quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Feitos para não durar: oportunidades jogadas fora


O texto abaixo é ilustrativo e transita por três dimensões conceituais distintas.

Primeiro nossa idiossincrasia latina que nos mergulha e nos atém na passividade o que não permite que usemos plenamente a segunda dimensão, o Cód de Defesa do Consumidor que já passou, em muito, de sua maioridade e ainda é um ilustre desconhecido para ambos.

Por fim a terceira dimensão conceitual que é a Política Nacional de Resíduos Sólidos que obriga a se ter, como pressuposto básico, a qualidade e a eficiência para, então, se atingir os patamares posteriores dentre os quais a preservação ambiental pela maior durabilidade dos bens.

Essa política eu tinha esperança que os ambientalistas andassem ombro a ombro na Esplanada dos Ministérios, mas nossa contumaz desinformação arregou a expressiva maioria na zona de conforto da preservação da Amazônia e ser contrário ao Código Florestal.

Em tempos de mídias sociais disponíveis para mais de 210 milhões de linhas de celular eu esperava mais consciência e maturidade social....







João Amato Neto
Valor Econômico


Meses atrás notei que o rádio do meu sistema de som automotivo não estava funcionando. Após uma cansativa peregrinação, que durou algumas semanas e muitas oficinas de reparo (incluindo a da revendedora autorizada do veículo), fui convencido a desistir da ideia de recuperação daquele aparelho, de vida finada então, posto que não se encontrava o componente que havia sido danificado.

Outro fato marcante ocorreu-me quando da aquisição de uma televisão de tela plana. Questionado a respeito das garantias que deveriam acompanhar o aparelho, o atendente da loja surpreendeu-me com sua sinceridade: "Hoje em dia os aparelhos de TV já são projetados para não durar muito e, se houver algum defeito, pode jogar no lixo e comprar outro".

Há alguns anos foi o caso do aparelho de celular. Fui a uma loja autorizada da operadora dos serviços de telefonia questionar o valor da conta mensal dos serviços que, a meu ver, estava excessivamente elevado. Mais uma surpresa: o vendedor explicou-me que eu poderia optar por um plano mais econômico e ao mesmo tempo me ofereceu um novo aparelho com algumas novas funcionalidades - para as quais, aliás, eu não tinha qualquer necessidade. Mas, em função das "explicações técnicas" do vendedor, fui convencido a aceitar a promoção, pois aquele meu aparelho muito antigo (eu o havia comprado há dois anos!) tornar-se-ia logo obsoleto.

E o que dizer da produção de automóveis e aparelhos da linha branca (geladeiras, máquinas de lavar, forno de micro-ondas)? Não fogem à regra. Todos estes exemplos não devem ser entendidos como fenômenos isolados da prática empresarial, mas sim manifestações de uma filosofia de produção e consumo cuja mola propulsora é a obsolescência planejada, inserida na própria concepção e projeto dos produtos. A lógica é simples: encurtar a vida útil dos produtos para acelerar o ciclo "produção-consumo-descarte". Para isso as empresas planejam um portfólio de lançamentos, provocando de forma deliberada certo canibalismo dos seus próprios produtos, com a consequente substituição por novos modelos. Se essa lógica foi predominante sob o paradigma de produção em massa (fordismo) e ainda se mantém sob o paradigma da produção enxuta (toyotismo), o que dizer dos novos desafios dos modelos de produção e consumo sob a lógica da sustentabilidade, a emergente filosofia da gestão e da produção e a mais séria das vantagens competitivas.

Eis um aspecto que acredito de fundamental importância para o futuro da sociedade e que se origina de uma filosofia básica que norteia as estratégias empresariais de grandes corporações, principalmente as do setor de bens de consumo. Obsolescência planejada não é um termo novo, muito menos uma realidade sem precedentes. Em 1990, passei um mês de pesquisas e estudos no Japão, ainda centro das atenções e pujante berço de um "milagre" econômico cujo santo era a indústria eletroeletrônica. Berço também da Toyota, cuja planta fomos - uma equipe de vários países- visitar, para conhecer de perto as inovadoras formas de gestão lá implementadas: a base do paradigma de produção ágil, enxuta e flexível.

Mas não foi necessário organizar uma visita técnica para conhecer uma realidade talvez igualmente rica e para a qual a gestão e a produção pouco costumam olhar: o lixo. No lixo japonês, já há mais de duas décadas, componentes microeletrônicos e computadores dividiam o espaço com embalagens e outros materiais.

De lá para cá, porém, o Japão viria a se destacar como exemplo mundial na gestão do lixo. Por intermédio da Japan International Cooperation Agency (Jica), hoje o país lidera um programa internacional de várias frentes, abrangendo o desenvolvimento institucional e a formação de pessoas, criando entre as diversas ilhas do Pacífico uma rede de cooperação para a troca de experiências: casos como o de Shibushi, cidade localizada em Kagoshima, no sul do Japão, cujo aterro, em 1998, recebia 14 mil toneladas de lixo e, nove anos depois, albergava pouco mais de 2 mil toneladas, sendo as demais 8 mil recicladas, com uma redução de quase 4 mil toneladas de lixo (reciclado e não reciclado) entre 1998 e 2007.

De fato, esquecidos e soterrados sob os modelos convencionais do sistema "produção-consumo-descarte", os resíduos são, sob muitos aspectos, mais graves à vida humana do que a própria escassez de recursos naturais. Por isso, na estratégia dos 3 Rs (reduzir, reusar e, enfim, reciclar), surge um quarto: a remanufatura, indústria que já movimenta mais de US$ 14 bilhões nos Estados Unidos.

A gestão da produção e a economia, que sempre pensaram, de uma forma linear, na cadeia produtiva, até a chegada dos bens e serviços aos consumidores, precisam agora correr para garantir a passagem de volta. E nessa visão do bumerangue econômico, os problemas crescem na proporção da demanda de soluções inovadoras. Cenário que chama à oferta de novos serviços, abrindo espaço para o empreendedorismo sustentável.

Em especial, a remanufatura de vários produtos - mecânicos e eletrônicos, por exemplo - já pode ser considerada um campo de negócio rentável. Na realidade, são muitos os casos de empresas na Europa e América do Norte que estão obtendo lucros significativos com a venda de produtos e componentes remanufaturados, tais como telefones celulares e peças de automóveis, principalmente em mercados de países emergentes.

No Brasil, a Lei 12.305/10, que institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos, sinaliza para os novos nichos de negócios a serem explorados na geração de soluções ambientais, como a logística reversa. A produção não é mais entendida como uma linha, mas como um ciclo, curva na qual o produto que chega ao consumidor tem que voltar às empresas para que lhe deem a destinação ambientalmente adequada. O lixo, afinal, passa a ter valor. E a produção, da linha à curva, chega à rede: novas empresas que podem especializar-se nesse setor e serem contratadas pelas grandes para cooperarem nesse desafio.

Produtos e negócios para não durarem podem apressar-se. A sustentabilidade veio para ficar.

João Amato Neto é professor titular e chefe do Departamento de Engenharia de Produção da Poli/USP e organizador do livro "Sustentabilidade & Produção: Teoria e Prática para uma Gestão Sustentável".
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