Um conceito muito válido e importante para nosso desenvolvimento como economia de mercado.
Precisa-se, todavia, vencer algumas barreiras idiossincráticas, uma vez que, em 191 milhões de potenciais clientes, nossa sociedade pouco conhece o Cód de Defesa do Consumidor, fator fundamental na nova equação que se vislumbra na sugestão que segue.
Governança consumerista
MARIA INÊS DOLCI
FOLHA DE SP
O conceito de governança consumerista é para que as empresas alinhem seus interesses aos dos clientes
Governança corporativa tem mais a ver com as relações de consumo do que se possa imaginar. É uma gestão em que os interesses dos acionistas e dos executivos estão alinhados, com transparência em todos os processos.
Ser destacada pela governança corporativa, consequentemente, fortalece a reputação de qualquer empresa.
Proponho, então, um repto: o conceito de governança consumerista (do consumidor), a fim de que as empresas alinhem seus legítimos interesses -lucro, crescimento, aquisições, conquista de mercados- aos do cliente final, que compra seus produtos e serviços.
Não há nenhum obstáculo nessas visões. O que é bom para as relações de consumo, sem dúvida, faz muito bem aos negócios. É possível ter saúde financeira e atender aos desejos dos compradores. Mais ainda, só assim as relações de consumo terão um ponto de equilíbrio.
Um bom exemplo seria a segurança veicular. Os veículos fabricados no Brasil estão bem longe de ter os atributos de segurança de seus congêneres europeus. Por que, se os fabricantes são praticamente os mesmos? Porque, até agora, o brasileiro foi subestimado pela indústria automotiva. Nossas vidas valem menos do que as deles?
Já que é viável fabricar e vender um carro com freio ABS e air bag na Europa, também poderiam fazê-lo aqui. Aliás, serão obrigados a isso, por determinação do Conselho Nacional de Trânsito, até 2014, em diversas etapas, uma conquista da qual a instituição na qual atuo participou ativamente.
A indústria de bebidas não age de forma diferente. Firmou, recentemente, acordo com o Ministério Público Federal para reduzir o nível de benzeno -substância cancerígena encontrada em alguns refrigerantes. Por que tiveram de esperar a pressão do MPF?
A propósito, ainda aguardamos que a Justiça reconsidere a suspensão da resolução nº 24 da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), que limitava a publicidade de alimentos e de bebidas não alcoólicas. E que também obrigava os fabricantes a veicular alertas sobre os efeitos do sal, do açúcar e da gordura em relação a doenças cardiovasculares, ao diabetes etc.
Duvido que não seja possível fabricar alimentos mais saudáveis. E isso é urgente, porque os idosos já representam 10,8% da população brasileira, de acordo com o mais recente censo do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Nessa faixa etária, não são incomuns problemas de saúde crônicos agravados pelo consumo desse "trio" de substâncias nada saudável.
Quando ouço argumentos econômico-financeiros para defender a venda de cigarros -agricultores, empregados na indústria, no comércio etc.-, lembro dos que vaticinavam grandes perdas para o Brasil com o fim da escravatura, no final do século 19.
Com o crescimento das redes sociais, as empresas já sofrem marcação cerrada em relação a suas práticas. E isso vai se tornar ainda mais relevante. Não há mais como esconder atos nocivos à saúde e ao bolso de milhões de pessoas. Quem tentar pagará caro.
A solução é mudar o pensamento e investir para modificar o que afeta negativamente o consumidor. Oferecer, por exemplo, uma banda larga que tenha velocidade compatível ao uso intenso da internet, e não as tartarugas que carregam dados a preços dilatados.
Uma atividade que deslanchou recentemente -as compras coletivas pela internet- já consegue irritar os clientes. O leitor Daniel Baracho é um exemplo. Ele cancelou a aquisição de celular (arrependimento dentro do prazo de uma semana para compras virtuais) e em 20 dias ainda não havia recebido o estorno do pagamento pelo Groupon.
Como disse o juiz Flávio Citro Vieira de Mello, do 2º Juizado Especial Cível, ao jornal "O Globo", "é preciso acabar com a estratégia das empresas de lesar no atacado e indenizar no varejo".
A governança consumerista, portanto, urge. E ela deveria estar na cabeça não somente dos empresários, mas dos legisladores, dos juízes e das autoridades do Executivo.
MARIA INÊS DOLCI, 57, advogada formada pela USP com especialização em business, é especialista em direito do consumidor e coordenadora institucional da ProTeste Associação de Consumidores.
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