quarta-feira, 30 de novembro de 2011

A face do poder

 MARCO ANTONIO VILLA
O Globo


José Ribamar Ferreira de Araújo Costa é a mais perfeita tradução do oligarca brasileiro. Começou jovem na política, conduzido pelo pai. Aos 35 anos resolveu mudar de nome. Tinha acabado de ser eleito governador do seu estado. Foi rebatizado por desejo próprio. Alterou tudo: até o sobrenome. Virou, da noite para o dia, José Sarnei Costa. O Costa logo foi esquecido e o Sarnei, já nos anos 80, ganhou um "y" no lugar do "i". Dava um ar de certa nobreza.

Na história republicana, não há personagem que se aproxime do seu perfil. Muitos tiveram poder. Pinheiro Machado, na I República, durante uma década, foi considerado o fazedor de presidentes. Contudo, tinha restrita influência na política do seu estado, o Rio Grande do Sul. E não teve na administração federal ministros da sua cota pessoal. Durante o populismo, as grandes lideranças lutavam para deter o Poder Executivo. Os mais conhecidos (Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek, Leonel Brizola, entre outros), mesmo quando eleitos para o Congresso Nacional, pouco se interessavam pela rotina legislativa. Assim como não exigiram ministérios, nem a nomeação de parentes e apaniguados.

Mas com José Ribamar Costa, hoje conhecido como José Sarney, tudo foi - e é - muito diferente. Usou o poder central para apresar o "seu" Maranhão. E o fez desde os anos 1960. Apoiou o golpe de 1964, mesmo tendo apoiado até a última hora o presidente deposto. Em 1965, foi eleito governador e, em 1970, escolhido senador. Durante o regime militar priorizou seus interesses paroquiais. Nunca se manifestou contra as graves violações aos direitos humanos, assim como sobre a implacável censura. Foi um senador "do sim". Obediente, servil. Presidiu o PDS e lutou contra as diretas já. No dia seguinte à derrota da Emenda Dante de Oliveira - basta consultar os jornais da época - enviou um telegrama de felicitações ao deputado Paulo Maluf - que articulava sua candidatura à sucessão do general Figueiredo - saudando o fracasso do restabelecimento das eleições diretas para presidente. Meses depois, foi imposto pela Frente Liberal como o candidato a vice-presidente na chapa da Aliança Democrática. Tancredo Neves recebeu com desagrado a indicação. Lembrava que, em 1983, em fevereiro, quando se despediu do Senado para assumir o governo de Minas Gerais, no pronunciamento que fez naquela Casa, o único senador que o criticou foi justamente Ribamar Costa. Mas teve de engolir a imposição, pois sem os votos dos dissidentes não teria condições de vencer no Colégio Eleitoral.

Em abril de 1985, o destino pregou mais uma das suas peças: Tancredo morreu. A Presidência caiu no colo de Ribamar Costa. Foram cinco longos anos. Conduziu pessimamente a transição. Teve medo de enfrentar as mazelas do regime militar - também pudera: era parte daquele passado. Rompeu o acordo de permanecer 4 anos na Presidência. Coagiu - com a entrega de centenas de concessões de emissoras de rádio e televisão - os constituintes para obter mais um ano de mandato. Implantou três planos de estabilização: todos fracassados. Desorganizou a economia do país. Entregou o governo com uma inflação mensal (é mensal mesmo, leitor), em março de 1990, de 84%. Em 1989, a inflação anual foi de 1.782%. Isso mesmo: 1.782%!

A impopularidade do presidente tinha alcançado tal patamar que nenhum dos candidatos na eleição de 1989 - e foram 22 - quis ter o seu apoio. O esporte nacional era atacar Ribamar Costa. Temendo eventuais processos, buscou a imunidade parlamentar. Candidatou-se ao Senado. Mas tinha um problema: pelo Maranhão dificilmente seria eleito. Acabou escolhendo um estado recém-criado: o Amapá. Lá, eram 3 vagas em jogo - no Maranhão, era somente uma. Não tinha qualquer ligação com o novo estado. Era puro oportunismo. Rasgou a lei que determina que o representante estadual no Senado tenha residência no estado. Todo mundo sabe que ele mora em São Luís e não em Macapá. E dá para contar nos dedos de uma das mãos suas visitas ao estado que "representa". O endereço do registro da candidatura é fictício? É um caso de falsidade ideológica? Por que será que o TRE do Amapá não abre uma sindicância (um processo ou algo que o valha) sobre o "domicílio eleitoral" do senador?

Espertamente, desde 2002, estabeleceu estreita aliança com Lula. Nunca teve tanto poder. Passou a mandar mais do que na época que foi presidente. Chegou até a anular a eleição do seu adversário (Jackson Lago) para o governo do Maranhão. Indicou ministros, pressionou funcionários, fez o que quis. Recentemente, elegeu-se duas vezes para a presidência do Senado. Suas gestões foram marcadas por acusações de corrupção, filhotismo e empreguismo desenfreado. Ficaram famosos os atos secretos, repletos de imoralidade administrativa.

O mais fantástico é que em meio século de vida pública não é possível identificar uma realização, uma importante ação, nada, absolutamente nada. O seu grande "feito" foi ter transformado o Maranhão no estado mais pobre do país. Os indicadores sociais são péssimos. Os municípios lideram a lista dos piores IDHs do Brasil. Esta é a verdadeira face do poder de Ribamar Costa. Como em uma ópera-bufa, agora resolveu maquiar a sua imagem. Patrocinou, com dinheiro público, uma pesquisa para saber como anda seu prestígio político. Não, senador. Faça outra pesquisa, muito mais barata. Caminhe sozinho, sem os seus truculentos guarda-costas, por uma rua central do Rio de Janeiro, São Paulo ou Brasília. E verá como anda sua popularidade. Tem coragem?
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Discurso e prática nos gastos com Saúde

EDITORIAL O GLOBO
O Globo 


Com a inclusão, na Constituição de 1988, do direito de todo brasileiro ser atendido pelo sistema público de saúde, a sociedade, representada pelos constituintes, demonstrou grande senso de justiça social, mas criou para si um enorme problema, o de como financiar um gasto gigantesco protegido pela Carta.

Como não faz sentido debater o direito já adquirido, inamovível, discute-se o financiamento do Sistema Único de Saúde (SUS), uma gigantesca máquina com capilaridade em estados e municípios, sorvedora de bilhões.

Não seria diferente, pois os custos do setor de saúde costumam crescer acima da inflação, muito devido aos pesados investimentos em tecnologia, em novos remédios e equipamentos. E numa sociedade com grandes desequilíbrios sociais, a pressão dos gastos seria grande de qualquer forma. Assim tem sido desde sempre, com parlamentares ligados à atividade e lideranças setoriais com a reivindicação eterna de mais verbas.

A discussão sobre as finanças do SUS reacende com a proximidade da votação da regulamentação da Emenda 29, aprovada em 2000 para fixar de forma mais clara a vinculação de recursos federais, estaduais e municipais à Saúde.

Os gastos federais realizados na última década, divulgados ontem pelo GLOBO, ilustram este cabo de guerra entres os defensores de mais dinheiro para o SUS e aqueles que consideram sensato melhorar a deficiente gestão do sistema, para depois se saber se recursos adicionais são de fato necessários.

As estatísticas, expressas em percentual do PIB, mostram como o discurso político pode ser enganoso: com exceção de 2001, 2004 e 2009, houve queda relativa dos gastos, de um ano para outro. Em 2010, o 1,66% de PIB destinado à Saúde chegou a ser inferior ao 1,76% de 2000. Todo o discurso, no caso do governo Lula, a favor da CPMF, de temor com o "subfinanciamento" do SUS, não se materializou em ações. Tanto que o 1,66% do PIB gasto com o SUS no último dos seus oito anos de gestão é o mesmo índice de 2003, o primeiro do governo. No período, a arrecadação subiu bastante em termos reais, mas a Saúde não foi tratada com a prioridade com que costuma ser destacada nos discursos.

Caso exemplar aconteceu com o fim da CPMF, em 2007, quando o governo temeu por um "caos" em emergências e ambulatórios públicos, pois R$40 bilhões foram suprimidos, com a decisão do Senado, do Orçamento de 2008. Mas a arrecadação repôs os recursos em seis meses - sem impedir a campanha pela volta do "imposto do cheque", hoje apenas adormecida.

