Valor Econômico - 23/11/2010
A área espacial brasileira atravessa uma fase de turbulência, tensão e incertezas provocadas pela perspectiva de mudanças no organograma do setor. O assunto está sendo estudado pela equipe de transição do governo Dilma Rousseff e prevê a criação de uma agência ou secretaria diretamente vinculada ao Palácio do Planalto para articular o programa aeroespacial, hoje fragmentado, como um todo.
Os estudos foram iniciados no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Incluem a área nuclear, que também teria uma agência ou secretaria diretamente vinculada ao Planalto. A vinculação à Defesa é descartada, porque a intenção do governo é ressaltar o caráter civil de ambos os programas. A vinculação ao Planalto é considerada necessária para haver efetivamente um órgão de controle, coordenação e formulação política.
Atualmente, o setor aeroespacial atua de modo disperso, distribuído em vários órgãos de vários ministérios, sendo os principais o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), uma entidade civil, o Departamento de Ciência e Tecnologia da Aeronáutica (DCTA) e a empresa binacional Alcântara Cyclone Space (ACS), resultado de acordo comercial entre o Brasil e a Ucrânia, que funciona nos moldes da Itaipu Binacional.
O PSB, partido no comando do Ministério da Ciência e Tecnologia, ao qual está vinculada a maior parte do setor aeroespacial e nuclear, já foi informado dos estudos. A disputa, no momento, é porque ainda não está claro se o Inpe e o DCTA, por exemplo, vão inteiros para a nova secretaria ou agência, ou apenas em parte. O DCTA, por exemplo, atualmente está submetido à hierarquia militar. Com a mudança em estudos, se ela se efetivar, seria um órgão civil?
A rigor, a função de controle, coordenação e formulação política deveria recair sobre a Agência Especial Brasileira (AEB), mas ela mal funciona como mero repassador dos recursos. Nos últimos 15 anos, a AEB repassou mais de R$ 1,5 bilhão para o Inpe e o DCTA, sem receber, em contrapartida, uma única avaliação de resultados.
Depois de anos de penúria no governo Fernando Henrique Cardoso, especialmente, o dinheiro destinado a essa área tem sido crescente no governo Lula. Para se ter uma ideia, a AEB repassou só para o Inpe, desde 2004 até o mês passado, R$ 1,3 bilhão. O Centro de Lançamento de Alcântara (CLA) é 100% financiado por verba da agência, inclusive parte do custeio (ela deveria se restringir ao investimento), mas só a Aeronáutica não se sente com a obrigação de dar satisfações à agência. No fim, a "AEB finge que fiscaliza e controla e a Aeronáutica finge que presta contas", segundo disse ao Valor um dirigente da agência.
Quando começou, na década de 60, até meados dos anos 70, o programa aeroespacial brasileiro andou na frente de países como a China e a Índia. Depois desse período, não só foi ultrapassado, em muito, pelos dois países, como só conseguiu realizar três tentativas de tornar operacional o seu Veículo Lançador de Satélites (VLS). A última delas, em agosto de 2003, terminou na tragédia da explosão da base de Alcântara e na perda inestimável de cérebros. Aliás, a torre de lançamentos foi reconstruída e será reinaugurada em dezembro - mas não há um foguete pronto para ser lançado, o que só deve acontecer em 2014, e a torre ficará encoberta por uma lona, por causa da salinização da região.
É nesse contexto que entra a ACS acenando com a perspectiva de fazer já em 2014 um lançamento experimental. Numa área que enfrentou a falta de recursos dos anos 90, a empresa entra na praça com capital de R$ 980 milhões, sendo R$ 490 milhões a parte brasileira, dos quais R$ 317,2 milhões já foram integralizados, pelas duas partes. "Com a criação da ACS, não houve a diminuição de nenhum centavo dos recursos repassados ao Programa Espacial Brasileiro", assegura Roberto Amaral, o diretor brasileiro da ACS.
Em um momento de incertezas, sem que o Inpe, DCTA e outros órgãos saibam o que ocorrerá com cada um deles e seus programas, a ACS sabe exatamente o que quer: construir a plataforma (móvel) para o foguete Cyclone-4, um desenvolvimento do Cyclone-3, família com cerca de 200 lançamentos de sucesso pela Ucrânia. É um mercado global estimado em US$ 60 bilhões, para 2018, calculado em US$ 26,8 mil o preço de lançamento por quilo - o Brasil hoje gasta entre US$ 25 milhões e US$ 50 milhões para colocar em órbita seus satélites, a partir de sítios de terceiros.
Dirigentes da ACS atribuem às incertezas do momento boa parte dos questionamentos que passaram a ser feitos sobre a empresa. Há também a questão da concorrência com o VLS, o projeto nacional. Mas os dois lançadores são diferentes, "são duas classes distintas de foguetes, que podem atuar simultaneamente, sem competir um com outro", diz Amaral. O VLS, que voltou à fase de projeto, é um foguete pequeno, para o lançamento de cargas leves. Já o Cyclone-4 é de porte médio para intermediário.
O projeto da ACS era bem mais ambicioso - situado a apenas dois graus da linha do Equador, o município de Alcântara, no Maranhão, permite lançamentos mais baratos ou aumento na capacidade de carga em até 30%. Entre outros, o projeto previa a criação de centros de lançamento com outros países, da China aos EUA, que sempre manifestaram restrições ao fato de o Brasil querer entrar no grupo de oito nações capazes de colocar um satélite em órbita - quem consegue lançar foguete, consegue também lançar uma bomba.
