Este professor chamou minha atenção ao ser demitido por Lula logo no início do primeiro mandato. Ao pesquisar descrobri um intelectual muito preparado, contudo, muito preocupado em redução de desigualdade por intermédio de ampliar o acesso à produção de pequenas e médias empresas, o mesmo foi subtraído da função por fazer, exatamente, o que Lula prometera na campanha e em toda sua vida política antes de eleger-se. Ali via-se o que era fato da ficção.
Após sua saída poucos foram seus pronunciamentos e este é um de densidade e de qualidade que vale a pena ler, reler e guardar. Surigo, inclusive, que toda vez que este senhor aparecer na televisão ou escrever algo, assistam e leiam, pois sairão ganhando em cultura.
A 3ª revolução industrial ainda não está à vista
Carlos Lessa - Valor Econômico - 04/11/2010
A versão realista de desenvolvimento socioeconômico sustentável se orienta para uma era cuja economia, produção industrial e vida social sejam baseadas na baixa emissão de carbono. Fórmulas tecnológicas que reduzam o desperdício de energia obtida de carbono, modos de vida que reduzam o consumo de energia, busca de combustíveis renováveis como o etanol de cana de açúcar e o aproveitamento de outras formas de energia, a exemplo do vento e das marés.
É previsível uma intensificação retórica sobre a necessidade de reduzir a emissão de carbono, seja pelo fantasma do aquecimento global, seja pela redução das reservas de combustíveis fósseis de carbono. A periferia dessa retórica, por exemplo, preconiza o automóvel elétrico e a redução de viagens urbanas diárias por habitante, principalmente na prestação de serviços onde é possível a divisão de trabalho mantendo-se o pessoal trabalhando, com os instrumentos de informática, em sua própria residência. Cadeias de serviços complexos podem ser "residencializados". O uso de rede de computadores permite a diminuição de movimentos, alterando a logística, de modo a reduzir o consumo de carbono na movimentação de pessoas e mercadorias.
Essa nova era exige uma 3ª Revolução Industrial e provocará, em escala ciclópica, a destruição das atuais bases produtivas e equipamentos domésticos. Schumpeter falou da destruição criadora como o modo histórico de evolução, em longo prazo, do sistema capitalista. É inquestionável a vantagem para a humanidade dessa 3ª revolução, que ampliará a sustentabilidade do homem a partir da organização social do consumo de baixo carbono. Obviamente, não será extinta a necessidade de combustível fóssil de carbono; continuarão sendo necessários petróleo, gás e carvão. O que a 3ª revolução industrial fará é reduzir a participação da energia fóssil no produto mundial.
Enquanto houver rentabilidade nas forças produtivas estruturadas pela 2ª revolução industrial, não estará aberto o caminho para a "destruição criadora". Itens periféricos poderão ser desenvolvidos, desde a rápida introdução de novas e mais eficientes formas de troca de calor até a reciclagem do lixo. O desperdício do descartado pela reciclagem reduz o consumo energético em um amplo espectro de itens obteníveis na "mineração" do descartado pela sociedade afluente. Isso é admissível e integrável nas bases da 2ª revolução industrial. Porém, pense o leitor qual seria a reação empresarial à sugestão de incorporar na produção fórmulas que aumentem a durabilidade dos produtos. Toda a lógica da 2ª revolução foi converter o durável em descartável: a joia, o relógio, a caneta e o isqueiro são exemplos. Imaginem aumentar a durabilidade, por exemplo, dos tecidos (até o século XVIII, as roupas de um personagem, quando falecido, faziam parte do seu inventário). Quando os hippies passaram a valorizar as roupas jeans usadas e descartadas, surgiu a estratégia de reproduzir, industrialmente, o aspecto "gasto", para a venda da nova "moda hippie".
O sistema capitalista resistirá de todos os meios e formas à introdução em massa dos procedimentos do baixo consumo de carbono. O único argumento que aceitará será o preço explosivo que irão assumindo todos os energéticos de carbono fóssil. Como ensinou David Ricardo, nada melhor do que dispor de uma fonte energética de petróleo que possa ser extraído a custos mais baixos do que os futuros custos de extraí-los de areias betuminosas, xistos betuminosos com petróleo oxidado, jazidas localizadas em zonas de mais difícil acesso.
