sábado, 13 de novembro de 2010

O pesadelo do ENEM

JORNAL DO COMMERCIO (PE)
13/11/2010

Realizada por 3,3 milhões de estudantes no País, dos quais 228 mil em Pernambuco, a prova do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) repete a desorganização do ano passado, quando precisou ser reaplicada depois de dois meses, devido ao vazamento das questões. Este ano, após minimizar os problemas em afobada declaração dada no exterior - ao dizer que a prova havia sido “um sucesso” – o presidente Lula já admite a marcação de novas datas pelo Ministério da Educação (MEC) para o conturbado exame. A reincidência evidencia o descuido do governo federal com um instrumento de avaliação que pode ser utilizado pelas universidades como critério de ingresso no ensino superior. Pela dimensão que tomou o Enem, as falhas que voltam a acontecer deveriam ter sido evitadas, pois colocam em xeque a credibilidade de uma boa ideia. 
É importante lembrar que as críticas feitas por professores, estudantes e familiares não atingem o mérito do sistema de avaliação do ensino médio. O que se põe em tela é a falta de comprometimento do poder público com a integridade do processo, pela segunda vez consecutiva. “Fiz minha parte estudando o ano todo, agora quero compromisso do MEC com o aluno”, reclamou, com toda razão, à reportagem do JC a estudante Agnes Fonseca. A desordem verificada na confecção dos cadernos de prova, na formulação de perguntas com informações erradas, na impressão trocada das folhas de respostas e no despreparo dos fiscais contratados para orientar os estudantes prejudicou milhares de jovens, que estão buscando na Justiça a reparação dos danos. O vazamento do tema da redação está sob investigação em Petrolina e em Juazeiro. A anulação do Enem foi solicitada pelo Ministério Público do Ceará, que também proibiu a divulgação dos gabaritos em todo o território nacional, e questionou o contrato feito sem licitação com a gráfica RR Donnely, que imprimiu as provas. Mais de R$ 180 milhões torrados pelo MEC para garantir a segurança das avaliações, depois da fraude do ano passado, parecem ter sido inúteis. O montante mal gasto revela a quantas anda o descalabro da nossa gestão pública, apesar do inchaço de pessoal dos últimos anos - ou exatamente por causa disso.
Para os adolescentes que se preparam para entrar no ensino superior e dar os primeiros passos rumo ao futuro sonhado, o Enem está se transformando num verdadeiro pesadelo. Além do dispêndio de energia e do desgaste emocional, a sobreposição de datas de concursos vestibulares com as eventuais novas datas do Enem bagunça o calendário de admissão das universidades, jogando ainda mais pressão psicológica sobre os já estressados vestibulandos. Sem falar que lança uma sombra extensa de desconfiança, nas instituições de ensino, sobre os benefícios de se adotar o sistema de avaliação do MEC. Muitas delas, até por apelo dos estudantes, devem preferir ignorar o Enem no ano que vem.
Para o advogado-geral da União, Luís Inácio Adams, os erros que afetaram parte dos inscritos não podem interferir no direito da maioria. O raciocínio estaria correto, se não esquecesse o fato de que não foram poucos os casos de participantes que se sentiram prejudicados. O princípio da isonomia – a igualdade de direitos para os disputantes – é levantado ainda por muitos pais que temem pela injustiça praticada contra seus filhos. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) tem recomendado que os que postulam por seus direitos procurem o Ministério Público, a fim de ingressarem em ações coletivas. A insegurança jurídica sobre a validade do exame, portanto, afeta a todos, causando um quadro de incerteza com imprevisíveis desdobramentos. 
E mais uma vez vai para o colo da administração pública federal, especificamente para o MEC e o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), ao qual caberia fiscalizar e supervisionar o exame, a responsabilidade pelo imenso prejuízo à educação brasileira. Se o vestibular dava suficientes dores de cabeça aos estudantes, a extensão do pesadelo do processo seletivo para o Enem desqualifica o exame e representa, ao invés de avanço, um triste retrocesso.
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