MERVAL PEREIRA
O GLOBO
O economista Marcelo Neri, do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getulio Vargas do Rio, está lançando um estudo comparativo entre as duas maiores favelas da cidade, a Rocinha e o Alemão, e os efeitos da implantação nelas das UPPs. Ele faz parte de uma geração de economistas "cariocas" que, na sua própria definição, começou "a se debruçar sobre os caminhos e descaminhos da nossa própria terra".
Neri cita a coletânea "Rio de Janeiro: A hora da virada", de André Urani (nascido na Itália e criado em São Paulo) e Fabio Giambiagi (filho de argentinos, criado lá), cariocas por opção, como exemplo desse movimento.
Ele destaca que economistas cariocas traçaram as principais políticas públicas nacionais, do PAEG (Programa de Ação Econômica do Governo) dos anos 1960 ao Real, passando pelo Cruzado e chegando ao regime macroeconômico vigente, mas não só.
Do desenho do SUS ao Bolsa Família, que teve em Ricardo Paes e Barros e Ricardo Henriques figuras fundamentais, economistas do Rio sempre exerceram papel de destaque.
Nesse ínterim de ações nacionais, porém, os "três Rios" - cidade, estado e metrópole - "foram assoreados, perdendo importância", lamenta Neri.
O ponto de partida do trabalho da equipe da FGV-Rio foi a constatação de que moradias iguais (mesmo tamanho, materiais, acesso a serviços públicos) têm aluguéis 25% mais depreciados nas favelas do que no restante da cidade. "É o "efeito-favela" sobre o valor dos imóveis", diz ele.
Agora na comparação do pré e pós-UPP, essa situação começa a mudar. Segundo os estudos, os aluguéis subiram, após as UPPs, 6,8% mais nas favelas que no asfalto.
Mas Neri adverte que as favelas não são um bloco monolítico. "As UPPs implantadas em diferentes favelas terão impactos econômicos diferenciados".
O trabalho, baseado em 150 mil entrevistas nas duas comunidades, registrou a baixa esperança relativa dos moradores da Rocinha (pré-UPP) frente às possibilidades de transformação. "Esta mudança de percepções e atitudes talvez seja o maior desafio da intervenção", adverte Neri.
A pesquisa se debruça sobre as diferenças entre os complexos da Rocinha e do Alemão, e versa sobre quatro aspectos: em primeiro lugar, as condições de trabalho na Rocinha são claramente superiores às do Alemão.
Porém, dada a topografia local e sua posição privilegiada em relação à área já estabelecida como rica, e aquela em expansão da cidade, o estudo constata que há uma precariedade habitacional maior na Rocinha, "traduzida em maior aglomeração de pessoas e famílias em lugares menores e mais precários".
A terceira parte do tripé comparativo do estudo de Neri revela a menor presença do Estado sob as suas diversas formas na Rocinha: pior oferta de quase todos os serviços públicos, inclusive infraestrutura urbana, o que precariza as condições de moradia.
Apesar do dinamismo econômico, a Rocinha é a região administrativa da cidade com escolaridade mais baixa, seja na população em geral, seja na população ocupada, o que reflete a carência histórica de políticas públicas e imigração de áreas de menor escolaridade, ressalta o estudo da FGV.
Essas seriam razões para a baixa esperança relativa de seus moradores (pré-UPP) frente às possibilidades da política pública, seja ofertada pelos três níveis de governo, seja ofertada por organizações não governamentais (ONGs).
Segundo a pesquisa, a Rocinha é, em diversos aspectos, o inverso do Rio, identificado como "nordestinamente informal", enquanto a Rocinha, apesar de ser a favela mais nordestina do Rio, é "fordista formal", o que quer dizer que empregos com carteira são mais importantes na Rocinha.
O Rio é capital de alta escolaridade (a quinta das 27 capitais), enquanto a Rocinha tem a menor escolaridade de todas as 34 regiões administrativas da cidade.
O Rio é velho e a Rocinha é uma favela jovem.
Se as duas favelas estão na mesma faixa de tamanho, o seu perfil social e econômico é completamente diferente, mostra o estudo.
O Alemão se alinha mais ao perfil das favelas da periferia do Rio por estar em área pós-industrial, economicamente estagnada, enquanto a Rocinha está incrustada na área mais rica da cidade e nas vias de expansão rumo a oeste.
Isso faz com que a Rocinha tenha um mercado de trabalho mais pujante, apesar de - surpreendentemente, destaca o estudo - estar mais distante do Estado que o Alemão e outras favelas da Zona Norte.
Segundo seus moradores, as oportunidades de trabalho e renda são muito superiores na Rocinha do que no Alemão: 27,8% das pessoas na Rocinha dizem que essas oportunidades são pelo menos boas, contra 8,19% no Alemão.
Como resultado da "força econômica privada", há bem menos donas de casa na Rocinha (7,1%) do que no Alemão (11,22%).
O distanciamento da Rocinha do Estado é captado pela menor presença de funcionários públicos (0,16% na Rocinha e 0,42% no Alemão).
Há mais empregados privados na Rocinha (37%) do que no Alemão (27,8%), em particular, entre estes, empregados formais (31% na Rocinha e 20,4% no Alemão).
Apesar do viés ao emprego com carteira, o maior viés é em direção ao trabalho. Como consequência, há mais empreendedores na Rocinha (10,1%) do que no Alemão (8,5%).
O estudo coordenado por Marcelo Neri salienta que, se o mote pré-UPP era "ilegal, e daí?", o pós-UPP parece ser "legal, e aí?". Mas como o choque de ordem desemboca no choque de progresso?
O estudo analisa "as relações sinérgicas entre a segurança e a economia na formação de direito de propriedade, e como isso pode ser potencializado", seja por meio do que classificam de "choque de formalização", acompanhado de um menu de políticas de apoio aos pequenos negócios preconizado pelo Sebrae-Rio, seja pela oferta de microcrédito de qualidade, como aquele que chega aos morros do Rio por meio da associação entre o Crediamigo e o VivaCred.
.
Nenhum comentário:
Postar um comentário