O petróleo do pré-sal brasileiro será, cada vez mais, beneficiado por uma renda do tipo ricardiano, pois saberemos nós, brasileiros, reduzir os custos de produção do pré-sal e veremos o preço do petróleo subir para as alturas em função de sua crescente escassez. Melhor que ouro é petróleo cubado e disponível para a economia brasileira, que poderá evoluir suas forças produtivas utilizando essa energia para trabalho e renda dos brasileiros. Nada é pior, do ponto de vista estratégico, do que converter o Brasil em exportador de petróleo cru. Nada melhor que desenvolver as estruturas produtivas da 2ª revolução industrial civilizando-as com o tempero da durabilidade. O Brasil necessita se industrializar, pois 80% de nossa população é urbana e 50% é metropolitana. É um erro ecológico propor que o Brasil seja o "celeiro do mundo". O gado precisa do desmatamento para dispor de capim; o grão também exige a liquidação dos cerrados. Se a esse erro, que faz do Brasil um pífio exportador de produtos industriais, viermos a agregar a situação de exportador de petróleo cru, estaremos optando por um desastre e mergulhando na maldição dos países petroleiros quando se aproxima o esgotamento de seu "ouro negro". A Indonésia exportou a US$ 2 o barril de petróleo e, hoje, o importa a quase US$ 100; o México depredou suas reservas e Dubai foi à falência. Não farei referência à doença holandesa, porém, com o dólar hipervalorizado, vai ser difícil o Brasil produzir componentes industriais.
Acompanhei de perto os debates da sucessão presidencial. Não consegui perceber qual o projeto nacional brasileiro. Tudo indica que, pela ausência de referências ao desenvolvimento industrial, se converge para a ideia de que o Brasil poderá se desenvolver como "celeiro do mundo". Sobre o pré-sal, Dilma afirmou que "assim como o café financiou a industrialização brasileira, o petróleo do pré-sal pode financiar a transição do Brasil para uma economia com menor emissão de carbono" (Rumos, jul/ago 2010). Li, no mesmo veículo, que Serra sugere transformar o Brasil em uma verdadeira "potência ambiental", o que supõe o destino brasileiro como fornecedor de etanol. Marina acompanha essa sugestão.
O Brasil, como "celeiro do mundo", fornecedor de petróleo de alta qualidade e fortalecendo o plantio de cana-de-açúcar, não tem, nesse debate, lugar para o robustecimento da indústria, que é o setor gerador de emprego e renda de qualidade.
É previsível uma intensificação retórica sobre a necessidade de reduzir a emissão de carbono, seja pelo fantasma do aquecimento global, seja pela redução das reservas de combustíveis fósseis de carbono. A periferia dessa retórica, por exemplo, preconiza o automóvel elétrico e a redução de viagens urbanas diárias por habitante, principalmente na prestação de serviços onde é possível a divisão de trabalho mantendo-se o pessoal trabalhando, com os instrumentos de informática, em sua própria residência. Cadeias de serviços complexos podem ser "residencializados". O uso de rede de computadores permite a diminuição de movimentos, alterando a logística, de modo a reduzir o consumo de carbono na movimentação de pessoas e mercadorias.
Essa nova era exige uma 3ª Revolução Industrial e provocará, em escala ciclópica, a destruição das atuais bases produtivas e equipamentos domésticos. Schumpeter falou da destruição criadora como o modo histórico de evolução, em longo prazo, do sistema capitalista. É inquestionável a vantagem para a humanidade dessa 3ª revolução, que ampliará a sustentabilidade do homem a partir da organização social do consumo de baixo carbono. Obviamente, não será extinta a necessidade de combustível fóssil de carbono; continuarão sendo necessários petróleo, gás e carvão. O que a 3ª revolução industrial fará é reduzir a participação da energia fóssil no produto mundial.