Os números da reportagem comprovam que a grande prioridade do governo é o assistencialismo de uma maneira geral, dono de grossas fatias do PIB, acima de 10%, se incluirmos a Previdência. Um debate a se travar é sobre este desencontro entre palavras de governantes e a vida real. A sensatez aconselha a se aperfeiçoar a gestão no SUS, algo que, afinal, começa a ser feito, por meio de consultorias e com a recente criação da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares, para gerir hospitais públicos federais e universitários, ao largo do regime estatutário esclerosante.

Antes de se pensar em criar impostos para o SUS, é preciso tornar a Saúde de fato prioritária para o governo. As estatísticas comprovam que até agora, no lulopetismo, não o foi.
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Carajás e Tapajós

Carajás e Tapajós
Isto É

Dividido em três, o Pará será mais rico e mais cobrado pela população

Nas mãos dos eleitores do Pará, no domingo 11, o Brasil tem uma chance histórica para dar dois passos à frente. Cerca de 4,6 milhões de paraenses irão às urnas para votar no plebiscito que pode dividir sua atual área territorial em três, criando dentro dela os Estados de Carajás e Tapajós. À primeira vista, de pronto se enxerga mais políticos (dois governadores, seis senadores, dezenas de deputados federais e estaduais) e novas estruturas de poder (sedes governamentais, assembleias legislativas, etc.). Uma antevisão, infelizmente, forte o suficiente para embotar a razão, mas que precisa ser ultrapassada. Esses dois novos Estados, se aprovados, terão extrema importância para a economia não só do Pará, mas de todo o Brasil.

Tome-se, em benefício da análise, as mais recentes criações de Estados no Brasil. É consensual, hoje, que o corte do antigo Mato Grosso em Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, efetuado em 1977, foi um acerto de duração permanente, mesmo tendo ocorrido em plena ditadura militar. A divisão daquela imensa área levou para municípios e populações antes desassistidas novos serviços públicos. Estes, por sua vez, aceleraram o desenvolvimento econômico e social regional, consolidando atualmente Mato Grosso do Sul como um dos maiores produtores de alimentos do País. Não houve, como contrapartida, qualquer esvaziamento da riqueza inerente a Mato Grosso. Mais ­recentemente, em 1988, nasceu, de um vértice de Goiás, o Estado do Tocantins. Imediatamente após sua criação, a nova capital, Palmas, tornou-se um grande polo de atração de indústrias e serviços.

Onde hoje há apenas o gigantesco Pará, com seu 1,24 milhão de km² (equivalente a quatro Itálias!) de conflitos sociais e péssimos indicadores de ­desenvolvimento humano, amanhã o quadro tem tudo para ser outro – caso os eleitores locais superem a desinformação inicial e abram passagem para o crescimento. Vítima do desmatamento, por meio do qual o banditismo impera e se produz um noticiário repleto de crimes políticos e chacinas, sabe-se, há muito, que a atual estrutura de governo do Pará é insuficiente para elucidar todas as suas complexas equações. Os fracassos administrativos se acumulam, governo após governo, à esquerda ou à direita. A verdade é que há, naqueles limites, um Estado cujo tamanho equivale ao de vários países europeus, mas apenas um único e singular governo.

Ao mesmo tempo, Carajás e Tapajós nasceriam sobre terras férteis para a agricultura, ricas para a mineração e amplas o suficiente para que nelas conviva o gado. Administrações mais próximas da população local seriam mais cobradas, melhor fiscalizadas e teriam, dessa forma, renovadas condições para preencher o atual vácuo administrativo. 

O Brasil, cujo tamanho territorial é comparável ao dos Estados Unidos (8,5 milhões de km² contra 9,6 milhões de km²), chegou a um PIB de US$ 2,19 trilhões em 2010. O irmão do Norte, mesmo combalido, atingiu US$ 14,7 trilhões – mais de seis vezes maior. Aqui, são 27 Estados. Lá, 50. A relação entre produção de riquezas, território e organização administrativa, goste-se ou não, é direta.
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terça-feira, 29 de novembro de 2011

Sindicatos de fachada

ALMIR PAZZIANOTTO PINTO
O Estado de S. Paulo


Cerca de 41 milhões de brasileiros arcam, uma vez por ano, com um dia de salário destinado à manutenção de uma estrutura burocrática, viciada, enraizada e numerosa, dirigida por acomodados pelegos, que se beneficiam da arrecadação de mais de R$ 2 bilhões. Falo da Contribuição Sindical obrigatória, regulada pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), designação dada pelo regime militar ao velho Imposto Sindical criado por Getúlio Vargas em 8 de julho de 1940, mediante o Decreto-Lei n.º 2.377.

A instituição do Imposto Sindical teve dois significados: de um lado, justificou a intervenção da ditadura varguista em associações profissionais que até 1930 gozavam de liberdade e, a partir de 1931, passaram a viver sob controle do Estado; de outro, passou recibo da incapacidade de as entidades sindicais darem conta das responsabilidades de representação, com recursos próprios, arrecadados entre os associados.

Sob o primeiro governo Vargas (1930-1945), era compreensível que ambas as coisas ocorressem. Foi Getúlio Vargas quem modelou, de cima para baixo, as regras que tornaram possível fundar sindicatos, federações e confederações. Para tanto lhes assegurou arrecadações obrigatórias que lhes permitiram sobreviver.

O controle do Estado sobre a estrutura sindical sobreviveu à queda de Vargas, em 1945. Não convinha aos governos que se seguiram conceder-lhes autonomia nos moldes da Convenção 87 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), pelo receio de presenciarem a expansão da doutrina comunista. É necessário reconhecer que a pelegada concordava em viver à sombra do Ministério do Trabalho, mesmo se ocasionalmente alguém era punido por eventuais excessos.

Durante o regime militar a situação manteve-se inalterada. Sindicalistas combativos e independentes haviam sido cassados, presos ou caíram na clandestinidade em 1964. Dentro do vazio que se criou o peleguismo ganhou força, raros sendo os dirigentes com postura independente, como se viu em São Bernardo do Campo na década de 1970.

A Constituição de 1988 modificou a CLT. Em nome da liberdade de associação, o artigo 8.º vedou a interferência e a intervenção do poder público em entidades sindicais. Receptiva, entretanto, à pressão das confederações, das federações e dos sindicatos profissionais e patronais, manteve a estrutura verticalizada, o monopólio de representação por categoria econômica ou profissional, instituiu a Contribuição Confederativa e garantiu a cobrança generalizada do imposto anual, sob a roupagem de Contribuição Sindical. A Constituição extinguiu, é verdade, a Carta de Reconhecimento deferida discricionariamente pelo ministro do Trabalho. Criou, entretanto, o registro no Ministério do Trabalho e Emprego, exigência burocrática responsável pelo aparecimento do profissional especializado em fundar sindicatos, federações e confederações artificiais.

Coube ao deputado Ricardo Berzoini, ministro do Trabalho no primeiro governo Lula, dar destaque, em projeto de emenda constitucional, ao fenômeno da pulverização. Em 2005 alertou o então ministro sobre "a proliferação de sindicatos cada vez menores e menos representativos - por ele denominados "sindicatos de carimbo" - , o que só reitera a necessidade de superação do atual sistema, há anos criticado por sua baixa representatividade e reduzida sujeição a controle social".

A ausência de regulamentação do artigo 8.º da Constituição, mediante lei ordinária, provocou a edição de cinco instruções e duas portarias ministeriais sobre registro - a primeira, baixada pela ex-ministra Dorothea Werneck e a última, editada pelo ministro Carlos Luppi. Todas revestidas de caráter autoritário, porque invadiram espaço destinado à lei, a teor do artigo 5.º, II, da Lei Maior. Ademais desse aspecto relevante, a maleabilidade de instruções e portarias, sobretudo da última, possibilita a formação dos ditos "sindicatos de carimbo", controlados pelo neopeleguismo lulista, que visa à estabilidade sem trabalho, e com excelentes rendimentos.

A liberdade de associação profissional ou sindical é idêntica à liberdade de organização de partidos políticos, prescrita no artigo 17 da Constituição da República. Não estamos, contudo, diante de liberdades ilimitadas e absolutas. A Lei n.º 9.096, de 1995, dispõe sobre partidos políticos, regulamenta os artigos 17 e 14, § 3.º, inciso V, da Constituição federal, e ninguém se atreve a acusá-la de ditatorial.

