terça-feira, 7 de junho de 2011

Quem falou em escândalo?


ETHEVALDO SIQUEIRA
O Estado de S. Paulo


O Brasil não tem oposição parlamentar. Se tivesse, as coisas poderiam ser bem mais sérias diante do escândalo do superfaturamento comprovado em licitação da Telebrás. Confira comigo, leitor. Se você pensa que viu tudo até aqui em matéria de desfaçatez, comece a mudar de ponto de vista. Reflita sobre o significado deste fato: o Tribunal de Contas da União (TCU) reconheceu o superfaturamento de R$ 43 milhões (em lugar de R$ 121 milhões, efetivamente comprovados pela Secob-3, órgão interno do tribunal) no pregão 002/2010 da Telebrás.
Mesmo assim, o TCU não anulou a licitação. Determinou que os preços fossem reduzidos, renegociados. Foi algo como perdoar o ladrão, obrigando-o simplesmente a devolver a carteira que furtou.
O impossível aconteceu: o TCU comprovou com todas as letras o superfaturamento ocorrido em uma empresa estatal mas decidiu não pedir a punição de ninguém nem anular a licitação. Mesmo apurando superfaturamento de muitos milhões, o TCU não anulou a licitação viciada. Mandou a Telebrás rever os preços, renegociando com os fornecedores os valores inflados maliciosamente no pregão contestado.
E mais: mesmo depois de apurado o ilícito, o ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, vem a público para explicar as razões da demissão do presidente da Telebrás, Rogerio Santanna, dizendo que sua exoneração decorreu apenas de uma reformulação na estratégia do Plano Nacional de Banda Larga (PNBL).
Diante das conclusões de superfaturamento do relatório dos auditores do TCU, em lugar de anular a licitação, Santanna decidiu acusar os integrantes da Secob e os próprios ministros do TCU. É claro que, só por isso, Rogerio Santanna já deveria ter sido demitido.
Estamos vivendo a era do faz de conta no Brasil de hoje. Tanto para o TCU, como para o Ministério das Comunicações, ou, em síntese, para o governo federal, não há nenhum escândalo a punir na Telebrás. Ninguém diz uma única palavra sobre o superfaturamento comprovado. Um porta-voz de segundo escalão, cara de pau, me pergunta: “Escândalo? Deve ser coisa da mídia sensacionalista”.
Nossa esperança, agora, está nas mãos do Ministério Público, que se dispõe a recorrer da decisão, da mesma forma que a Seteh Engenharia, empresa que denunciou ao TCU o superfaturamento ocorrido na Telebrás.
Estamos falando de dinheiro público, leitor. Quantas escolas ou hospitais - ou outras obras essenciais - poderiam ser construídas com R$ 121 milhões? Que faz agora o governo federal? Demite o presidente da Telebrás, Rogerio Santanna, mas não dá uma palavra sobre o problema mais grave e usa desculpinhas tradicionais, frases genéricas, para nos convencer de estão feitas apenas algumas “reformulações no Plano Nacional de Banda Larga (PNBL)”, que teima em não decolar.
Duas crises? É claro que o episódio é ainda mais grave do que o enriquecimento rápido do ministro Antonio Palocci, porque, no caso da Telebrás, os fatos ilícitos denunciados foram apurados pelo TCU - um tribunal que não costuma se curvar a interesses políticos, em especial no caso de administrações de empresas estatais.
Aliás, a própria história da “nova” Telebrás tem sido uma sucessão de ilegalidades, de ousadia, de arbítrio e aparelhamento de uma estatal cuja história não merecia tanta vergonha. Reativada sem o menor respeito à legalidade, por meio de decreto, alterando suas funções básicas - que, no modelo estatal, como empresa holding das telecomunicações, nunca havia sido operadora. É claro que o governo, por suas diretrizes ideológicas, poderia tomar a iniciativa de sua recriação, mas deveria enviar projeto de lei específico ao Congresso Nacional.
Reativada em 2010, num ano eleitoral, à revelia do Ministério das Comunicações, pasta à qual está subordinada por lei, sob toda a pressão de Rogerio Santanna e seus amigos, que tinha interesse direto no cargo de presidente da estatal, a Telebrás acumula uma montanha de absurdos e ilegalidades. Em assembleia geral extraordinária, modificou seus estatutos para permitir, entre outras coisas, a criação de subsidiárias.
A pior imagem. Em apenas um ano de nova existência, a Telebrás consegue piorar ainda mais sua imagem, tão comprometida no período de extinção, assaltada por processos indecorosos de indenizações multimilionárias e manipulação de suas ações, nos meses que antecederam a reativação. Imaginem quanto ganharam os que especularam, sabendo que a empresa seria mesmo reativada, a ponto de conseguirem a valorização da ordem de 36.000% de suas ações.
Agora, na nova fase, a estatal começa suas licitações superfaturadas, conduzidas a toque de caixa, em prazos exíguos, sem a devida consulta aos fornecedores e clientes tradicionais e às fontes do próprio governo, para permitir que mais de R$ 120 milhões escoem pelo ralo.
Ainda não chegamos ao fundo do poço, meu caro leitor. Não se surpreenda com novos escândalos. Eles estão sendo preparados em fogo lento. Seria muito difícil pedir a um governo do PT que extinguisse uma estatal criada, antes de tudo, para dar emprego aos amigos. Por mais ingênuo que possa parecer, entretanto, é exatamente isso que voltamos a pedir ao ministro das Comunicações e à presidente da República.
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