O Vaso Partido
.Maria Helena Rubinato
Estou segura que já comentei aqui um poema que li quando adolescente e que muito me impressionou. Talvez alguém se lembre, não sei. Mas se assim for, não tem importância, é um magnífico poema sobre a morte de um sentimento.
O poeta o escreveu para comparar um coração que trincou a um jarro de cristal que recebeu um leve golpe dado por um leque em mão distraída: o trincado aumenta sem que ninguém perceba e a água vai fluindo pouco a pouco, gota a gota, as flores murcham, perdem a seiva, morrem.
Muitas vezes a mão que amamos esbarra em nosso coração de mau jeito e o machuca. O coração vai se partindo aos poucos, aos olhos de todos à nossa volta está intacto, mas a fenda fina e profunda só faz crescer e a flor do amor fenece.
Está partido. Melhor não tocar. Deixá-lo estar calado e quieto até morrer.
Já desisti de compreender os meandros de minha mente, de minha imaginação, de onde surgem certas imagens, o que provoca esta ou aquela recordação. Sei lá, não sei, sei lá não sei não, como diz outro poema magnífico, esse do grande Paulinho da Viola. O fato é que os tristes fatos desta semana trouxeram à minha memória os versos de “O Vaso Partido”.
Amo o Brasil. Às vezes amo tanto que até odeio. Quando estou longe, amo de paixão, quando estou aqui, há dias de muito amor, outros de grande raiva. Ou seja, é tudo a mesma coisa: um forte sentimento pela terra onde nasci, minha língua é minha pátria, aqui nasci, aqui cresci, aqui pari e aqui quero ser enterrada. É a minha terra. É o meu país.
O que aconteceu? É simples. O continente, o jarro, o coração que abriga um conteúdo de tanto sentimento foi machucado muitas vezes, nunca como agora: desta vez a estocada foi mais fundo. Desta vez o florete atingiu a alma do coração de um cidadão: a confiança.
Quando entregamos nossos dados ao Governo Federal, e a Receita é parte essencial do Governo Federal, nós o fazemos na certeza que dali, de dentro do sacrossanto recinto daquela instituição, não sairá um suspiro, um filete que seja de informação sobre nossas vidas.
O que aconteceu com Verônica Serra é inominável. Imperdoável e sem justificativa alguma. Não me venham com argumentos infundados, ela fez isso, ou fez aquilo, foi sócia de A ou B. E daí? Se nessa sociedade havia alguma coisa de errado ou criminoso, o governo já deveria ter tomado as providências cabíveis.
Que nunca seriam, imagino eu, contratar um Atella portador de uma procuração falsa para fuxicar a vida da filha do opositor da escolhida para encabeçar o terceiro mandato de Lula.
Não há, repito, justificativa alguma para isso. A simples menção de que possa ter sido uma “armação” do candidato do PSDB é revoltante. Só pode sair da cabeça de quem não sabe o que é amar um filho.
Posso acreditar muitas coisas sobre José Serra, em tempo de guerra, mentira é como terra. Mas desde sempre se soube que ele ama apaixonadamente sua filha e seus netos: jamais usaria a filha para um serviço tão sujo.
Essa é a versão dos que não se incomodam de pisar no pescoço de suas mães pelo poder, pelo bem aventurado poder, pela caneta cheia de tinta, que tudo pode.
Confiança, é disso que se trata. O vaso se partiu e eu perdi a confiança, inteiramente, em nossas instituições. Nossas vidas podem estar agora nas mãos de todo tipo de bandidos.
De todo tipo não é exagero, não. Seqüestradores, assaltantes, ladrões, criminosos soltos ou hospedados nas extraordinárias casas de detenção deste esquizofrênico sistema penal brasileiro, ora crudelíssimo, ora a personificação da generosidade.
Francamente, quem, depois do triste espetáculo que vimos esta semana, vai confiar na seriedade do Governo Federal?
Digamos, para dar uma chance ao Governo, que eles não soubessem de nada. Ficaram tão surpresos e indignados quanto qualquer um de nós. Mas você que me lê, diga lá, acreditou em uma sílaba sequer do que o Atella disse à Imprensa? Ou no que o senhor Cartaxo disse? Ou no que o senhor Mantega disse?
Ou no que o presidente Lula disse? Quer dizer, o que foi que o Lula disse a respeito do Atella e suas maquinações? Será que ele já telefonou para o Serra se solidarizando como pai e dando a ele, como Chefe de Estado, a garantia de que tudo será rapidamente esclarecido?
Será que alguma dessas sumidades já se deu conta que o vaso dessa vez sofreu um trincado de grandes proporções e que a confiança já começou a refluir? Será que isso não os preocupa nem um pouquinho? Será que não têm medo de nada?
* Le Vase Brisé, de Sully Prudhomme, (1839/1907), publicado no livro Stances et Poèmes (1865).
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É, este poema da o que pensar! Sobre todos os nossos políticos, eles estão ficando cada vez mais abusados e insolentes. Pois dizem o que querem e fazem o que querem, pois sabem que tem um povo que ainda são 30% politizados, eles pintam e bordam, e porque? Porque sabem que serão eleitos. Com todo tipo de "maracutaia", esta última palavra é do dicionário dos que já foram eleitos um dia.
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