quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Índia questiona valores dos Estados Unidos

Uma importante revisão conceitual acerca dos últimos acontecimentos.
Choque de valores e de idossincrasias se dá no coração da Comunidade Européia com reverberações nos EUA  e resto do mundo. Vale a pena ler esta análise.


Índia questiona valores dos Estados Unidos

Thomas L. Friedman  - Em Nova Déli (Índia)


O prêmio desta semana por não saber em que mundo você vive certamente vai para os estudantes colegiais e universitários franceses, que bloquearam seus campi, tumultuaram o tráfego ferroviário, em uma greve nacional contra a decisão do governo francês de aumentar a idade de aposentadoria de 60 para 62 anos. Se esses estudantes entendessem o mundo hipercompetitivo e economicamente integrado em que vivem, eles teriam tomado as ruas em busca de salas de aula menores, melhor ensino, mais oportunidades para empreendedorismo e mais investimento privado estrangeiro na França –para que pudessem ter bons empregos no setor privado que lhes permitiriam financiar uma aposentadoria aos 62 anos.
A França já descobriu que uma semana de trabalho de 35 horas é impossível em um mundo onde engenheiros indianos estão tentando criar um dia de trabalho de 35 horas –assim como níveis de aposentadoria não sustentados por um setor privado vibrante.
 Mas o que mais me chama a atenção ao estar na Índia nesta semana é quantos indianos, jovens e velhos, expressaram suas preocupações de que os Estados Unidos também parecem às vezes estar fugindo do mundo que inventaram e que a Índia está adotando.
 Com a visita marcada do presidente Barack Obama a este país na próxima semana, em um momento em que muitos políticos americanos estão condenando fortemente as reformas da imigração, a expansão do livre comércio e a terceirização no exterior, mais do que poucos líderes empresariais querem perguntar ao presidente: “O que está acontecendo?” Não foram os Estados Unidos que exportaram para o mundo todas as tecnologias e dogmas de livre mercado que criaram este campo de jogo econômico global, cada vez mais plano –e agora vocês se voltam contra eles?
 “Foi a revolução do Vale do Silício que permitiu o aumento imenso de serviços comerciáveis e as redes de telecomunicações construídas nos Estados Unidos que permitiram a criação do escritório virtual”, escreveu Nayan Chanda, editor do “YaleGlobal Online”, na revista indiana “Businessworld” nesta semana. “Mas os Estados Unidos parecem tristemente despreparados para tirar proveito da revolução que geraram. A infraestrutura desgastada do país, o sistema de educação falho e a falta de consenso político o impedem de tomar a nova onda para a prosperidade.” Ai.
 Saurabh Srivastava, co-fundador da Associação Nacional das Empresas de Software e Serviços na Índia, explicou que ao longo dos primeiros 40 anos da independência indiana, empreendedores locais eram menosprezados. A Índia tinha perdido a confiança em sua capacidade de competir, então ela optou pelo protecionismo. Mas quando chegaram os anos 90 e o governo da Índia estava quase falido, o setor de tecnologia da Índia conseguiu fazer com que o governo abrisse a economia, em parte citando o exemplo dos Estados Unidos e do Vale do Silício. A Índia vem florescendo desde então.
 “Foi a América que nos disse: ‘Vocês precisam adotar a meritocracia’”, disse Srivastava. “‘Vocês não precisam produzir tudo vocês mesmos. Optem pelo livre comércio e abram os mercados.’ Este era o hino nacional americano e nós pressionamos nosso governo para que o aprendesse. E então quando estamos começando a aprender como assoviá-lo, vocês mudam o hino... Nossa indústria foi aquela que pressionou nosso governo para a abertura de nosso mercado aos importados americanos, empresas poderem ser 100% de propriedade estrangeira e duras leis de direitos autorais, quando nada disso estava na moda.”
 Se os Estados Unidos derem as costas a estes valores, ele acrescentou, os socialistas/protecionistas entre os burocratas da Índia farão uso disso para conter qualquer abertura adicional dos mercados indianos para os exportadores americanos.
 Segundo Srivastava, parece que “o que está acontecendo na América é uma falta de autoconfiança. Nós não queremos que a América perca a autoconfiança. Quem é que assumiria a liderança moral da América? A liderança americana não se devia ao país possuir mais armas. Se devia às ideias, imaginação e meritocracia”. Se os Estados Unidos derem as costas aos seus valores centrais, ele acrescentou, “não haverá ninguém para assumir essa liderança. Nós queremos a China como líder moral do mundo? Não. Nós queremos desesperadamente que a América seja bem-sucedida”.
Não se trata apenas do triunfo dos valores americanos. Com a ascensão da China de um lado e um Paquistão ruindo do outro, a amizade recente da Índia com os Estados Unidos assumiu uma importância estratégica. “É muito preocupante viver em um mundo que não mais possui o equilíbrio de poder que tivemos por 60 anos”, disse Shekhar Gupta, editor do jornal “The Indian Express”. “Este é o motivo para todos estarem preocupados com a América.”
 Tanto a Índia quanto os Estados Unidos são democracias, me explicou um alto funcionário indiano, mas emocionalmente agora eles são dois navios passando à noite. Atualmente a empregada doméstica indiana mais pobre acredita que se conseguir economizar alguns poucos dólares para que seu filho tenha aulas de inglês, esse menino terá uma vida melhor do que a dela. Então ela se sente otimista. “Mas o sujeito no Kansas”, ele acrescentou, “que atualmente está desfrutando de uma vida melhor do que a da empregada, está preocupado que não poderá legá-la aos seus filhos. Então ele está pessimista”.
 Sim, quando os Estados Unidos caem no mau humor, todo mundo nota. Após pedir por uma explicação sobre as políticas do Tea Party (Festa do Chá, movimento republicano que faz referência à Festa do Chá de Boston, um protesto antitaxação no século 18), Gupta comentou: “Nós nos afastamos da política de reclamação e adotamos uma política de aspiração. Onde está o sonho americano? Onde está o otimismo?”


Thomas L. Friedman
Tradução: George El Khouri Andolfato

Colunista de assuntos internacionais do New York Times desde 1995, Friedman já ganhou três vezes o prêmio Pulitzer de jornalismo.

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