Enquanto houver rentabilidade nas forças produtivas estruturadas pela 2ª revolução industrial, não estará aberto o caminho para a "destruição criadora". Itens periféricos poderão ser desenvolvidos, desde a rápida introdução de novas e mais eficientes formas de troca de calor até a reciclagem do lixo. O desperdício do descartado pela reciclagem reduz o consumo energético em um amplo espectro de itens obteníveis na "mineração" do descartado pela sociedade afluente. Isso é admissível e integrável nas bases da 2ª revolução industrial. Porém, pense o leitor qual seria a reação empresarial à sugestão de incorporar na produção fórmulas que aumentem a durabilidade dos produtos. Toda a lógica da 2ª revolução foi converter o durável em descartável: a joia, o relógio, a caneta e o isqueiro são exemplos. Imaginem aumentar a durabilidade, por exemplo, dos tecidos (até o século XVIII, as roupas de um personagem, quando falecido, faziam parte do seu inventário). Quando os hippies passaram a valorizar as roupas jeans usadas e descartadas, surgiu a estratégia de reproduzir, industrialmente, o aspecto "gasto", para a venda da nova "moda hippie".
O sistema capitalista resistirá de todos os meios e formas à introdução em massa dos procedimentos do baixo consumo de carbono. O único argumento que aceitará será o preço explosivo que irão assumindo todos os energéticos de carbono fóssil. Como ensinou David Ricardo, nada melhor do que dispor de uma fonte energética de petróleo que possa ser extraído a custos mais baixos do que os futuros custos de extraí-los de areias betuminosas, xistos betuminosos com petróleo oxidado, jazidas localizadas em zonas de mais difícil acesso.
O petróleo do pré-sal brasileiro será, cada vez mais, beneficiado por uma renda do tipo ricardiano, pois saberemos nós, brasileiros, reduzir os custos de produção do pré-sal e veremos o preço do petróleo subir para as alturas em função de sua crescente escassez. Melhor que ouro é petróleo cubado e disponível para a economia brasileira, que poderá evoluir suas forças produtivas utilizando essa energia para trabalho e renda dos brasileiros. Nada é pior, do ponto de vista estratégico, do que converter o Brasil em exportador de petróleo cru. Nada melhor que desenvolver as estruturas produtivas da 2ª revolução industrial civilizando-as com o tempero da durabilidade. O Brasil necessita se industrializar, pois 80% de nossa população é urbana e 50% é metropolitana. É um erro ecológico propor que o Brasil seja o "celeiro do mundo". O gado precisa do desmatamento para dispor de capim; o grão também exige a liquidação dos cerrados. Se a esse erro, que faz do Brasil um pífio exportador de produtos industriais, viermos a agregar a situação de exportador de petróleo cru, estaremos optando por um desastre e mergulhando na maldição dos países petroleiros quando se aproxima o esgotamento de seu "ouro negro". A Indonésia exportou a US$ 2 o barril de petróleo e, hoje, o importa a quase US$ 100; o México depredou suas reservas e Dubai foi à falência. Não farei referência à doença holandesa, porém, com o dólar hipervalorizado, vai ser difícil o Brasil produzir componentes industriais.
Acompanhei de perto os debates da sucessão presidencial. Não consegui perceber qual o projeto nacional brasileiro. Tudo indica que, pela ausência de referências ao desenvolvimento industrial, se converge para a ideia de que o Brasil poderá se desenvolver como "celeiro do mundo". Sobre o pré-sal, Dilma afirmou que "assim como o café financiou a industrialização brasileira, o petróleo do pré-sal pode financiar a transição do Brasil para uma economia com menor emissão de carbono" (Rumos, jul/ago 2010). Li, no mesmo veículo, que Serra sugere transformar o Brasil em uma verdadeira "potência ambiental", o que supõe o destino brasileiro como fornecedor de etanol. Marina acompanha essa sugestão.
O Brasil, como "celeiro do mundo", fornecedor de petróleo de alta qualidade e fortalecendo o plantio de cana-de-açúcar, não tem, nesse debate, lugar para o robustecimento da indústria, que é o setor gerador de emprego e renda de qualidade.
Carlos Francisco Theodoro Machado Ribeiro de Lessa é professor emérito de economia brasileira e ex-reitor da UFRJ. Foi presidente do BNDES..
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