domingo, 27 de novembro de 2011

O que já foi um peito

JOÃO UBALDO RIBEIRO
O Estado de S.Paulo


No domingo passado, eu disse que ia tratar de peitos e acabei mal tocando (deixem de ser maliciosos) no assunto. Fui falar no ministro que, pelo visto, ia instituir o tratamento de "meu querido" e "minha querida" em reuniões ministeriais, para não falar na temível mas não improvável hipótese de que se dirigisse a uma colega, ou à própria presidente, como "minha filha", e aí tive nervosismo cívico e abandonei os peitos. Hoje, já um pouco desmotivado, mas sem querer deixar de cumprir a promessa (ou ameaça), vou aos peitos.

Quando estudei Biologia no colégio, aprendi, se bem me lembro, que a repetição continuada do estímulo termina por inibir a resposta. Ou seja, se provocado demais, um certo reflexo acaba não dando mais as caras. De certa forma, isso acontece em relação a tudo. De tanto ver ou experimentar algo o tempo todo, acabamos enjoando, enchendo o saco ou nos tornando indiferentes. A banalização de qualquer coisa a barateia, lhe tira o valor e o atrativo.

Acredito que não estou falando somente do pessoal que partilha comigo da proteção do Estatuto do Idoso. Convivo com jovens e já vi sintomas disso neles. Não que tenham perdido a libido, isso não acontece e eles continuam tão obcecados por sexo quanto a juventude sempre foi, desde sempre. Mas sua atitude em relação ao sexo às vezes é meio blasé, outras vezes até entediada. Quando passa uma moça bonita e de roupa reveladora, é comum que, geralmente com a atenção chamada por um mais velho, os rapazes olhem apenas como quem cumpre um ritual, apenas porque homem olha mulher gostosa. É tudo muito fácil, é tudo muito banal, é comum a moça dar na primeira ficada, nada tem mistério, portam-se camisinhas como parte do equipamento padrão.

Tudo bem, tudo pela liberdade, e abaixo a repressão, não proponho mudar nada, comento inofensivamente. Somente acho que, antes da banalização, era tudo bem mais divertido e muito mais emocionante. Hoje as bancas de jornais estão tão cheias de mulheres peladas, em todas as poses e ângulos, que ninguém olha mais, a não ser quando alguma famosa em outro setor resolve também mostrar-se nua. Mas isso mesmo já está perdendo o interesse e posar pelada, que já foi manifestação de vanguardismo, ousadia, independência ou coragem, hoje é quase vulgar e não abrilhanta o currículo de mulher nenhuma.

- Os peitos eram tão misteriosos - me disse uma vez Zecamunista, enquanto aguardávamos a arribada do Foice&Martelo, o bote dele -, que o pessoal não dizia "peito", dizia "seio", como um nome de santo. E os peitos tinham até auréolas, como os santos. O certo é "aréola", mas a santidade impunha "auréola", até hoje parece que é o mais usado. Lembra do nosso tempo?

Ora, se não me lembro do nosso tempo, os dois pirralhos rondando a ponte à espera do navio que trazia Nélson, o dono do cinema, os rolos de filmes e os cartazes. Apesar de gostarmos de filmes americanos de guerra, de caubói, de espada e correlatos, as férias em Itaparica eram a oportunidade de ouro para a gente ver filme impróprio, ou seja, 15 segundos de peito para 90 minutos de projeção. Na cidade, vários porteiros de cinema, como o do finado Glória, que exibia muito filme impróprio, eram conhecidos como carrascos, não deixavam passar nem carteira de estudante falsificada. O quente era filme francês. Um ou outro italiano, mas os franceses eram mais de confiança. Nélson sabia disso. Geralmente ele se recusava a quebrar o suspense ainda na ponte, mas, no dia seguinte, um palhaço em pernas de pau, ostentando os cartazes no peito e nas costas, circulava, anunciando "hoje o filme é francês e é impróprio!", certeza de grande bilheteria infanto-juvenil.

Certa feita, houve um problema com um filme impróprio colorido de que os mais velhos já tinham nos falado e no qual, se não me engano, a inesquecível Martine Carol, no papel da magnífica Caroline Chérie, mostrava os peitos oito vezes, contadas pelos muitos que assistiram ao filme oito vezes duas. Na versão que passou no primeiro dia, no cinema de Nélson, dizem que ele esqueceu um rolo e o fato é que só apareceu peito cinco vezes. Indignado, Zecamunista, que nesse tempo não era ainda comunista, mas nasceu com a ideologia exótica no sangue, organizou uma passeata de protesto, na qual eu mesmo tomei parte e que obteve sucesso, porque Nélson acabou exibindo o filme todo para os descontentes. E de fato eram oito cenas de peito (pectovisões, no falar sempre erudito de Jacob Branco), contadas por todos.

- Hoje em dia, todo mundo já viu os peitos de todo mundo, não há mais nem curiosidade - disse Zeca. - Acho que já está valendo até uma alisadinha rápida casual, é quase a mesma coisa que alisar o ombro. Você se lembra de qual era a grande emoção em matéria de peito, no nosso tempo?

- Bem, pegar num peito era um grande momento.

- É, mas, com uns seis meses de namoro, muitos caras já pegavam. Não era esse o grande feito. O grande feito era pegar nos peitos por dentro! Às vezes o namoro acabava, mas o cara não pegava. E, quando conseguia pegar, era inesquecível, a vitória tão arduamente conquistada! Eu tive um amigo, que, aliás, você conhece, mas não vou citar o nome, que deu a primeira pegada por dentro e depois teve dificuldade em tomar o ônibus de volta para casa. Não tinha nada mais emocionante, o corpo todo vibrava. Hoje o peito por dentro é uma abertura que muitos até dispensam, preferem um bom videogame.

- É, talvez nem tanto, mas...

- Eu estou apostando nessa tendência - disse ele, com uma risadinha. - Eu vou fundar um grupo popular de atendimento às mulheres desvalidas, vítimas dos que preferem os videogames. Eu vou revalorizar os peitos delas, vou abrir horizontes novos! E espero que alguns sutiãs também, he-he.
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