A elegante e bem escrita msg abaixo serve de reflexão.
O resultado em uma democracia representativa induz a este tipo de batalha campal. Todavia, não confiaria no cidadão brasileiro acerca de sua perda, defesa ou falta de ética. O que temos que entender é nossa formação, nossa idiossincrasia e a forma que vemos a vida em sociedade.
Eu não acredito que metade da sociedade é a favor da ética. Não acredito que todos que elegeram Jader, Renan e muitos outros votaram somente em Dilma. Também não acredito que desvios corriqueiros na vida comum sejam atributos somente de eleitores da Dilma.
Temos que considerar que entre eleitores de Serra, brancos e nulos também estão uma miríade de pessoas que falam ao celular enquanto dirigem, estacionam em filas duplas, compram filmes e CD e inúmeros outros produtos piratas, tripudiam declarações de IR, compram ou vendem sem nota, etc etc etc. O elenco de atos e posturas sem ética é enorme em nossa sociedade, assim, creio que não seja esta a abordagem ideal para se entender este fenômeno.
Por outro lado, sem querer ser paradoxal, acredito e atesto, por conhecer as regiões Norte e Nordeste que, de fato, quem mais fez por lá foi Lula. Eu voei por essas regiões ao longo de quase trinta anos, pousando em cidades extremamente pobres e de difícil capacidade de produzir algo competitivo para não depender de ajuda federal. Nosso país é complexo.
Também não acredito que Dilma manterá o mesmo ímpeto de ajuda para o Nordeste e Norte, infelizmente eles fizeram parte do projeto de reeleição e de eleição dela. Agora que eles conquistaram estados de maior densidade eleitoral como Minas e RGS, creio que eles não terão o mesmo volume de ajuda de antes.
De toda sorte, o autor também faz um recorrido histórico importante. Vale a leitura.
O Globo - Página 7
DIA DE LUTO - RODRIGO CONSTANTINO*
O dia 2 de novembro foi escolhido como data oficial para a homenagem aos mortos.
Gostaria de prestar aqui minha homenagem ao mais recente defunto brasileiro: a Ética. Seu falecimento gerou profunda tristeza em milhões de brasileiros. Não foi morte acidental, mas homicídio. Cinquenta e cinco milhões de brasileiros executaram a Ética à queima-roupa, no dia 31 de outubro. As armas usadas: as urnas.
Esta eleição foi caracterizada pelo total desprezo aos valores éticos. O presidente Lula foi o grande responsável por esta lamentável postura. Colocou na cabeça que a única meta importante era eleger sua candidata, e qualquer meio poderia ser usado para tanto. O presidente da República, representante de todo o povo brasileiro, tornou-se um empolgado cabo eleitoral, ignorando as funções de seu cargo, as leis e o respeito às regras de uma democracia limpa.
A máquina estatal ficou a serviço do partido. Aécio Neves resumiu bem: “Presidente Lula sai menor do que entrou nesta eleição.” Lula mostrou ser um populista que só pensa nas próximas eleições, ao contrário de um estadista, que foca nas próximas gerações. Fazendo analogia com o futebol, ao gosto de Lula, foi como vencer com um gol de mão, sem legitimidade.
Durante as eleições, vários escândalos vieram à tona, envolvendo gente muito próxima de Dilma, como Erenice Guerra, seu braço-direito.
Acusada de “tráfico de influência” no comando da Casa Civil, Erenice foi ignorada por boa parte dos eleitores. A mensagem, que já havia sido dada nas eleições de 2006, no auge do escândalo do mensalão, foi reforçada: não tem problema usar o Estado como patrimônio particular, desde que a economia vá bem.
O voto com o bolso representa um enorme perigo para a democracia.
Lênin dizia que iria comprar da burguesia a corda usada para enforcála. Para agravar a situação, a naturalidade com que vários petistas abraçam ditadores mundo afora demonstra seu verdadeiro “apreço” pelo regime democrático, exposto também nas constantes tentativas de censurar a imprensa.
No vale-tudo para se perpetuar no poder, o PT apelou para o terrorismo eleitoral. Sua campanha espalhava que Serra iria acabar com o programa Bolsa Família, que tem suas origens no governo FHC. Em 2000, ainda na oposição, Lula chegou a acusar a distribuição de cesta básica de “esmola” que fazia o pobre votar com o estômago.
No poder, o PT mudou de ideia e ainda espalhou que os benefícios acabariam se Dilma fosse derrotada.
Resultado: o Nordeste votou em peso na Dilma.
Quem saiu bastante ferido nas eleições foi o Bom Senso. O PT resgatou do fundo do pântano ideológico o tema das privatizações para “atacar” os tucanos. Quem poderia, em sã consciência, condenar as privatizações do setor de telecomunicações? Quem hoje ainda consegue criticar racionalmente as privatizações de CSN, Embraer ou Vale? Mesmo assim, o PT ainda explora este sentimento nacionalista retrógrado, que confunde propriedade estatal com interesse nacional.
A campanha de Dilma abusou da retórica nacionalista, alegando que a candidata salvaria o pré-sal dos interesses privatistas do PSDB. Os tucanos não colocaram em pauta a venda da Petrobras, mas o próprio PT vendeu concessões de exploração ao setor privado. Eike Batista é prova disso.
Para o PT da oposição, isso seria “privatização”. Mas, para vencer a guerra das eleições, a coerência e a honestidade são as primeiras baixas.
Vale até usar a estatal como braço partidário na campanha. Isso sim é uma “privatização” abominável.
O debate regrediu algumas décadas por conta da estratégia do PT. A demagogia atingiu patamares espantosos.
Nunca antes na história deste país se viu uma eleição de tão baixo nível. Programas de governo deram lugar aos ataques pessoais nos “debates”.
As perguntas importantes ficaram sem respostas. A candidata Dilma não explicou nada sobre os escândalos de corrupção, repetindo apenas que tudo está sendo investigado.
O PT está “investigando” até hoje José Dirceu.
Os eleitores, anestesiados pelo bom momento da economia, aceitaram sem maiores cobranças as “explicações”.
Venceu Macunaíma, o herói sem caráter. Fica uma enorme “herança maldita” que poderá levar gerações para ser desfeita: a ideia de que a Ética não tem lugar na política.
É dia de luto para os que ainda acreditam em certos valores, e que não estão dispostos a fechar os olhos para infindáveis escândalos em troca de migalhas. Não se constrói uma nação livre sem alguns princípios básicos.
Foi uma vitória de Pirro, com sabor de derrota. Metade do povo está de luto pela Ética.
O voto com o bolso representa um enorme perigo para a democracia.
*Rodrigo Constantino é economista
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