O verbo, então, não pode ser transitivo direto, por causa da complexidade do fenômeno e do baixo nível de percepção da dinâmica política da sociedade não obstante à farta quantidade de meios e veículos de informação à disposição do cidadão.
Será um verbo transitivo indireto, pois a transação em si, pelo menos não mostra nada de ilegal, apesar de ser pouco ético. Aí, de fato, a complexidade aumenta. Será mais intransitivo ainda em função da sociedade ter sido criada e, até, educada a ficar alheia à dinâmica dos ritos parlamentares limitando-se, apenas, a votar e esquecê-los, quase que absolutamente, nos quatro anos seguintes.
Apesar de ser veemente contra ao que ocorre, eu não me alinho aos revoltados pois estes jamais se interessaram em acompanhar, no dia a dia, o que ocorre. Delegam, passam procuração assinada e em branco e, depois, querem que apenas manifestando seu descontentamento, os políticos venham a agir de forma correta. Ledo engano, ledo engano.
Todos os contratos que eticamente nos parecem irregulares são autorizados por lei e são fiscalizados por órgãos competentes.
O problema está no arcabouço jurídico que foi elaborado, aprovado e sancionado sem a participação popular que agora, após o grave e contumaz cochilo, acha que sua indignação e mobilização vai tirar o sono dos que se, legalmente, se locupletam.
Apesar de gostar do que a jornalista publica eu acho que ela e a mídia fica batendo, repetidamente, na mesma e óbvia tecla, a grassante corrupção.
Quando é que eles irão, cumprindo mais além o seu papel, orientar a sociedade acerca das saídas legais além do já batido "aprender a votar" conjunção verbal não só indireta mas com altíssimo nível de complexidade social.
Quando é que lerei uma matéria ou conjunto de matérias que façam um elenco de reportagens acerca dos ritos parlamentares, da dinâmica da aprovação das leis e projetos.
Aí sim, sentiria que estaríamos amadurecendo nossa cidadania, até lá é a mesma repetição de "revoltas populares" contra a corrupção que começaram desde a implantação da República, dois séculos atrás quando deputados corruptos não se reelegeram, morreram e foram substituídos por cidadãos oriundo do "povo revoltado" que quando lá chegou não só manteve mas aperfeiçoou as metodologias de gestão da coisa pública pouco recomendáveis.
"Vamos Beltramizar?"
RUTH DE AQUINO
REVISTA ÉPOCA
O neologismo começa a ser usado no sentido de limpar, punir, dedetizar os ratos e as baratas da política
RUTH DE AQUINO
é colunista de ÉPOCA
Na linguagem comum, verbo é a palavra que exprime uma ação. Beltrame, secretário de Segurança Pública do Rio de Janeiro, começa a ser conjugado por brasileiros comuns como verbo, no sentido de limpar, punir, dedetizar ratos e baratas da política. O neologismo não é meu, mas de uma leitora de Manaus, que me mandou um comentário após a ocupação da Rocinha e do Vidigal: “Tirar traficantes de morros é fácil. Quero ver a sociedade beltramizar os bandidos de Brasília”.
Procurei saber quem era a leitora inspirada. Elaine Giselle Cristina da Costa Haddad, de 41 anos, é solteira e tem uma filha de 21 anos. Formada em pedagogia. Consultora de cooperativas. “Seria excelente”, me disse Giselle, “se passássemos a conjugar o verbo em todos os tempos de nossa história.” No presente, eu beltramizo, tu beltramizas. Será que Dilma beltramiza ou contemporiza? Conseguirá a presidente adiar até a reforma de janeiro a saída de Carlos Lupi, o ministro desmemoriado do Trabalho que esquece até os amigos que oferecem jato e jantar para ele em casa, como o coitado do Adair? O mais incrível é que o tom da fala de Lupi agradou ao Planalto. Só porque ele deixou as bravatas em casa.
Toda vez que me refiro aqui aos bandidos de Brasília, os brasilienses do bem reagem indignados como se o alvo fosse a população. Que fique claro: não é quem vive na capital do Brasil que está sob suspeição, mas o que o Distrito Federal representa, como abrigo de malfeitores eleitos e nomeados. Muitos não são de lá. São forasteiros que aproveitam a impunidade histórica no país para desviar dinheiro público. Pode ser a compra de uma simples tapioca, uma festa picante em motel ou o uso irregular de jatos particulares. E daí se passa às grandes rapinagens de verba da Saúde, do Esporte e da Educação. Fora de Brasília, prefeitos roubam até quem tudo perdeu, como os desabrigados de enchentes em Teresópolis, que até hoje moram de favor na casa de amigos e parentes ou voltaram para a beira dos abismos.
“Se todos nós beltramizássemos nossos políticos”, diz a leitora Giselle, “não ficaríamos assistindo passivamente à farra de desvios, corrupção e políticas nada voltadas para a sociedade. Dia a dia, somos entupidos de notícias de que a saúde pública não assiste o povo, nossa educação é fraca e os riquinhos fraudam o Enem, a violência está aumentando na zona rural e interiorana. Vemos tudo isso e ficamos quietos, reclamando sozinhos, falando solitariamente, quando poderíamos estar beltramizando os bandidos de colarinhos.”
Ela não vê nada de mais na postura de Beltrame, por entender que “ser honesto e trabalhar em benefício do povo é um dever de quem faz parte de qualquer órgão público”. Giselle se chateia porque, enquanto elogiamos a ação de Beltrame na segurança, “não nos revoltamos na mesma medida contra os que fomentam o pior para a sociedade”.
Giselle é uma indignada do bem e tenta fazer sua parte nesta democracia virtual que às vezes peca pelo exagero, destempero e preconceito. No saldo final, o debate é muito positivo para todos, jornalistas ou não, que querem conhecer a voz das ruas. A sociedade aprende quando escuta anônimos. Esse radar popular ligado 24 horas por dia tem sido usado como termômetro pelos Poderes da República.
Quem tem acompanhado as revoltas dos indignados na Europa e nos Estados Unidos deve se perguntar se somos um povo excessivamente passivo, conformado ou, quem sabe, um povo apenas pacífico e alegre, sem vocação para levar pancada de cassetete ou chorar com bomba de gás lacrimogêneo. O que leva às ruas os jovens de um mundo desenvolvido, bem menos desigual? É a noção de que protestar contra o desemprego e a falta de representatividade política é legítimo. No Brasil, a economia vai bem. Mas protestos são vistos como ameaça à democracia, e o movimento contra a corrupção fica restrito à internet.
No campo ético, a pergunta é: vamos ou não beltramizar? O verbo também significa agir com transparência e não ser corporativista. Logo após a tumultuada prisão do Nem da Rocinha, em que todas as polícias pareciam disputar o mérito pela captura do bandido mais procurado do Rio, Beltrame solicitou à Corregedoria-Geral da União que investigue os procedimentos de delegados e policiais. Em vez de minimizar suspeitas e se gabar da impressionante reconquista sem tiros da Rocinha e do Vidigal, o secretário de Segurança pretende cobrar até o fim uma resposta à sociedade. A Polícia Federal investiga acusações de formação de quadrilha e lavagem de dinheiro por policiais civis e advogados peritos, todos na cena da prisão.
É difícil ver a mesma postura entre políticos e juízes.
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