A inexistência de lei regulamentadora do direito de associação sindical, cujo espaço passou a ser preenchido por meras portarias ministeriais, faz com que recaia sobre o Ministério do Trabalho e Emprego, conforme o Estado, na edição de 14/11, a pecha de "mercado de lobby comandado por ex-funcionários".

A experiência atesta que, no tratamento dispensado à estrutura sindical, a Constituição de 1988 consegue ser a pior. Pior até do que a Carta Constitucional de 1937, cujo artigo 138 não ocultou suas raízes corporativo-fascistas. Já o artigo 8.º da vigente Carta Magna, como o fizeram as anteriores, a partir de 1946, declara que são livres as associações profissionais ou sindicais, mas, a começar do inciso I, revela o autêntico caráter, pois conserva a estrutura verticalizada, reafirma o monopólio de representação por categoria profissional ou econômica, impõe o registro e prestigia a contribuição obrigatória. Em resumo, embora nascida de aspirações democráticas do povo, fortalece o nefasto peleguismo, presente entre nós desde 1939.

Causa perplexidade o fato de, mesmo diante de tantos escândalos, o Congresso Nacional conservar-se omisso, tal como em 1946, e permitir a perpetuação do modelo corporativo-fascista, adotado desde a Carta de 1937.
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Longevidade é bomba-relógio para o sistema

Denise Bueno
Valor Econômico


Até pouco tempo atrás, quando o assunto era previdência, ou seja, ter uma reserva para garantir uma aposentadoria mais digna, a primeira reação de todos - governo, empresas e indivíduos - era torcer o nariz, num sinal claro de problemas a vista. Hoje, o tema está longe de ter uma solução no curto ou médio prazo. Segundo especialistas, a situação parece não ser tão dramática porque o Brasil está crescendo. "Há mais gente com carteira assinada, contribuindo para o INSS, o que tem ajudado a reduzir o déficit", diz Mauro Machado, diretor de previdência da consultoria Mercer.

O governo tem comemorado os resultados. Até agosto deste ano, o déficit real da Previdência Social foi de R$ 3,9 bilhões. Cerca de 32,5% menor do que o rombo de R$ 5,8 bilhões registrado em agosto de 2010. No ano, o déficit está em R$ 25,8 bilhões, 21% menor do que em mesmo período do ano anterior. A arrecadação até totalizou R$ 20,4 bilhões, alta de 9,9%, para pagamentos estáveis em R$ 24,3 bilhões.

O perigo está na desaceleração do emprego, num país que envelhece a cada dia e contabiliza menos nascimentos. "Isso significa mais gente para receber benefícios no futuro e menos gente para contribuir com a previdência. Uma conta que não vai fechar", alerta o consultor.

A expectativa é de que o Brasil terá 64 milhões de idosos em 2050, quase 30% do total da população do país, considerando-se dados do relatório "Envelhecendo em um Brasil mais Velho", divulgado pelo Banco Mundial e um total de contribuintes da Previdência insuficientes para cobrir as despesas. Uma bomba-relógio, caso nada seja feito no presente para mudar essa conta no futuro. Para o economista Fábio Giambiagi a questão da Previdência é urgente. "O problema político da Previdência é similar ao do meio ambiente: como as questões nunca são "urgentes", sempre se tenta empurrar o problema para o governo seguinte, com consequências devastadoras a longo prazo".

O governo pôde colher os louros da sua política de valorização do salário mínimo e do piso previdenciário, sem que isso sacrificasse as contas da Previdência Social, afirma o economista. No entanto, tal situação pode mudar muito no futuro próximo. Caso o crescimento médio do PIB fique abaixo da média de 4,5%, a receita da previdência pode vir a cair e aumentos reais do salário mínimo passarão a afetar mais fortemente as contas públicas. "É preciso começar a pensar nestas questões, com vistas à definição da regra de reajuste do salário mínimo quando esta vier a ser revista, daqui a três anos", diz.

Enquanto o pais cresce, o governo Dilma Rousseff tenta minimizar os efeitos da bomba-relógio. Negocia os termos do Projeto de Lei que cria o fundo de previdência complementar dos servidores públicos da União.

Num mundo ideal, diz Machado, a reforma criaria um sistema de contribuição definida, onde as pessoas poupassem recursos em uma conta individual, gerenciada por uma instituição financeira. Até um patamar, de três salários mínimos, o governo se encarregaria do benefício. Acima disso, a contribuição para um plano individual seria obrigatória com um percentual mínimo.

Um modelo próximo ao adotado pelo Chile. Machado lembra, porém, há poucos gestores de ativos no mercado chileno, o que inibe a competição e encarece o custo dos produtos de previdência e reduz a rentabilidade. "No Brasil não temos esse problema, pois o mercado tem muitos players e isso gera uma acirrada competição", afirma.
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Qual é a matriz?


Arnaldo BlochO Globo



Comoção diante do "desastre da hora" costuma passar ao largo da discussão central sobre modelos energético, de consumo e de vida em sociedade

Quando um desastre da proporção do derrame da Chevron na Bacia de Campos acontece, é natural e legítimo que toda a indignação seja canalizada para a autora do crime: a empresa. Não tão justo que a ANP, o governo, os estados, o Ibama e a legislação sejam tão pouco cobrados por seu considerável quinhão de responsabilidade na tragédia. Por outro lado, essa indignação acaba consumindo tanta energia (humana) e "purificando" de tal maneira os pecados da coletividade, que a questão fundamental costuma ficar fora do horizonte de eventos e de interesse: não seria a matriz energética, atrelada ao petróleo, que deveria estar sendo discutida, com vigor e urgência tão decisivos quanto a aplicação sumária de uma multa maior ou menor?

Onze anos atrás, era a Petrobras que emporcalhava as águas brasileiras, numa série inigualável de acidentes, em especial o de janeiro de 2000, quando 1,3 milhão de litros de óleo vazaram. No mesmo ano, foram mais de dez desastres, e tantos outros nos anos seguintes. E a estatal está aí, como grande heroína, rainha do pré-sal. Mundo afora, outros derrames, como o do navio grego Prestige na costa espanhola, destróem a malha litorânea independentemente dos valores das multas que, em alguns casos, chegam a dezenas de bilhões, pois o modelo de exploração, em si, é de altíssimo risco.

O petróleo é nosso, vosso e dos outros. Mas também é sujo, velho e não-renovável. Mesmo assim, na segunda década do novo milênio, continua a ser o denominador comum do planeta: Ocidente, Oriente, Norte, Sul, democracias e ditaduras laicas ou fundamentalistas, nações à direita e à esquerda, todos o endossam. Sua exploração até o esgotamento em futuro distante afigura-se como fato consumado e o transporte automotivo persiste como eixo motriz nas cidades.

O que torna a equação mais complexa é que as demais fontes de energia começam a se mostrar, através de parâmetros mais ou menos objetivos, igualmente danosas, quando não mais. A matriz atômica, que representava até há pouco uma alternativa "limpa" para grande parte dos agentes, instalou, depois do terremoto no Japão, uma sombra tão horrenda (ou mais) quanto foi a da Guerra Fria: a hecatombe nascida de usinas com fins pacíficos é mais factível, hoje, do que um conflito nuclear, e os países que a adotam, como França e Alemanha, começam a refletir sobre suas estratégias.

As hidrelétricas, setor no qual o Brasil investe pesadamente, além de jamais terem sido inócuas, produzem desmatamento e comoção social crescentes entre os povos da floresta, em especial nos últimos meses. Não por acaso, Belo Monte empacou. Os biocombustíveis, tão saudados como vanguarda libertadora, também produzem desflorestamento crítico, são poluentes e sua produção extensiva é ruim para o solo, sendo que a mecanização gera grave impacto nas relações de trabalho. Uma matriz "de ponta" (embora tão antiga quanto a civilização...) como a eólica gera poluição sonora e visual e ameaça as aves, sem falar na sua intermitência, atada que está às vicissitudes do vento. A solar, tão idealizada, está longe de atender à demanda da contemporaneidade concebida como está.

