SUELY CALDAS
O ESTADÃO
A mais chocante das realidades que emergem do Censo Demográfico do IBGE é a da péssima e injusta distribuição da renda nacional, a desumana desigualdade social, o abismo entre ricos e pobres. Nas últimas três décadas de Censo (1990, 2000 e 2010), o IBGE vem captando gradativas melhorias. Algumas, motivo de festejo, como o número de computadores nos lares (que saltou de 10,6%, em 2000, para 38,3%, em 2010); outras, mais lentas (embora urgente, a qualidade da educação está neste grupo). Mas a concentração da renda persiste quase inalterada e dela derivam os atrasos sociais que colocam o Brasil no 84.º lugar no ranking do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), muito atrás do Chile (44.º), da Argentina (45.º) e de outros 17 países da América Latina.
Com o poder de regular o setor privado da economia, concentrar e aplicar 35% de toda a renda nacional obtida com a arrecadação de tributos, os governos têm responsabilidade central na distribuição da renda do País. E desde sempre têm distribuído mal, privilegiando ricos e penalizando pobres. Governar é escolher, decidir onde aplicar verbas públicas. Sustentar uma máquina cara, inflada por 38 ministérios que poderiam ser reduzidos à metade, é escolher gastar muito do Orçamento da União com estruturas e salários de seus funcionários, consciente de que faltará dinheiro para investir em saneamento, educação, saúde e segurança.
Quando passou de 25 para 38 o número de ministérios, o ex-presidente Lula escolheu concentrar gastos no funcionalismo, em detrimento de áreas mais carentes, e reforçar uma enorme anomalia: entre todas as unidades da Federação, Brasília é a cidade mais pobre na produção de riquezas (quase não há indústrias nem agricultura) e a mais rica em renda per capita: a renda média por domicílio (R$ 4.635,00) é a mais alta do País, quase o dobro da segunda colocada, São Paulo, com R$ 2.853,00. É uma cidade que vive do dinheiro público. Nos gastos com aposentadoria o privilégio é ainda mais gritante: enquanto o governo vai gastar este ano R$ 40 bilhões para cobrir o déficit do INSS e garantir a aposentadoria de 28 milhões de trabalhadores privados, vai despender R$ 50 bilhões com o mesmo fim para só 950 mil funcionários públicos.
E como a renda é concentrada no funcionalismo, o Distrito Federal é também o mais desigual dos Estados brasileiros, onde convivem pobres, desempregados ou que trabalham no setor privado e ricos funcionários do governo, sobretudo os vinculados ao Judiciário e ao Legislativo, cujos salários e aposentadorias são mais gordos. Segundo o Censo de 2010, o índice Gini (quanto mais próximo de 1, pior a distribuição da renda) em Brasília é o pior do País (0,591) distante da média brasileira (0,526) e mais ainda de Santa Catarina (0,455), Estado que melhor distribui renda.
Quando o governo escolhe aumentar verbas para universidades públicas e encolhê-las para o ensino fundamental, está privilegiando ricos que conseguem chegar à faculdade e penalizando crianças pobres, analfabetos funcionais que recebem educação de péssima qualidade, além de jovens que, sem condições financeiras, deixam a escola para trabalhar. As universidades têm meios de faturar com pesquisas para empresas privadas; escolas do ensino básico não têm como vender conhecimento, dependem unicamente de dinheiro público.
Outra má escolha ocorre quando o governo decide sobre renda tributária e investimentos: enquanto aplica só R$ 7,5 bilhões em saneamento básico para atender um país onde só 55% dos municípios coletam esgoto, este ano vai deixar de arrecadar R$ 116,1 bilhões isentando ou reduzindo tributos de empresas e instituições ricas. Ou seja, além de escolher mal, age na contramão do progresso social e acentua as desigualdades.
Enquanto essas anomalias não forem corrigidas e governos e a classe política não redirecionarem gastos sociais para os mais pobres, a concentração da renda vai persistir, e no Censo de 2020 o IBGE pode até captar melhorias, mas vai continuar apresentando dados alarmantes de pobreza, violência e carência em saúde, educação e segurança.
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