segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Meritocracia no serviço público

Premiar pelo mérito é tendência inexorável do serviço público, diz Fichtner

RODRIGO RÖTZSCH
Folha.com.br

Na segunda parte de sua entrevista à Folha, o senador Regis Fichtner defende o modelo de gestão com estipulação de metas e premiação a seu cumprimento que implementou no governo do Rio.

Ele saúda a Olimpíada de 2016 por juntar a "fome com a vontade de comer", ao obrigar o Estado a concluir obras de infraestrutura, e revela a expectativa de que Luiz Inácio Lula da Silva ou Dilma Rousseff vetem a lei que retira recursos da exploração de pré-sal do Rio.

"Nenhum presidente com um mínimo de responsabilidade quebraria o Rio", diz.

FOLHA - O sr. está à frente do projeto de melhorar a gestão do governo fluminense. O que funcionou disso no primeiro mandato e quais as melhorias que o sr. pretende implementar para o novo governo?
REGIS FICHTNER - Eu acho que o principal legado é que a gente está conseguindo imprimir uma mentalidade de metas aqui no Estado. Nós estamos conseguindo imprimir a gestão por resultados, você medir a consequência das coisas que você faz e colocar metas para os servidores. A gente começou lá na Secretaria de Fazenda colocando metas para os fiscais de aumento de arrecadação por setor, negociando essas metas. Começamos com metas na Secretaria de Planejamento e Gestão de redução de despesas, que também conseguimos atingir.

Mas a grande novidade foi esse tipo de gestão na área de segurança pública. Nós dividimos o Estado inteiro em regiões integradas de segurança pública (Risps). Cada região dessa tem um batalhão e uma ou mais delegacias. O primeiro que a gente fez foi uniformizar as regiões. Antes da gente tinha um batalhão que às vezes pegava uma parte de uma delegacia, uma parte de outra. Nós fizemos coincidir geograficamente as áreas de influência dos batalhões com as delegacias, e chamamos os comandantes e chefes de delegacia de cada área e negociamos com eles metas de diminuição de quatro tipos de crime que definimos como prioritários: homicídios, roubos de veículos, o que a gente chamou de roubo de rua e latrocínio. Então colocamos metas, e quem atinge essas metas em cada semestre, todos os policiais que estão lotados naquele batalhão e naquela delegacia da área que atingiu a meta recebem uma gratificação por isso.

FOLHA - E quem é responsável por verificar a veracidade das estatísticas de cada área?
FICHTNER - O ISP controla isso, e nós não temos problema com isso. Não estamos detectando que possa estar ocorrendo alguma subnotificação.
E isso já está funcionando, já está trazendo frutos, tanto que nossos índices de criminalidade têm caído muito.

Nós temos dois grandes projetos na área de segurança: é a UPP, que é a retomada de territórios em locais específicos do Estado, e o sistema de metas de redução de índices de criminalidade, que vale no Estado inteiro. Os resultados estão aparecendo desse trabalho.

Até porque antigamente você nomeava um comandante ou um chefe de polícia e não media o que ele fazia. Ele trabalhava lá, fazendo ou não fazendo ele tinha o mesmo tratamento. Esse sistema de metas também serve para a seleção dos comandantes e chefes de polícia. Quem seguidamente não alcança as metas e não mostra disposição em correr atrás perde o comando. Isso é muito importante, a despolitização da nomeação dos comandantes. Somente é comandante de batalhão ou chefe de polícia quem dá resultado para o Estado.

FOLHA - Poucos contestam o funcionamento das UPPs na comunidade onde são instaladas, mas existe uma preocupação com o que seriam os efeitos colaterais delas, de crimes se deslocando para o asfalto.
FICHTNER - Isso é uma ideia que se propaga, mas é uma falsa ideia. Os índices estão mostrando isso. O local onde mais caiu a taxa de homicídio e roubos de veículos no Estado foi a área do 9º batalhão, do Complexo do Alemão e da Penha, que não têm UPP lá. Pelo contrário, todo mundo disse que está migrando para lá, mas não aconteceu isso. Os números não estão mostrando isso.

E agora a gente está levando para a área de educação o mesmo sistema de metas de resultado. Estamos estudando e vamos fazer.

FOLHA - Vocês esperam algum tipo de contestação das associações de classe?
FICHTNER - Você premiar pelo mérito, você buscar o mérito no serviço público, acho que é uma tendência quase inexorável. Quem quer ter sucesso na administração primeiro tem que ter meta e medir o resultado; e segundo, premiar quem atinge o resultado. Eu não vejo outro caminho que não seja esse.

Isso é da natureza humana, se tem alguém olhando para você, vendo o que você está fazendo, qual é o resultado, você age de uma forma; se não tem ninguém dando bola para você, você acaba relaxando. Isso não é no serviço público, é nas empresas, em qualquer lugar. Você deixa a pessoa lá e nunca mais cobra nada dele, com o passar do tempo ele vai se acomodando e larga tudo para lá.

