FOLHA DE SÃO PAULO - 21/11/10
Viajar era assim: você já se sentia importante ao pegar a passagem, pois ela vinha em envelope de camurça
VIAJAR JÁ FOI FÁCIL - e muito confortável. Era assim: você ligava para a companhia de aviação, era atendida por um ser humano muito gentil, dizia para onde queria ir e em que data.
Não era preciso pesquisar preços, pois eram todos os mesmos. Você ia pegar a passagem na loja e já se sentia muito importante, pois não era, como agora, como um tíquete de supermercado: vinha num envelope de camurça. Se quisesse trocar a data da ida ou da volta, era só telefonar, quantas vezes fosse, e sem pagar um centavo a mais.
A viagem era longa, mas era um luxo: havia sempre alguém que ajudava você com a bagagem de mão, as comissárias de bordo eram lindas e gentilíssimas, e os passageiros ainda ganhavam uma caixa de chocolates suíços e uma caneta - ah, era bem bom.
Viagem tinha a ver com aventura. Quando chegava, você pegava um táxi e ia parando de hotel em hotel, vendo se tinha lugar - sempre tinha. Se estivesse em Paris e resolvesse fazer uma escapada rápida de fim de semana, ia direto para o aeroporto, sem precisar reservar, e conseguia. Se não tivesse lugar no avião para onde pretendia ir, mudava de direção, e tudo dava certo.
Afinal, se a ideia era ir para Londres e acabava parando em Roma, não chegava a ser uma tragédia. Adiava-se a volta sete, dez vezes, e as tragédias eram só duas: o excesso de peso (eram 20 quilos por pessoa) e a alfândega.
Era aquele choro na hora do check-in: "por favor, são só 19 quilos a mais, o avião não vai cair por causa disso, meu dinheiro acabou, por favor, por favor" - e sempre funcionava. Como a alfândega abria todas as malas, era preciso tirar todas as etiquetas de todas as camisetas; quem não fizesse isso tinha que pagar impostos. Duros tempos, mas era bem bom.
O mais seguro era levar travellers (em dólares), olha que coisa antiga. Era de praxe trazer na bagagem um potinho de mostarda de Dijon e dois ou três queijos, que faziam sempre grande sucesso com os amigos. Também se usava contar a viagem, mostrar fotos e programas de teatros e exposições, coisas que ninguém faz mais - acho. Em compensação, não havia milhas, nem cartões de crédito, nem euros, e de país em país se ia trocando de moeda.
Mas as coisas mudaram: outro dia, uma amiga me contou que estava indo. Disse o dia da ida, o da volta, o nome dos hotéis (se desistisse, uma diária seria cobrada), os restaurantes a que ia - já sabendo o que devia comer -, os concertos, shows, museus, tudo reservado pela internet e já pago no cartão.
Estava levando o notebook, para ficar on-line, o celular (mais o carregador e as tomadas para os diversos países) - o roaming já estava feito. Na agenda, com tantos compromissos, não sobrava uma mísera horinha para fazer o que há de melhor, quando se viaja, isto é: nada.
Mas tem mesmo de tudo: conheço uma moça que só viaja pela Emirates. Se quer ir para Paris, Londres ou Nova York, compra uma suíte - é, suíte no avião - na primeira classe, com armário para os casacos, minibar e TV de 23 polegadas com 600 canais, faz uma escala em Dubai e de lá toma outro avião que a leva para onde quer. É caro mas vale e, além disso, ela pensa no futuro: quem sabe não conhece um milionário na viagem?
PS: A Oi ainda não resolveu meu problema.
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