A este dilema, a razão, num átimo, encontra uma resposta tão óbvia quanto radicalmente dramática: não há uma matriz "ótima" no horizonte e, talvez, nunca venha a existir algo assim. No máximo, projeções de um equilíbrio entre as fontes que reduza o consumo, desde que não limite o estilo de vida calcado na liberdade de consumir energia ao sabor desenfreado da oferta e do desejo.

Ou será miopia pensar que o problema está na matriz energética? Não estaria, sim, no paradigma de consumo (e de produção artificial da necessidade do mesmo)? Ou na própria dinâmica social, incluindo aí a noção de metrópole? Claro que não se está aventando aqui uma volta ao mundo pré-feudal ou a uma planificação baseada nos modos de vida rurais primitivos, ideais de um seleto ativismo ultra-utopista. Não é, contudo, tão fantasista assim imaginar um mundo em que o espaço físico e os recursos não sejam explorados à exaustão na batuta de noções de progresso sem lastro, e sim compartilhados em unidades menores e mais bem distribuídas, opostas à tara do adensamento permeado por colossos?

Faz menos de um século, quando ainda se imaginava o futuro como algo à frente, e não como "aquele que já chegou e passou", as cidades eram concebidas com grandes construções ligadas por dirigíveis, bondes e trens. Quase tudo era transporte público. Hoje, com a saturação da malha urbana , volta-se a encenar, timidamente, uma saudade desse futuro que nunca veio.

Parece, contudo, inevitável que a promissora relação entre ecologia e economia migre do discurso e da academia para a prática firme, e influencie a esfera política e os agentes produtivos para além da retórica e do marketing. O equilíbrio dessa tríade (economia-política-ecologia), calcula-se, é capaz de gerar mais valor do que seu desequilíbrio.

O problema está nos passos para sua implementação, cujos resultados não são imediatos e esbarram na discórdia que divide os povos em nome dos famosos interesses nacionais. Ou na dificuldade humana de, diante da inevitabilidade da morte, pensar no porvir, preferindo priorizar a maximização do gozo individual em função do tempo que resta.

Mas, se a evolução é um movimento real, e se um processo dialético "positivo" efetivamente se dá através da História; se as mulheres de hoje, mais livres, salvo caprichos de ordem estética, detestariam viver na sociedade medieval; se o racismo, embora longe de ser erradicado é, ao menos, legalmente coibido num nível cada vez mais planetário; se a homofobia é um tema de estado; então, haveria razões para acreditar que, a médio ou longo prazo, as nações encontrarão uma plataforma comum no sentido de um modelo cultural que não esgote os recursos, invertendo o conceito de qualidade de vida, hoje mais ligado à posse e ao acúmulo que ao bem estar socioambiental.

Quanto a este particular, o próprio capitalismo (se for mesmo o modelo definitivo) irá abraçar a causa preservacionista, cedendo, progressivamente, ao bom senso do ambientalismo. Outros pensam que, diante do ceticismo reinante, isso só acontecerá à beira de um colapso, ou na iminência da hecatombe, quando a vida das pessoas que ainda estão neste mundo e as de seus filhos (uma vez que netos e bisnetos não costumam influenciar os jogos "decisionais" e a vontade política) estiverem ameaçadas num curto prazo.

O problema é que um "mundo novo" em prol da salvação emergencial (se estabelecido a tempo) poderia pôr em risco a própria democracia e os nossos queridos Direitos Humanos, limitados que estaríamos em nossas prerrogativas de ir e vir, de comer e beber, de consumir luz, de habitar grandes espaços, de ir ao campo, tudo racionado por um poder central global de caráter autoritário.

Em cenários menos apocalípticos, há quem aposte que a economia direcionada para a tecnociência privilegie o "instrumental cognitivo" sobre o material . O chamado "motor informacional" (como diz o historiador da ciência Michel Serres) estaria, também, mudando a noção de espaço desde o momento em que o mundo começou a se interconectar. A cybersociedade reduziria, assim, o deslocamento e as necessidades humanas mais expansivas, num sentido contraexponencial: a energia do indivíduo se converteria (ou já está se convertendo) no combustível, na pilha essencial, da grande rede, com paradoxais benefícios para a ecologia, ainda que signifique o próprio aniquilamento da sociedade dita "real".
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Caro amigo paraense

Outro ponto de vista para o conhecimento geral da sociedade. 
Há manipulações e interesses de todos os lados.



ROBERTO POMPEU DE TOLEDO
REVISTA VEJA


No dia 11 de dezembro, você votará sim ou não à partição do Pará em três unidades. A proposta é que toda a metade oeste do atual estado se transforme no estado do Tapajós e a parte sudeste no de Carajás, continuando com o nome de Pará a região onde fica Belém e um pouco mais. Essa história de criação de novos estados, como você bem sabe, é controvertida. Chovem argumentos por todo lado, todos altamente especulativos e por isso altamente discutíveis. O que escapa à controvérsia é que se trata de ótimo negócio para os políticos, dada a orgia de novas instituições a criar, de novos cargos a preencher e de dinheiro a gastar. Tudo isso você sabe. O objetivo destas mal traçadas é falar de um personagem que depois de muitas peripécias, Brasil afora, agora apartou por aí, metido na campanha do plebiscito. O nome dele é Duda Mendonça. Gentilmente ele ofereceu seus serviços à causa separatista, ele que, se não vive no estado, pelo menos tem bois que vivem, na fazenda de sua propriedade no território candidato a virar Carajás. Oferta aceita, e ei-lo no comando da campanha do sim.

Todo mundo o conhece. Sabe de seus triunfos eleitorais, como mago do marketing, bem como do lado menos aprazível de réu no processo do mensalão. Já o que ele andou aprontando em eleições de São Paulo o amigo paraense não deve saber. Permita um breve relato. Na eleição de 1996 para a prefeitura de São Paulo, Duda Mendonça fez o marketing do candidato Celso Pitta. Quatro anos antes ele fizera o do mentor de Pitta, Paulo Maluf. Pitta era um político desconhecido. O marqueteiro julgou que a campanha necessitava de alguma pirotecnia. Saiu-se então com um trem voador, um mágico bólido que, suspenso em vias elevadas, catapultaria a cidade para um serviço de transporte até então só acessível à família Jetson. Nas animações para a propaganda na TV, ficou uma beleza. Para transformá-lo em realidade o custo seria assombroso, a logística complicada, a utilidade discutível, mas e daí? Importava ganhar a eleição. Celso Pitta ganhou.

E agora? Se ganhou embalado pelo trem, impunha-se fazê-lo. O novo prefeito começou a plantar vigorosos pilotis, altos, de 15 metros, ao longo do rio mais central da cidade, o Tamanduateí. Sobre eles seria construída a via ao longo da qual correria a engenhoca. Algumas centenas de milhões de reais foram investidos na obra, e ficou-se nisso. Pitta não passou dos pilotis iniciais. Lá ficaram eles, abobalhados e inúteis – um pressuposto de obra de engenharia tornado ruína no nascedouro. A sucessora de Pitta, Marta Suplicy, pensou no que fazer daquilo, pensou, pensou, e nada fez. O sucessor de Marta, José Serra, chegou a cogitar em destruir os pilotis. Depois pensou melhor, e resolveu aproveitar pelo menos os já existentes. A obra foi inaugurada, já na administração Gilberto Kassab, não mais como via de trens, mas como simples corredor suspenso de ônibus.

O amigo paraense não precisa conhecer todos os detalhes do sinistro episódio. A intenção é alertá-lo sobre o alcance que pode atingir uma marquetagem irresponsável – e a palavra “irresponsável” vai aqui no sentido puro de qualificar um agente que não responde por seus atos. O marqueteiro não foi eleito. Não tem função pública. Portanto, não lhe cabe responder por um ato da administração pública. E no entanto teve origem no capricho de um marqueteiro toda a sucessão de decisões e indecisões que resultou num corredor de ônibus suspenso: ao qual só se tem acesso subindo penosas escadas, desarticulado do geral do sistema de transportes urbanos, desestruturador da paisagem e na contramão do melhor urbanismo – que desaconselha as vias aéreas pelas cicatrizes que impingem às cidades e pela deterioração que produzem no entorno.

