de salários, de que gozam os juízes. Os delegados são contemplados por outra PEC que lhes assegura vencimento igual ao dos promotores de Justiça.

Há ainda uma PEC que confere à Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) a competência - hoje limitada ao presidente da República, aos membros do Congresso Nacional, ao Supremo Tribunal Federal, aos tribunais superiores, ao procurador-geral da República e aos cidadãos em condições específicas - de apresentar projetos de lei.

É notório o desejo dos autores das propostas de afagar política e financeiramente categorias funcionais importantes, algumas nem tão numerosas, mas todas de grande prestígio na administração pública e na sociedade. São claras também as consequências que essas PECs, se aprovadas, terão sobre as finanças públicas, pois, em certos casos, os benefícios se estenderão automaticamente para outras carreiras ou estimularão a apresentação de outros projetos assegurando essa extensão.

Mas o efeito mais danoso dessas propostas é institucional. Ao ampliar competências e prerrogativas de diferentes órgãos públicos, elas criam poderes paralelos que desestruturam o Estado brasileiro. Do ponto de vista financeiro, a autonomia proposta para órgãos como a advocacia pública e para os órgãos arrecadadores em todos os níveis de governo reduz o alcance e a eficiência das políticas fiscais dos governos, cuja qualidade, pelo menos na esfera federal, já é muito criticável. São muito poucos os ganhadores, mas, com a desorganização do Estado, todos os demais cidadãos perderão.
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