domingo, 27 de novembro de 2011

O vazamento

MARCELO GLEISER
FOLHA DE SP


Toda exploração nos limites do conhecimento envolve riscos enormes. A do pré-sal não será diferente
Aconteceu o primeiro desastre sério da história recente da exploração petrolífera da costa do Rio. Cheguei aqui nesta semana e fiquei horrorizado com as manchetes sobre o vazamento de óleo no campo de Frade, em poço explorado pela Chevron na bacia de Campos, a 370 quilômetros do continente.
O vazamento ocorre a uma profundidade de 1,2 km e, até quarta-feira, havia liberado, segundo a empresa, em torno de 2.500 barris após 15 dias. Existem disparidades entre o que a ANP (Agência Nacional de Petróleo), os observadores da ONG SkyTruth e os porta-vozes da Chevron andam dizendo.
Segundo a SkyTruth, o vazamento foi de cerca de 15 mil barris, muito superior ao declarado pela companhia. Enquanto a Chevron diz ter engajado 18 navios em rodízio para a limpeza da região, a Polícia Federal do Rio diz que havia apenas um. Para piorar, a empresa contratada para perfurar o poço, a Transocean, é a mesma que operava a plataforma Deepwater Horizon, responsável pelo maior vazamento da história americana, no golfo do México, no ano passado.
Consequentemente, a ANP suspendeu as atividades da Chevron no Brasil e negou à companhia a possibilidade de perfurar novo poço para explorar a camada do pré-sal. Com uma reserva estimada em 50 milhões de barris, o pré-sal é uma das maiores descobertas dos últimos 30 anos. Não é coincidência que, quando voo para o Rio hoje, noto que uma fração razoável dos passageiros trabalham para a indústria petrolífera e suas subsidiárias.
Com o aumento da população mundial e, consequentemente, do consumo de petróleo e seus derivados, fica cada vez mais difícil achar reservas de fácil exploração. Mas o pré-sal realmente bate todos os recordes. Com profundidade de 6 a 7 quilômetros da superfície e passando por uma camada de sal com espessura variando de 200 metros a 2 quilômetros, a extração será extremamente difícil, desafiando a tecnologia atual.
Desde que ouvi falar do pré-sal pela primeira vez, tenho tido pesadelos sobre a possibilidade concreta de desastres ecológicos de dimensões catastróficas, capazes de comprometer a costa do Brasil desde o Espirito Santo até Santa Catarina.
Ouvimos muito sobre a euforia da descoberta e sobre como é viável a extração do petróleo sob essas condições complicadas, mas muito pouco sobre medidas tomadas caso vazamentos ocorram, o que me parece inevitável. Toda exploração nos limites do conhecimento envolve riscos enormes. O pré-sal não será uma exceção para esse fato.
Enquanto outras economias debatem como ir além do uso de combustíveis fósseis, o Brasil, com sua vasta rede hidrelétrica e potencial solar e eólico, parece estar querendo ir para trás. Claro que todos querem os royalties que vêm da exploração do petróleo, sempre com a visão do lucro a curto prazo. Mas acidentes como esse, no campo de Frade, mostram os perigos da exploração desenfreada e sem medidas rígidas de controle.
O pré-sal pode vir a ser a galinha dos ovos de ouro do Brasil. Vale lembrar que, na fábula de Esopo, o dono da galinha, ganancioso e impaciente, acaba por matá-la para pegar os ovos que acreditava ter no ventre. E acaba sem nenhum.

MARCELO GLEISER é professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor de "Criação Imperfeita".
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