Duda Mendonça já foi de Paulo Maluf a Lula. Se um marqueteiro deve manter a coerência política, é algo que escapa a este missivista. É curioso, em todo caso, lembrar que nos anos 1980 ele esteve à frente da campanha que se opunha a um projeto de divisão do estado da Bahia. Um texto por ele composto, e que era lido por Maria Bethânia na TV, afirmava que dividir a Bahia era como separar o Jorge do Amado, o Dorival do Caymmi, o Rui do Barbosa, o Gilberto do Gil. Já separar a Fafá do Belém, o Paulo Henrique do Ganso, o Billy do Blanco e o Jayme do Ovalle, isso pode. Em São Paulo, ao arriscar-se no urbanismo, Duda Mendonça deixou sua marca indelével no ônibus pendurado à beira do rio. Agora se aventura na engenharia política e calca a mão pesada no mapa do Brasil. Leve isso em conta, amigo paraense.
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A divisão do Pará e a Federação -

O texto é muito esclarecedor acerca de um fundamental tema para nossa vida federativa.
Ele explicita a presença do Federal no Estadual e sugere uma divisão de recursos e de riqueza desequilibrada.

Acho muito menos importante a nova quantidade de deputados e senadores do que a solução do problema em si, uma vez que os novos estados terão autonomia para gerenciar seu desenvolvimento.
Também o autor ressalta o grave "alheiamento" da sociedade -que se diz madura e esclarecida- em torno do tema.

Ressalto que sou a favor da divisão, não seria se houvesse uma reforma tributária federal séria, assunto que nenhum presidente quis tratar, a exceção da FHC que teve o apoio detonado pela oposição em seu governo -fato e não defesa ideológica- e agora a presidente tem a incumbência de gerenciar o que sempre os "defensores dos excluídos" se negaram a fazer.

O problema passa pelo anacrônico Fundo de Participação de Estados e Municípios e reforma tributária.

Defendo, até, para que a sociedade tenha uma maior presença e diminua o vulto de ONG estrangeiras na Amazônia, que o Estado do Amazonas também queira se desmembrar.



A divisão do Pará e a Federação
RAYMUNDO COSTA


Valor Econômico - 29/11/2011


Pouco mais de dez pessoas atenderam ontem convite do Ipea para debater a divisão do Pará, metade das quais jornalistas que compareceram atrás de informações para a cobertura do plebiscito, marcado para o dia 11 de dezembro. Não bastassem as interdições da Justiça Eleitoral ao debate, o desinteresse fora do eixo amazônico é injustificável. Atualmente, tramitam no Congresso 23 projetos de criação de Estados, seis propostas a mais que as apresentadas na Assembleia Nacional Constituinte de 1988, quando afloraram com intensidade movimentos de emancipação represados Brasil afora durante os anos de regime militar.

Um cálculo apresentado no debate do Ipea dá conta de que a criação dos 23 novos Estados significaria algo em torno de R$ 14 bilhões de gasto público. A criação de três Estados nas atuais coordenadas do Pará significa trocar um Estado com um superávit de R$ 277 milhões por unidades deficitárias. Se o plebiscito aprovar a divisão, Carajás nasce com um déficit de R$ 1,9 bilhão; a relação receitas menos despesas em Tapajós não fecha - falta R$ 1 bilhão - o remanescente Pará passa a contabilizar um déficit de R$ 718 milhões, de acordo com o consenso a que vão chegando os pesquisadores. No total, R$ 3,6 bilhões. Há outros números referentes à manutenção dos dois novos Estados virtualmente impossíveis de serem calculados com segurança, como os gastos com a construção de Assembleias Legislativas e outros prédios para a prestação de serviços públicos.

Esses números que surgiram em pesquisas dos técnicos do Ipea, da UFPA e do Instituto do Desenvolvimento Econômico e Sócio Ambiental do Pará (Idesp), parceiros no seminário de ontem. Mas antes de assustar, eles servem para chamar a atenção sobre um problema que não é só dos paraenses. O plebiscito já não se trata de uma discussão sobre a separação de Carajás e Tapajós, os dois Estados que seriam criados a partir do Pará, como bem chamou a atenção o professor Gilberto Rocha, coordenador do núcleo de meio ambiente da UFPA. A discussão, na realidade, pauta uma agenda em nível de Estado nacional. É preciso estudar as novas dinâmicas de divisão territorial do país decorrentes da modernização da economia e da sociedade.

O debate começou pelo Pará, palco de uma política de ocupação territorial e econômica, nos últimos 40 anos, comandada pelo governo federal, da qual o Estado foi um espectador, na maioria das vezes, cúmplice. Mas a exemplo do que ocorreu no Pará, no decorrer da conquista da fronteira amazônica, outros polos dinâmicos surgiram no país, especialmente na esteira do avanço do agronegócio. Há polos dinâmicos como o Oeste da Bahia, no rio Araguaia ou o Vale do Gurgueia, no Piauí (todas regiões com manifestações de emancipação). "Um novo Brasil está sendo produzido e nós ainda trabalhamos tendo como referência as estruturas administrativas tradicionais", disse Gilberto Rocha.

O governo do Pará não foi ao menos coadjuvante nesse processo, conduzido com mão de ferro por Brasília. Até os anos 1970 era um Estado cujo povoamento margeava os grandes rios, o uso territorial se baseava no extrativismo e a estrutura fundiária no sistema oligárquico. Hoje, 66% do território é comandado pelo governo federal e há superposição de gerência de órgãos como o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), Fundação Nacional do Índio (Funai) e o Ibama, para citar apenas as mais conhecidas de uma dúzia ou mais de siglas federais. O Pará, também, segundo os pesquisadores, é o Estado de maior acolhimento dos clientes da reforma agrária de todo o país - são mais de 1 mil assentamentos.

Uma política que colocou a Amazônia no centro das preocupações do planeta, mas que de fato criou um polo altamente dinâmico, sobretudo na região de Carajás. Se for criado, o novo Estado ficará com 85% das reservas minerais do atual Pará, que perderia a pouca voz que dispõe na formulação da política mineral. O mesmo ocorrerá em relação ao potencial para a geração de energia elétrica - 61% está concentrado em Carajás e Tapajós. De Estado exportador de energia, o Pará passará a importador. Os rebanhos de Carajás representam 64% do gado criado no Pará. Todo esse potencial, por outro lado, não tem correspondência em influência política, segundo entende a elite política da região. Mas é certo que tanto Tapajós como Carajás, separado, continuariam imobilizados pela presença sufocante do governo federal. E novos problemas certamente serão criados. Feitos com bases nos municípios atuais, os novos mapas rasgam ao meio alguma reservas indígenas e unidades de conservação ambiental.

Uma coisa é certa: a divisão aumenta o peso político da região que constitui o Estado do Pará. O técnico de planejamento e pesquisa do Ipea Paulo de Tarso Linhares fez simulações sobre representação dos três Estados, se a divisão for aprovada no plebiscito do dia 11 de dezembro. Com base na eleição de 2010, ele chegou aos seguintes números: Carajás detém 34% do PIB paraense, e sua representação na Assembleia Legislativa do Estado do Pará é de 33%; o PIB do Pará remanescente é de 56% do total, e sua representação política de 45%; Tapajós, com 11% do PIB teria uma representação de 59% dos deputados estaduais - a explicação é que se trata de uma região histórica, mais estável cuja elite política foi há anos desenhada.

De acordo com os cálculos de Linhares, a representação federal das três regiões seria mais equilibrada, cada qual com algo em torno dos 74%. Mas o território que hoje constitui o Pará passaria a enviar para Brasília 31 deputados federais, contra os 17 atuais. Isso sem falar que essa região passaria eleger mais seis senadores. Ou seja, contribuiria para aumentar o desequilíbrio existente, onde o Pará tem uma representação proporcionalmente maior que a de São Paulo, o maior colégio eleitoral do país.

O plebiscito do Pará é um assunto que deve entrar na agenda do país. Pena que nem os políticos paraenses parecem interessados. O seminário do Ipea (que levará mais três anos estudando o assunto, em todo o país) foi realizado a pedido da bancada do Pará. Mas nenhum deputado ou senador paraense apareceu por lá.

Raymundo Costa é repórter especial de Política, em Brasília.

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Quanto maior, pior

A diferença que percebo entre sociedades capitalistas e socialistas é que as primeiras o cidadão é mais participativo. O tamanho do Estado, entretanto, parece tender a ser alto sobretudo em função do aumento das expectativas que o cidadão, mas esclarecido, tem de suas funções.
Um bom texto que esclarece a gênese da atual crise financeira na Europa.