FOLHA - E passada a segurança e a educação, a ideia é ampliar isso para outras áreas? Saúde, por exemplo?
FICHTNER - Cada área do governo tem a sua lógica, mas a gente pretende levar essa cultura de olhar os indicadores, ter metas, para o Estado inteiro.

FOLHA - Existe algum temor de que a relação com o governo federal possa retroceder no próximo governo, principalmente por causa da questão da disputa do marco regulatório do pré-sal, que tem interesses divergentes em jogo?
FICHTNER - Não. A gente tinha feito um bom acordo com o governo federal em relação ao pré-sal que foi espelhada no relatório do deputado Henrique Eduardo Alves [PMDB-RN]. O relatório que ele apresentou para ser votado na Câmara foi fruto de uma grande negociação com o governador, com líderes do Congresso, com o presidente Lula, com os ministros principais. Quando o relatório chegou no Congresso veio aquela maluquice da emenda Ibsen, um revertério, um estouro de boiada, ninguém entendeu nada. O Congresso jogou fora o acordo e votou uma emenda que é totalmente absurda. Mas o governo nunca abraçou essa ideia de tirar compensação dos Estados.

Nós não temos por parte do governo federal nenhum indicativo de que se vá deixar o Rio sem a sua compensação devida, mínima, dentro do que a gente negociou. Nós vamos perder um pouco, mas vai ser uma coisa razoável.

FOLHA - Mas prevalecendo no Senado essa aprovação do Congresso, vocês esperam que o presidente Lula ou a presidente Dilma Rousseff vetem essa mudança?
FICHTNER - O que está se trabalhando hoje é deixar isso para o próximo governo. Se acontecer de o Senado e a Câmara votarem, é um compromisso do presidente vetar. E ele vai manter esse compromisso. Porque não pode chegar e quebrar o Rio de Janeiro. Nenhum presidente com um mínimo de responsabilidade faria isso. Porque a emenda Ibsen nos quebra totalmente. Imagina você tirar de um Estado recursos da ordem de R$ 4 bilhões, R$ 5 bilhões por ano. Acho que ninguém faria isso.

FOLHA - Existe uma visão de que o Pan-Americano não deixou para a cidade do Rio de Janeiro o legado que poderia deixar. Como o governo está trabalhando para que isso não se repita na Olimpíada?
FICHTNER - Qual foi o grande equívoco do Pan-Americano, por parte do então prefeito Cesar Maia? Ele quis fazer o bloco do eu sozinho. O governo Rosinha não ajudava em nada, o governo federal não tinha diálogo com ele. O que ele conseguiu fazer? Ele conseguiu deixar um legado de estádios. Mas ele não conseguiu fazer nenhuma obra de infraestrutura para a cidade. Por que? Porque ele quis fazer sozinho. E esse mesmo erro nós já não estamos cometendo. E ele quis fazer sozinho até o último momento. Quando nós entramos no governo é que nós olhamos a situação e falamos: não vai sair Pan-Americano. Então o governador conseguiu juntar as partes e acabou o governo federal entrando na última hora, para fazer o mínimo, para fazer bons jogos, mas sem legado para a cidade. Já os Jogos Olímpicos têm um plantel de investimentos para a cidade extraordinários, principalmente na parte de transporte. Então o legado vai ser assim, nós vamos ter um outro Estado e outra cidade em 2016, isso não vai ter a menor dúvida.

A grande vantagem nossa é que tudo que está feito para as Olimpíadas são coisas que o Estado precisa mesmo. Mas agora nós temos um prazo para fazer. Então não tem desculpa. Há uma pressão de tempo e precisamos botar recursos aqui --o governo federal, o governo municipal, a gente. Então hoje o nosso Orçamento está focado naqueles projetos que são essenciais para as Olimpíadas e temos o compromisso do governo federal de botar dinheiro para a gente fazer Olimpíadas à altura do Brasil, do momento que o Brasil vive.

Então é juntar a fome com a vontade de comer, nós vamos antecipar para seis anos coisas que se fariam talvez em 15, 20 aqui no Rio.

FOLHA - Existe uma preocupação de que com todas essas obras acontecendo ao mesmo tempo, que apareçam gargalos, que falte mão de obra?
FICHTNER - Esse é um doce problema. Mas eu prefiro esse do que outros problemas do nosso passado. Nós temos preocupação com isso, mas é um doce problema. Pior é o problema do esvaziamento da década de 80 e 90 que a gente viveu aqui. Agora vamos ter que trabalhar para formar de mão de obra, trabalhar muito para não faltar.

FOLHA - E com esse cenário todo dá para a gente realmente acreditar no que o governador disse, que esse é o canto de cisne dele, que ele vai deixar a política?
FICHTNER - Isso você tem de perguntar para ele. O que eu acho que ele quis dizer é que ele não quer deixar o governo e voltar à área parlamentar, isso é o que ele não quer. Acho que ele quer ter uma outra experiência, não quer voltar a ser senador. Acho que é isso que ele quis dizer.
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