quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Oportunismo contamina licenciamento ambiental

Claudio J. D. Sales -Valor Econômico - 21/10/2010

O conceito de licenciamento ambiental tem sido crescentemente distorcido no Brasil. Concebido para avaliar e mitigar os inevitáveis impactos ambientais gerados por obras de infraestrutura, o licenciamento tem sido vítima de alguns grupos políticos e outros tantos oportunistas que têm transferido para essa atividade diversas demandas individuais ou responsabilidades do poder público. Esse fenômeno acontece com muita frequência no setor de energia elétrica.

Toda forma de geração de energia provoca impactos sobre o meio ambiente e sobre a sociedade. Diante dessa realidade, o planejamento energético procura refletir as melhores alternativas considerando a competitividade econômica e os impactos socioambientais de cada uma das potenciais fontes de energia. O processo de licenciamento ambiental, por sua vez, analisa a viabilidade socioambiental dos empreendimentos e incorpora programas para reduzir os impactos provocados pela atividade de geração de eletricidade.

Nesse contexto, todos os recursos que forem necessários para a proteção do meio ambiente e da sociedade devem ser avaliados e inseridos nas licenças ambientais. Isso significa, por exemplo, que empreendimentos cujas medidas de proteção socioambiental ultrapassarem o limite da competitividade econômica devem ser considerados inviáveis e interrompidos. Ao contrário do que muitos pensam - incluindo nesses "muitos" altíssimas autoridades - não há a obrigação de emissão da licença ambiental. Projetos ruins devem ser reprovados ou, no mínimo, postergados até que novo equilíbrio econômico-socioambiental seja alcançado.

Uma vez entendida a dinâmica do processo de licenciamento, vale a pena recorrer a números para contextualizar a relevância econômica da dimensão socioambiental em projetos de energia: segundo o Banco Mundial, os custos dos programas socioambientais em empreendimentos hidrelétricos no Brasil têm representado 12% do custo das usinas. Esses custos podem crescer proporcionalmente às necessidades e exigências de proteção ao ambiente e à sociedade. E, se essa for a realidade dos custos atrelados à compensação, compete à sociedade, representada pelas autoridades competentes, julgar, a cada empreendimento, se o custo socioambiental é razoável vis a vis os benefícios gerados pela produção de energia.

Mas o fato de esses custos serem crescentes não é o problema principal. O que realmente preocupa é a indústria que se instalou ao redor dos projetos de energia, grande parte dela apoiada na velha - e oportunista - ideia do "criar dificuldades para vender facilidades". Na prática, são pedidos e concessões que não têm nada a ver com os empreendimentos e seus impactos.

Três casos, para ficar nos mais recentes, exemplificam essa indústria: a usina nuclear Angra III (no Rio de Janeiro), as usinas hidrelétricas Jirau e Santo Antônio (em Rondônia) e a usina hidrelétrica Garibaldi (em Santa Catarina). Nos três, municípios e Estados exigiram "compensações" para "liberar" as autorizações que permitissem aos órgãos ambientais a emissão das licenças ambientais. No caso de Angra III, foram exigidos R$ 150 milhões; em Jirau e Santo Antônio, R$ 35 milhões e R$ 39 milhões; e, em Garibaldi, outros R$ 10 milhões. Nesse último caso, a exigência inclusive constou da licença prévia do empreendimento a título de "compensação social, como contrapartida para cada município atingido, o valor de R$ 1,8 milhão, atendendo assim às reivindicações destes nas audiências públicas".

"Compensações Sociais" não fazem parte do processo de licenciamento ambiental. O que se esperava da Fundação do Meio Ambiente de Santa Catarina (FATMA), órgão licenciador do Estado, era que ela equilibrasse as demandas da sociedade, do governo e da empresa, e não simplesmente cedesse a pressões políticas e incluísse na licença ambiental uma compensação não prevista na legislação e que é desnecessária porque todos os impactos socioambientais devem ser adequadamente tratados via programas ambientais que fazem parte do processo de licenciamento ambiental.

O setor elétrico já possui "compensações" suficientes. Além da Compensação Ambiental e da Compensação Financeira pelo Uso dos Recursos Hídricos (CFRUH), começam agora a inventar a "compensação social" que, se materializada dessa forma, em breve se transformará em outro "imposto disfarçado" que provocará o aumento nas tarifas de eletricidade para os consumidores, em benefício de grupos políticos. Vale a pena lembrar que, segundo estudo da PricewaterhouseCoopers, a carga de tributos e encargos sobre a conta de luz é de 45,1%.

É preciso acabar com esse oportunismo que começa a contaminar o licenciamento ambiental. Os programas socioambientais necessários - e seus respectivos custos - devem ser prévia e transparentemente incorporados ao processo de licenciamento, sem abrir espaço para "Compensações Sociais" que não têm nada a ver com o benefício da sociedade.

Claudio J. D. Sales é presidente do Instituto Acende Brasil

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