EDITORIAL O GLOBO
O Globo 


A crise econômica e financeira que o chamado mundo desenvolvido atravessa certamente tem várias causas, mas é curioso que a falta de intervenção do Estado seja apontada como a principal. Ora, uma intervenção do Estado está entre as causas da confusão (subsídios imobiliários a famílias americanas de renda mais baixa).

Graças à nova dinâmica criada pelos processos de privatização ao redor do planeta, a partir dos anos 80, a economia mundial se tornou mais eficiente e permitiu que diversos países emergissem de uma situação de pobreza crônica e sem perspectivas. O socialismo, sistema baseado no planejamento central no qual o Estado se encarrega de definir o quê produzir e quem deve consumir, se degradou a ponto de o império soviético ruir por ele mesmo, na ausência quase total de sustentação econômica.

Mas, se o sopro de renovação propiciado pelas privatizações conseguiu abrir uma série de comportas que reprimiam forças produtivas latentes e criativas, por outro lado o Estado não chegou a encolher como deveria. Políticas de compensações sociais e subsídios diversos (com propósitos supostamente nobres) se multiplicaram, e o Estado continuou a crescer na maioria dos países. Em alguns, pelo avanço da carga tributária sobre a renda gerada, e em outros pelo excessivo endividamento.

No caso da Europa, do Japão e dos Estados Unidos, o financiamento de déficits públicos elevados e o endividamento excessivo serviram de lastro para a hipertrofia de sistemas finananceiros. E, por isso, quando a crise estourou, os governos saíram em socorro de instituições ameaçadas de quebrar, pois eram parte do problema.

Tanto os Estados Unidos como a Europa têm dificuldade para sair da crise porque não encontram espaço para reduzirem o déficit público. Não há mais quem queira financiá-lo a custos módicos. Para recuperar o crédito, os governos desses países terão de apresentar propostas viáveis, e críveis, de ajuste fiscal, o que até agora não ocorreu. Daí a crise se arrastar, sem que surja uma luz no fim do túnel.

O Brasil desta vez não foi arrastado pela crise porque felizmente promoveu um forte ajuste nas contas públicas desde 1998 e refez outros pilares da política econômica (adotando, por exemplo, os regimes de câmbio flutuante e de metas de inflação). A manutenção desses pilares - "neoliberais" ou não - é que tem permitido à economia brasileira conviver com a crise, da mesma maneira que outros países emergentes. Não somos mais devedores crônicos, dependentes de programas internacionais de assistência financeira.

Quando a política econômica se afastou desses balizamentos, no ano passado, devido às eleições, a inflação ameaçou sair de controle e outros desequilíbrios afloraram. O governo Dilma, diante do risco desse desvio, reassumiu o compromisso público de recolocar as finanças governamentais em ordem (promessa que efetivamente foi cumprida em 2011).

Mas a economia brasileira não terá fôlego para continuar a crescer se não houver um esforço para se aumentar a poupança doméstica e o investimento. Para isso, o déficit público tem de continuar a ser reduzido, de modo a liberar a poupança disponível para investimentos que deem mais competitividade ao país.

Se o Estado se mantiver como tal, o ajuste será muito difícil, assim como acontece hoje nas grandes economias. E perderemos uma ótima oportunidade.
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Capitais do Censo

JOSÉ ROBERTO DE TOLEDO

O Estado de S.Paulo


Ao radiografar o Brasil, o Censo 2010 expõe o que distingue uma localidade da outra. No amontoado de tabelas e mapas escondem-se milhares de histórias humanas inusitadas. Muitas se passam em cidades longe ou pequenas demais para serem notadas; outras, bem debaixo de nossos narizes metropolitanos. A seguir, o primeiro parágrafo de uma dúzia delas.

Herval, no Rio Grande do Sul, é a capital brasileira da solidão: 26,6% de suas unidades domésticas são unipessoais. Traduzindo do ibegeês: 1 em cada 4 casas só tem um morador.

Careiro da Várzea, no Amazonas, é a capital rural do Brasil. Está a apenas 25 quilômetros de Manaus, mas tem a maior proporção de moradores vivendo fora da área urbana (95,8%), em comunidades com nomes de santos, de nossa senhora ou do espírito santo. Distância é algo relativo. O município é vizinho da capital, mas tem o maior rio do mundo a ligá-los e a separá-los.

Santana de Parnaíba, na Grande São Paulo, é a capital brasileira da desigualdade na riqueza. Seus ricos são mais ricos. Os parnaibanos que ocupam os 25% do topo da pirâmide de renda do município ganham mais do que todos os seus pares no resto dos municípios do País: R$ 3.993 por mês. E a renda deles é 14 vezes maior do que a dos 25% de parnaibanos mais pobres. As extremidades da pirâmide estão separadas por um muro ostensivo, de um condomínio fechado, e por outros menos visíveis, como o educacional.

Uiramutã, em Roraima, é a capital brasileira da desigualdade na pobreza. Os uiramutenses mais ricos têm renda 26 vezes maior do que os uiramutenses mais pobres. É a maior diferença proporcional do País. Chamá-los de ricos, porém, é exagero: vivem com R$ 518 por mês. Mas os 25% mais pobres sobrevivem com apenas R$ 20, menos de R$ 1 por dia. Financeiramente, são os mais miseráveis do Brasil. Quase todos moram em tribos indígenas. Muitos nem usam moeda.

Marajá do Sena, no Maranhão, tem a maior proporção de domicílios com saneamento inadequado do País: 85,2%. É a capital brasileira da falta de água encanada, de esgoto e de coleta de lixo - tudo ao mesmo tempo agora. A maior parte joga o lixo em terreno baldio ou queima. Duas em cada três casas não têm sanitário exclusivo dos moradores. A água é de poço ou bica.

Westfalia, no Rio Grande do Sul, tem os pobres mais ricos do Brasil. A renda média dos 25% da parte de baixo da pirâmide chega a R$ 573 por mês. Seus conterrâneos do andar de cima vivem com uma renda apenas 2,5 vezes maior. É um terço da desigualdade média brasileira.

Na planilha, a paulista Balbinos tem dois títulos nacionais: a maior taxa de crescimento populacional da década passada, e a maior proporção de homens no total da população: 81%. Mas ambos são consequência da recente instalação de duas penitenciárias, para onde foram levados mais detentos do que há balbinenses no resto do município.

História semelhante à de Balbinos aconteceu em Pracinha, Lavínia, Iaras, Reginópolis, Álvaro de Carvalho, Marabá Paulista, Guareí, Serra Azul, Itirapina e Pacaembu. As dez foram alvo da política de distribuição penitenciária do governo paulista. Se os presos todos pudessem votar nessas cidades teriam grande chance de eleger o prefeito local - um novo paradigma ético da política brasileira.

Niterói, no Rio de Janeiro, tem potencial para ser a capital brasileira do golpe do baú. Lá vivem as mulheres mais afluentes do Brasil, na média. A renda mensal delas chega a R$ 2.176 por mês. Mas o golpe do baú pode ser também no sentido oposto: os niteroienses ganham, em média, 50% mais do que suas caras-metades.

Lajeado Grande, em Santa Catarina, é a capital da desigualdade financeira entre os sexos. Os lajeado-grandenses ganham, em média, 3 vezes mais do que as conterrâneas do gênero feminino: R$ 2.411 a R$ 800.

O município brasileiro onde sobram proporcionalmente mais homens livres (e fora do presídio) é Tapurah, no Mato Grosso. A população masculina é 40% maior do que a feminina. O desequilíbrio se concentra na área rural, ao norte da cidade. Lá, há 8 vezes mais jovens de 15 a 30 anos - que moram em domicílios coletivos cedidos por seus patrões, em sítios e fazendas - do que garotas da mesma idade.

A cidade onde há excedente proporcionalmente maior de mulheres é Santos (SP): 19% a mais do que homens. O problema começa aos 20 anos e se agrava - muito - com o passar do tempo. Na idade fértil, dos 15 aos 49 anos, a defasagem é de 12%. Mas, a partir de 60 anos, há 62% mais mulheres do que homens.

