EDITORIAL
O ESTADO DE S. PAULO
Encarregada de gerir e avaliar a pós-graduação estrito senso e de divulgar sua produção científica, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) vem registrando um crescimento significativo dos cursos interdisciplinares de mestrado e doutorado em instituições públicas, privadas e confessionais. Eles cresceram mais de seis vezes, nos últimos 12 anos - eram 34, em 1998, e são 313, atualmente.
Esse crescimento vem ocorrendo em todos os campos do conhecimento. Nas ciências exatas, por exemplo, alguns cursos de pós-graduação estrito senso incluíram história, sociologia e cultura entre as disciplinas oferecidas. Na área de ciências biológicas, há programas de mestrado e doutorado que oferecem filosofia, ética, epistemologia, antropologia e inclusão social como matérias obrigatórias ou optativas. E, nas ciências humanas, foram incorporadas aos currículos disciplinas como matemática, administração e tecnologia.
Na rede pública estadual e federal, as universidades recém-criadas lançaram novas unidades e estão optando, em sua grande maioria, por cursos multidisciplinares. É esse o caso do câmpus da Universidade de São Paulo na zona leste. Criada há seis anos, a USP Leste oferece mestrado acadêmico somente em áreas novas, tais como sistemas de informação, modelagem de sistemas complexos, mudança social e participação política e tecnologia têxtil e moda. Nas universidades federais, a prioridade tem sido dada a programas de pós-graduação em Gestão Ambiental, Agroenergia, Poder Judiciário e inclusão social, Vigilância Sanitária e Tecnologia, Cultura e Sociedade.
"Não se consegue mais imaginar equipes de pesquisa de ponta que não sejam multidisciplinares", diz Vahn Agopyan, pró-reitor de pós-graduação da USP. "A forma tradicional como os sistemas universitários dividiram os campos da natureza e das atividades sociais não dão mais conta da complexidade de situações enfrentadas pela sociedade contemporânea", afirma Euclides de Mesquita Neto, pró-reitor de pós-graduação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). "Algumas áreas demandam conhecimento profundo de vários profissionais, entre acadêmicos, pesquisadores e pessoas que atuam no mercado, o que contribui para seu avanço", explica Adelaide Faljoni-Alario, titular de bioquímica e biofísica da UFABC e coordenadora adjunta do comitê interdisciplinar da Capes.
A mudança dos projetos pedagógicos da pós-graduação estrito senso e o crescimento dos cursos de mestrado e doutorado de caráter interdisciplinar decorrem do avanço da tecnologia e da globalização econômica. Com o afrouxamento dos limites do conhecimento, o desenvolvimento de novas fontes de energia e a diversificação da economia, propiciados pela expansão da informática, algumas profissões tradicionais desapareceram e outras surgiram. E, à medida que o mercado de trabalho se tornou mais flexível e mutante, as universidades se viram obrigadas a criar cursos superiores novos e específicos - como bioinformática, engenharia de energias renováveis e agroecologia, ao lado dos cursos tradicionais, como direito, administração e ciências sociais, que proporcionam uma formação clássica e generalista.
Esse processo começou timidamente nas duas últimas décadas do século 20, com a criação de cursos tecnológicos, com menor duração e menor abrangência acadêmica, para atender a demandas de mão de obra qualificada em alguns setores da atividade econômica. E ganhou corpo na primeira década do século 21, com o surgimento de bacharelados não convencionais, em áreas como biodiversidade, gestão sanitária, proteção ambiental e agroenergia. E, à medida que os cursos de graduação com esse perfil se consolidaram, a criação de mestrados e doutorados interdisciplinares se tornou inevitável.
A reestruturação da pós-graduação estrito senso é um fenômeno que vem ocorrendo há muito tempo no mundo inteiro. Entre nós, essa mudança é decisiva para que o desenvolvimento do Brasil não seja afetado pelo déficit de pessoal com formação superior e qualificado nas principais áreas da economia.
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