segunda-feira, 28 de novembro de 2011

'Quem mais ganha é a classe política'


O Globo

Sociólogo, Herbert Martins diz que criar estados não reduz desigualdades; solução é equilibrar distribuição de verbas

A divisão do Pará para a criação dos estados de Tapajós e Carajás é um jogo de interesses de elites regionais. A medida mais simples e menos onerosa para levar o desenvolvimento a essas duas regiões é a distribuição de forma mais equilibrada dos recursos pelo governo estadual. A avaliação é do sociólogo Herbert Toledo Martins, autor da tese "A fragmentação do território nacional", . Ele contesta o argumento que o crescimento econômico e social para essas áreas do Pará somente virá com o desmembramento do estado. No próximo dia 11, um plebiscito definirá se haverá ou não separação.

O senhor tem uma visão histórica sobre o processo de divisão territorial do Brasil. Em que esse estudo contribui para o debate sobre a criação de mais dois estados: Carajás e Tapajós?

HERBERT TOLEDO MARTINS: Acho que nessa questão o passado lança luz sobre o presente. Esse trabalho mostrou que criar províncias no Brasil nos tempos do Império ou estados no período republicano sempre foi um jogo de interesses entre elites regionais e o governo central. É um acordo. Essas criações acabaram sempre fortalecendo o poder central, porque é um estado novo, carente de recursos e que fica a reboque do poder central. O caso do Pará não é diferente. Há interesses políticos de elites regionais que se sentem deslocadas do desenvolvimento.

Um dos argumentos para o desmembramento do Pará é o desenvolvimento de regiões.

MARTINS: Esse é um jogo de retórica porque não temos dados para comprovar que só terá desenvolvimento se for criado o estado. É claro que, quando se cria um estado, o desenvolvimento econômico e social acontece. Tocantins melhorou, sem sombra de dúvida, a vida daquela população. A região tinha 0% de rede de esgoto e hoje na capital, pelo menos, você tem esgoto, água encanada e asfalto. A discussão é o quanto custou.

Martins: não se falou do impacto ambiental

E a questão de aumento dos gastos públicos?

MARTINS: Eu me pergunto se não ficaria mais barato o governo local distribuir os recursos de forma mais equilibrada entre as regiões. Por que Tocantins quis se separar de Goiás? Porque as elites regionais se sentiam excluídas dos processos de desenvolvimento. O dinheiro ia todo para o Sul de Goiás e sobravam migalhas para o Norte. É preciso entender que quem mais ganha com isso é a classe política. Goiás perdeu território, mas nem por isso a bancada federal de parlamentares foi diminuída. Ela foi mantida e ainda criada a do Tocantins. Até hoje não sabemos quanto custou a criação do Tocantins. Mais do que isso me preocupa nesse debate da divisão do Pará o fato de que pouco se falou do impacto ecológico. Criar duas novas máquinas administrativas, com sedes, secretarias, poderes Legislativo e Judiciário. Imagina o impacto disso sobre a floresta amazônica.

Pela primeira vez na história brasileira haverá um plebiscito para discutir a criação de um estado. Há duas campanhas em curso, mas que trabalham em condições bastante diferentes. A que defende a separação tem muito mais dinheiro do que a que prega a unidade do território. Isso pode comprometer a isonomia do processo?

MARTINS: Não tenho dúvida de que o poder econômico vai falar mais alto. O plebiscito, a priori, dá uma fachada de democracia, de que estamos promovendo um debate com a sociedade, mas nós sabemos como a política brasileira é fisiológica e como o povo vai na valsa. Imagina o apelo emocional que existe nessas campanhas. Esse plebiscito, na verdade, é uma disputa eleitoral.

Um caminho viável para reduzir as desigualdades entre estados, então, não está num rearranjo territorial mas político?

MARTINS: Sinceramente eu não acredito, depois de tudo que li, numa redivisão territorial brasileira. Ela vai acontecer do jeito que está acontecendo, ou seja, momentânea, conjuntural, aqui e ali, conforme o andar da carruagem. Não acredito que as elites dominantes deixem seus interesses de lado e digam que a configuração geográfica está ruim e façam uma nova pensando no desenvolvimento econômico e social. Perder território é perder poder. Eu vejo como caminho uma reforma política que equilibre melhor a representação no Congresso. Um voto de um deputado do Pará vale mais que o voto de um deputado de São Paulo. Essa é a divisão que temos hoje e ela foi definida na Constituição de 1823. Na época, ocorreram debates sobre a possibilidade de uma nova redivisão, mas venceu os interesses de São Paulo, Minas Gerais, Bahia e Pernambuco, que defenderam a manutenção de seus territórios. E isso dura até o dia de hoje.
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