Pensando bem, Santos e Tapurah disputam com Herval o título de capital da solidão.
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'Quem mais ganha é a classe política'


O Globo

Sociólogo, Herbert Martins diz que criar estados não reduz desigualdades; solução é equilibrar distribuição de verbas

A divisão do Pará para a criação dos estados de Tapajós e Carajás é um jogo de interesses de elites regionais. A medida mais simples e menos onerosa para levar o desenvolvimento a essas duas regiões é a distribuição de forma mais equilibrada dos recursos pelo governo estadual. A avaliação é do sociólogo Herbert Toledo Martins, autor da tese "A fragmentação do território nacional", . Ele contesta o argumento que o crescimento econômico e social para essas áreas do Pará somente virá com o desmembramento do estado. No próximo dia 11, um plebiscito definirá se haverá ou não separação.

O senhor tem uma visão histórica sobre o processo de divisão territorial do Brasil. Em que esse estudo contribui para o debate sobre a criação de mais dois estados: Carajás e Tapajós?

HERBERT TOLEDO MARTINS: Acho que nessa questão o passado lança luz sobre o presente. Esse trabalho mostrou que criar províncias no Brasil nos tempos do Império ou estados no período republicano sempre foi um jogo de interesses entre elites regionais e o governo central. É um acordo. Essas criações acabaram sempre fortalecendo o poder central, porque é um estado novo, carente de recursos e que fica a reboque do poder central. O caso do Pará não é diferente. Há interesses políticos de elites regionais que se sentem deslocadas do desenvolvimento.

Um dos argumentos para o desmembramento do Pará é o desenvolvimento de regiões.

MARTINS: Esse é um jogo de retórica porque não temos dados para comprovar que só terá desenvolvimento se for criado o estado. É claro que, quando se cria um estado, o desenvolvimento econômico e social acontece. Tocantins melhorou, sem sombra de dúvida, a vida daquela população. A região tinha 0% de rede de esgoto e hoje na capital, pelo menos, você tem esgoto, água encanada e asfalto. A discussão é o quanto custou.

Martins: não se falou do impacto ambiental

E a questão de aumento dos gastos públicos?

MARTINS: Eu me pergunto se não ficaria mais barato o governo local distribuir os recursos de forma mais equilibrada entre as regiões. Por que Tocantins quis se separar de Goiás? Porque as elites regionais se sentiam excluídas dos processos de desenvolvimento. O dinheiro ia todo para o Sul de Goiás e sobravam migalhas para o Norte. É preciso entender que quem mais ganha com isso é a classe política. Goiás perdeu território, mas nem por isso a bancada federal de parlamentares foi diminuída. Ela foi mantida e ainda criada a do Tocantins. Até hoje não sabemos quanto custou a criação do Tocantins. Mais do que isso me preocupa nesse debate da divisão do Pará o fato de que pouco se falou do impacto ecológico. Criar duas novas máquinas administrativas, com sedes, secretarias, poderes Legislativo e Judiciário. Imagina o impacto disso sobre a floresta amazônica.

Pela primeira vez na história brasileira haverá um plebiscito para discutir a criação de um estado. Há duas campanhas em curso, mas que trabalham em condições bastante diferentes. A que defende a separação tem muito mais dinheiro do que a que prega a unidade do território. Isso pode comprometer a isonomia do processo?

MARTINS: Não tenho dúvida de que o poder econômico vai falar mais alto. O plebiscito, a priori, dá uma fachada de democracia, de que estamos promovendo um debate com a sociedade, mas nós sabemos como a política brasileira é fisiológica e como o povo vai na valsa. Imagina o apelo emocional que existe nessas campanhas. Esse plebiscito, na verdade, é uma disputa eleitoral.

Um caminho viável para reduzir as desigualdades entre estados, então, não está num rearranjo territorial mas político?

MARTINS: Sinceramente eu não acredito, depois de tudo que li, numa redivisão territorial brasileira. Ela vai acontecer do jeito que está acontecendo, ou seja, momentânea, conjuntural, aqui e ali, conforme o andar da carruagem. Não acredito que as elites dominantes deixem seus interesses de lado e digam que a configuração geográfica está ruim e façam uma nova pensando no desenvolvimento econômico e social. Perder território é perder poder. Eu vejo como caminho uma reforma política que equilibre melhor a representação no Congresso. Um voto de um deputado do Pará vale mais que o voto de um deputado de São Paulo. Essa é a divisão que temos hoje e ela foi definida na Constituição de 1823. Na época, ocorreram debates sobre a possibilidade de uma nova redivisão, mas venceu os interesses de São Paulo, Minas Gerais, Bahia e Pernambuco, que defenderam a manutenção de seus territórios. E isso dura até o dia de hoje.
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Chorando pelo óleo derramado

SÉRGIO AUGUSTO
O Estado de S.Paulo


Não temos um plano de emergência para vazamentos de petróleo, mas sabemos discutir os royalties


Atenção banhistas de Ubatuba, Angra, Búzios e Guarapari: o petróleo da bacia de Campos não mais invadirá sua praia na próxima semana.

Essa é a boa notícia. Mas não custa se prevenir para a aparição de eventuais línguas negras nesses balneários, pois os envolvidos direta e indiretamente no vazamento no Campo de Frade mentem muito.

A má notícia é que a Chevron continuará atuando no Brasil. Suas atividades de perfuração foram suspensas temporariamente, mas não proibidas, pela Agência Nacional do Petróleo (ANP). A Chevron é sócia da Petrobrás naquele campo e, de certo modo, como a própria ANP, cúmplice no acidente. A Petrobrás porque não se mexeu a tempo e a ANP porque demorou a informar o governo do vazamento - assim como demorou 16 dias para suspender as atividades de perfuração da Chevron, quando é sabido que a primeira e imediata providência em acidentes dessa natureza é a suspensão instantânea das perfurações.

Há pouco mais de um ano escrevi aqui no Aliás o seguinte:

De olho no pré-sal, a petrolífera americana Chevron Corporation fez saber ao governo brasileiro que tem tecnologia e experiência para descobrir petróleo em qualquer profundidade. Já operando em dois pontos da Bacia de Campos, ela de fato tem know-how comprovado, ao menos em prospecções no pós-sal. Quem, porém, acompanha o noticiário atento a questões ambientais anda meio com o pé atrás com a Chevron. Por causa de um escandaloso processo, envolvendo a floresta amazônica. Não o nosso lado da floresta, mas o equatoriano, o que faz pouca diferença, pois em ecossistemas as fronteiras traçadas pelo homem são ainda mais relativas.

E aí falei da devastação que a Texaco, comprada pela Chevron em 2001, causara na região do Lago Agrio, um Chernobyl amazônico (70 bilhões de litros de água contaminada, epidemia de câncer e abortos em diversas comunidades indígenas) que havia inspirado o premiado documentário Crude, dirigido por Joe Berlinger, então em evidência.

A comparação com Chernobyl não era exagerada. Basta confrontar os 41 milhões de litros de crude (o petróleo em estado cru, antes do refino) derramados pelo petroleiro Exxon Valdez no Alasca, em 1989, com os 64 milhões de litros de crude sistematicamente despejados nas águas do Lago Agrio, ao longo de 30 anos. Numa área quase o triplo de Manhattan, a Texaco cavou 350 poços e deixou abertos mil buracos altamente tóxicos quando foi embora da Amazônia equatoriana, em 1992.

Exagerado, sim, foi o processo que a Chevron, responsável pela Texaco, impetrou contra Joe Berlinger. Condenada a pagar US$ 8 bilhões às vítimas do desastre no Equador, a Chevron, que eu saiba, continua procrastinando. Mantém um exército de advogados para defender seus interesses nos tribunais e uma catervagem de lobistas (só este ano contratou mais 39, em geral gente saída do governo) para fazer relações-públicas e seduzir políticos, magistrados e jornalistas.

O que são US$ 8 bilhões para uma empresa que, apenas no ano passado, faturou US$ 200 bilhões? A multa que a ANP aplicou na Chevron pelo vazamento no Campo de Frade, ainda que alcance os estimados R$ 260 milhões, também é irrisória.

Nessa semana, a expert em problemas energéticos Tara Lohan, editora da revista eletrônica Alternet.com, elegeu a Chevron a pior (no sentido de mais danosa ao meio ambiente) empresa de energia do ano, à frente da Exxon Mobil e da BP (responsável por aquele vazamento no Golfo do México, no ano passado). "As corporações tóxicas que governam a América", intitulava-se a reportagem, que, de tão suculenta, ganhou repercussão na Salon.com. de terça-feira.

