domingo, 7 de agosto de 2011

O Brasil de ontem e a Grécia de hoje



MAÍLSON DA NÓBREGA
O Estado de S.Paulo



A crise da dívida soberana da Grécia tem inspirado comparações com a da América Latina dos anos 1980. Eu mesmo tenho feito isso em entrevistas e artigos. O ex-ministro Sergio Amaral, negociador numa das fases da nossa saga, fez uma análise precisa do caso brasileiro (Da crise financeira à fiscal e política, 27/7, A2). Há também quem tente escrever (ou reescrever) a História descuidadamente, incorrendo em erros e conclusões despidas de sentido.


Vivi de perto o nascimento da crise da dívida externa da América Latina e muitos de seus momentos mais difíceis, particularmente os do Brasil. Acompanhei de longe o nosso último episódio, o da adesão ao Plano Brady, quando o ministro da Fazenda era Fernando Henrique Cardoso (1994).


Integrei a delegação brasileira à reunião anual do Fundo Monetário Internacional (FMI) em Toronto, em setembro de 1982, quando se discutiu a criação de um programa nos moldes adotados nos dias atuais em favor da Grécia, de Portugal e da Irlanda. Os mercados estavam nervosos com o risco de contágio, para outros países, dos efeitos da moratória mexicana, declarada dias antes. A ideia fracassou e o pânico se instalou, dando início à crise. A parada súbita do crédito gerou uma crise de liquidez, que se julgava passageira. Não se pensava que desaguasse em crise de solvência.


As negociações iniciaram-se dias depois, começando pelo México. O FMI tornou-se o centro dos entendimentos, que envolviam também bancos e países credores. O Fundo criou uma robusta linha de assistência financeira. Para o Brasil os bancos reestruturaram as amortizações de 1983, concederam novos créditos e mantiveram linhas de comércio e depósitos nas agências de bancos brasileiros no exterior. O Clube de Paris renegociou os créditos dos países ricos.


Acontece que o crédito voluntário não se restabeleceu. A estagnação econômica da América Latina continuou. Era preciso promover o crescimento. Daí o programa idealizado pelo então secretário do Tesouro americano, James Baker (o Plano Baker), lançado na reunião anual do FMI em Seul, em setembro de 1985. Estive presente ao anúncio.


O Plano Baker não funcionou e se falou cada vez mais em debt overhang: o problema era o excesso da dívida. Em fevereiro de 1987 o Brasil declarou a moratória unilateral, com a qual nada ganhamos e muito perdemos. Os bancos aceleraram as suas provisões. O mercado secundário, no qual se negociavam créditos com desconto, ampliou-se, prenunciando a solução via rebate na dívida. Era preciso, todavia, ganhar tempo, inclusive para que as respectivas perdas não redundassem em crise bancária, que também nos afetaria.


O novo ministro da Fazenda, Luiz Carlos Bresser-Pereira, retomou corajosamente as negociações da dívida em abril e intuiu que a solução passava pelo rebate e pela securitização. Em setembro propôs a troca da dívida por novos títulos, com desconto de 50%, mas as condições não estavam dadas. O plano não tinha como prosperar. Eu era o seu secretário-geral.


Em 1988, como ministro da Fazenda, busquei normalizar as relações com a comunidade financeira internacional, para restabelecer a imagem e o crédito do País. Completamos nove meses de difíceis negociações com o FMI e os bancos, a cargo de uma valorosa equipe comandada por Sérgio Amaral e da qual participava Antonio de Pádua Seixas, o experiente diretor da Área Externa do Banco Central.


Em junho anunciamos o acordo de reestruturação de US$ 80 bilhões, o maior até então. Fizemos o que a maioria já havia concluído. O acordo foi o primeiro a incluir um desconto com os exit bonds. Os bancos podiam optar pela troca de seu crédito por um título com juros abaixo do mercado. Seguiu-se a negociação com o Clube de Paris. A moratória foi suspensa em reunião do Conselho de Segurança Nacional.


Com o acordo, passou-se a recomprar a dívida com desconto, o que beneficiou empresas como a Vale e a Petrobrás e tornou viáveis operações interessantes de comércio exterior. A imagem do País foi restabelecida.


Em setembro chefiei a delegação brasileira à reunião anual do FMI em Berlim, na qual defendi, em discurso, a criação de um plano para resolver de vez a crise, o qual deveria incluir o desconto. As condições convergiam para sua concretização.


Em março de 1989, o secretário do Tesouro americano Nicholas Brady lançou o Plano Brady, que previa o desconto e garantias para o pagamento do restante do principal e, por certo período, dos juros. O México foi o primeiro a beneficiar-se, seguido de outros países.


Nossas crises econômicas e políticas nos fizeram suspender os pagamentos da dívida, agora de forma negociada. Adiaram nossa adesão ao Plano Brady, que viria apenas em 1994, após negociações conduzidas por Pedro Malan e André Lara Resende. Do acordo constava um cardápio de opções, incluindo o desconto de pelo menos 35%. Esse cardápio não era parte da proposta Bresser-Pereira.


A caminhada da Grécia foi mais rápida, seja porque sua insolvência logo ficou clara, seja porque o país, parte da zona do euro, se beneficiou de apoio institucional, político e financeiro inexistente na crise da América Latina.


O longo caminho rumo à solução para a crise da nossa dívida externa, em seus diferentes estágios, dificilmente poderia ter sido distinto. O País não tinha como impor os seus termos. Com exceção do erro da moratória e de outros não tão danosos, buscou-se sempre obter o melhor.


Não é verdade, como se disse, que as equipes brasileiras que participaram do esforço de negociação tenham sujeitado o Brasil a condições humilhantes de monitoramento. Tampouco sucumbiram a lobbies de qualquer natureza. Nenhum país obteve condições melhores do que as nossas. Quanto ao FMI, os acordos com países europeus são, em sua essência, iguais aos que celebramos naqueles difíceis anos.

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