Lohan não exagera ao afirmar que a Chevron, a Exxon, a BP, as indústrias dos irmãos Charles e David Koch e a Massey Energy, os cinco mamutes da indústria de petróleo, carvão e gás, mandam e desmandam em seu país. Paradigmas da ganância corporativa, que põe o lucro acima da vida humana e do desaquecimento global, há anos que, nem sempre de forma sutil, envenenam lentamente o ar que respiramos, a água que bebemos e os alimentos que consumimos.

Gastam fortunas em campanhas publicitárias para limpar sua barra e sujar a da Agência de Proteção ao Meio Ambiente (EPA) dos EUA, em campanhas eleitorais e em tudo que possa afetar a adoção de leis favoráveis aos seus interesses e lenientes com a irresponsabilidade corporativa. "Investir em político ainda é a melhor aplicação para essas empresas", assegura o advogado conservacionista Tyson Slocum. "São os políticos que enfrentam, no Congresso, a pressão dos ambientalistas." De preferência os políticos republicanos, que ficaram com 75% da verba de US$ 779 mil destinada ao "mercado legislativo" em 2010.

Slocum é uma das bêtes noires dos godzillas energéticos. Outro é o biólogo Richard Steiner, da Universidade do Alasca, especialista em poluição de oceanos, boicotado a torto e a direito, a quem a ANP já deveria ter consultado sobre como combater os malfeitos das exploradoras de petróleo marítimo.

Pois essa, agora, é a grande questão. Acidentes acontecem e é muito mais difícil, senão impossível, preveni-los sem rigorosa fiscalização e com métodos de exploração obsoletos e análises sísmicas incompetentes. Não temos um plano nacional de emergência para vazamentos e só pensamos em discutir a questão dos royalties, "com a excitação com que algumas famílias debatem o testamento de um tio bilionário", como bem observou Fernando Gabeira.

Não adianta chorar o óleo derramado, mas exigir franqueza e transparência é o mínimo que podemos fazer. Indagado sobre quanto dos US$ 5 bilhões que a Chevron pretende investir no Brasil seria aplicado em segurança e previsão de acidentes, o presidente da Chevron no Brasil, George Buck, respondeu: "Não temos essa informação". Se ele não tem, quem a tem? Só o CEO da Chevron?

Indagado sobre o valor a ser investido pela Petrobrás na segurança do pré-sal, seu presidente, José Sérgio Gabrielli, respondeu: "Isso é absolutamente irrelevante". Até quando o será?
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De herege a profeta

MERVAL PEREIRA
O GLOBO

A Academia Brasileira de Letras prestou uma homenagem, na última quinta-feira, ao economista Roberto Campos pela passagem dos dez anos de sua morte, a 9 de outubro de 2001, e eu fui o escolhido para falar sobre ele. Suas ideias continuam provocando polêmicas, embora antes de morrer tenha podido constatar que elas ganharam espaço no mundo globalizado. Uma de suas muitas frases, ele que foi um formidável fazedor de frases, pode definir bem a situação: "Estive certo quando tive todos contra mim."
Quase sempre foi assim com o controvertido Roberto de Oliveira Campos, economista, administrador público, pensador, diplomata (foi embaixador em Washington e em Londres) e político que, na definição do amigo Delfim Netto, "tinha o gosto pelo desafio, de preferência quando as circunstâncias lhe eram mais desfavoráveis".
Com a marca do polemista, ele discordava: "Não sou controvertido. Controvertido é quem controverte comigo."
Eleito para a Academia Brasileira de Letras em setembro de 1999 na sucessão do dramaturgo de esquerda Dias Gomes, após o que classificou como "uma ridícula batalha ideológica que, magnificada pela mídia, me transformaria numa ameaça à paz e a elegância deste cenáculo", Roberto Campos foi um gênio, na opinião de um de seus companheiros de geração, o economista Ernane Galvêas.
Outro economista de outra geração, seu discípulo, Paulo Rabello de Castro o define com quatro atributos: sua busca pela sinceridade, a disponibilidade para o serviço, seu horror à servidão e a fuga da solidão.
Roberto Campos considerava-se um liberista, que vê no governo um mal necessário.
Para ele, o sistema de economia liberal é o mais capaz de atingir minimamente três objetivos fundamentais que dificilmente se conciliam: eficiência econômica, liberdade política e equidade social.
"Liberismo" é uma expressão criada por um grande amigo de Campos e também acadêmico, José Guilherme Merquior, que a preferia a "liberalismo", para demonstrar que não era liberal apenas na política, mas também na economia.
Paulo Rabello atribui à sua "disciplina escolástica do seminarista que nunca deixou de ser" a impossibilidade de aceitar um conceito político, econômico ou moral que não fosse produto da mais dedicada e prudente elaboração intelectual, do emprego da melhor pesquisa empírica, da prudente contestação aos perigosos dogmas, do amor pela dúvida como método e do suor cognitivo pelo enunciado perfeito.
Conforme descrição de outro economista, Luiz Carlos Bresser Pereira, um liberal de esquerda que classifica Campos como um liberal conservador, a adesão imediata ao regime militar, do qual se tornaria seu primeiro ministro do Planejamento, trouxe para Campos uma série de contradições, principalmente porque os militares não tinham nada de liberal no plano político e, no plano econômico, eram menos liberais do que ele.
Roberto Campos com o tempo foi aprofundando sua crença liberista, que já lhe valera o apelido de "Bob Fields" e a fama de entreguista, como se dizia na época.
Em julho de 1959, com o presidente Juscelino Kubitschek ameaçando "romper com o FMI", em plena exacerbação nacionalista, Roberto Campos pôs para fora de sua sala do antigo BNDE, que ele criara e presidia, no Rio de Janeiro, uma comissão de "estudantes nacionalistas" que lhe fora exigir explicações sobre a posição favorável à participação de capitais estrangeiros na exploração do petróleo na Bolívia.
Perdeu o emprego, mas nunca deixou de ser fiel a JK, a quem ajudara a criar o Plano de Metas de seu governo. Ministro do Planejamento de Castello Branco, recusou-se a assinar a cassação de Juscelino.
Marcou sua atuação no plano nacional em combates memoráveis em que defendia o fim da reserva de mercado na informática, na exploração dos recursos minerais, ou a extinção dos monopólios de petróleo e telecomunicações.
Para ele, as grandes estatais pertenciam à família dos dinossauros, e, para elas, criou apelidos mordazes, como "Petrossauro" para a Petrobras.
São atribuídas ao ajuste fiscal que ele e Octávio Bulhões realizaram então e a reformas estruturais, como a tributária, a administrativa do decreto-lei 200, as bases para o "milagre econômico" que aconteceu entre 1968 e 1974.
Friedrich von Hayek, para Campos, era "o homem de ideias" que mais bravamente lutou, ao longo de duas gerações atormentadas, pela liberdade do indivíduo contra todas as modas totalitárias, do comunismo soviético ao nazismo."
Na definição de Roberto Campos, baseado em Hayek, a explicação para a permanência do capitalismo reside em ser o único sistema compatível com a liberdade do indivíduo.
Isso não impediu, porém, que Campos apoiasse o golpe militar de 64, convencido de que "a real opção era entre um autoritarismo de esquerda e um autoritarismo de centro-direita, que se dizia transicional. (...) Melancólicas veramente eram nossas alternativas nos primeiros anos da década dos 60, quando a Guerra Fria atingia seu apogeu: ou anos de chumbo ou anos de aço".
Campos também se encantou com o capitalismo de Estado da China, que classificou como "o mais excitante experimento de engenharia social de nosso tempo".
Roberto Campos foi senador durante oito anos, representando seu estado natal, o Mato Grosso, e depois duas vezes deputado federal pelo Estado do Rio. Mas não teve como político a importância que teve como economista.
Considerava sua experiência no Congresso marcada pelo fracasso e, enquanto a maioria festejava a aprovação, em 1988, da "Constituição Cidadã", ele a chamava de "anacrônica", remando mais uma vez contra a maré.
Na sua monumental autobiografia, "Lanterna na popa", editada pela Topbooks, comemorou o fato de que, devido aos acontecimentos do fim do século, especialmente o colapso do socialismo, a vitória das economias de mercado e o surgimento de uma onda mundial de liberalização, globalização de mercados e privatizações, passou de "herege imprudente a profeta responsável".
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