O problema é que o Ministério do Desenvolvimento Agrário decretou "área quilombola" praticamente todo o município de Alcântara e a ACS teve de se abrigar numa pequena área do Centro de Lançamentos de Alcântara, da Aeronáutica. No futuro, deve ganhar nova área, não tão singular quanto Alcântara, provavelmente no Ceará.
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Os estudos foram iniciados no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Incluem a área nuclear, que também teria uma agência ou secretaria diretamente vinculada ao Planalto. A vinculação à Defesa é descartada, porque a intenção do governo é ressaltar o caráter civil de ambos os programas. A vinculação ao Planalto é considerada necessária para haver efetivamente um órgão de controle, coordenação e formulação política.
Atualmente, o setor aeroespacial atua de modo disperso, distribuído em vários órgãos de vários ministérios, sendo os principais o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), uma entidade civil, o Departamento de Ciência e Tecnologia da Aeronáutica (DCTA) e a empresa binacional Alcântara Cyclone Space (ACS), resultado de acordo comercial entre o Brasil e a Ucrânia, que funciona nos moldes da Itaipu Binacional.
O PSB, partido no comando do Ministério da Ciência e Tecnologia, ao qual está vinculada a maior parte do setor aeroespacial e nuclear, já foi informado dos estudos. A disputa, no momento, é porque ainda não está claro se o Inpe e o DCTA, por exemplo, vão inteiros para a nova secretaria ou agência, ou apenas em parte. O DCTA, por exemplo, atualmente está submetido à hierarquia militar. Com a mudança em estudos, se ela se efetivar, seria um órgão civil?
A rigor, a função de controle, coordenação e formulação política deveria recair sobre a Agência Especial Brasileira (AEB), mas ela mal funciona como mero repassador dos recursos. Nos últimos 15 anos, a AEB repassou mais de R$ 1,5 bilhão para o Inpe e o DCTA, sem receber, em contrapartida, uma única avaliação de resultados.
Depois de anos de penúria no governo Fernando Henrique Cardoso, especialmente, o dinheiro destinado a essa área tem sido crescente no governo Lula. Para se ter uma ideia, a AEB repassou só para o Inpe, desde 2004 até o mês passado, R$ 1,3 bilhão. O Centro de Lançamento de Alcântara (CLA) é 100% financiado por verba da agência, inclusive parte do custeio (ela deveria se restringir ao investimento), mas só a Aeronáutica não se sente com a obrigação de dar satisfações à agência. No fim, a "AEB finge que fiscaliza e controla e a Aeronáutica finge que presta contas", segundo disse ao Valor um dirigente da agência.
Quando começou, na década de 60, até meados dos anos 70, o programa aeroespacial brasileiro andou na frente de países como a China e a Índia. Depois desse período, não só foi ultrapassado, em muito, pelos dois países, como só conseguiu realizar três tentativas de tornar operacional o seu Veículo Lançador de Satélites (VLS). A última delas, em agosto de 2003, terminou na tragédia da explosão da base de Alcântara e na perda inestimável de cérebros. Aliás, a torre de lançamentos foi reconstruída e será reinaugurada em dezembro - mas não há um foguete pronto para ser lançado, o que só deve acontecer em 2014, e a torre ficará encoberta por uma lona, por causa da salinização da região.
É nesse contexto que entra a ACS acenando com a perspectiva de fazer já em 2014 um lançamento experimental. Numa área que enfrentou a falta de recursos dos anos 90, a empresa entra na praça com capital de R$ 980 milhões, sendo R$ 490 milhões a parte brasileira, dos quais R$ 317,2 milhões já foram integralizados, pelas duas partes. "Com a criação da ACS, não houve a diminuição de nenhum centavo dos recursos repassados ao Programa Espacial Brasileiro", assegura Roberto Amaral, o diretor brasileiro da ACS.
Em um momento de incertezas, sem que o Inpe, DCTA e outros órgãos saibam o que ocorrerá com cada um deles e seus programas, a ACS sabe exatamente o que quer: construir a plataforma (móvel) para o foguete Cyclone-4, um desenvolvimento do Cyclone-3, família com cerca de 200 lançamentos de sucesso pela Ucrânia. É um mercado global estimado em US$ 60 bilhões, para 2018, calculado em US$ 26,8 mil o preço de lançamento por quilo - o Brasil hoje gasta entre US$ 25 milhões e US$ 50 milhões para colocar em órbita seus satélites, a partir de sítios de terceiros.
Dirigentes da ACS atribuem às incertezas do momento boa parte dos questionamentos que passaram a ser feitos sobre a empresa. Há também a questão da concorrência com o VLS, o projeto nacional. Mas os dois lançadores são diferentes, "são duas classes distintas de foguetes, que podem atuar simultaneamente, sem competir um com outro", diz Amaral. O VLS, que voltou à fase de projeto, é um foguete pequeno, para o lançamento de cargas leves. Já o Cyclone-4 é de porte médio para intermediário.
O projeto da ACS era bem mais ambicioso - situado a apenas dois graus da linha do Equador, o município de Alcântara, no Maranhão, permite lançamentos mais baratos ou aumento na capacidade de carga em até 30%. Entre outros, o projeto previa a criação de centros de lançamento com outros países, da China aos EUA, que sempre manifestaram restrições ao fato de o Brasil querer entrar no grupo de oito nações capazes de colocar um satélite em órbita - quem consegue lançar foguete, consegue também lançar uma bomba.
O problema é que o Ministério do Desenvolvimento Agrário decretou "área quilombola" praticamente todo o município de Alcântara e a ACS teve de se abrigar numa pequena área do Centro de Lançamentos de Alcântara, da Aeronáutica. No futuro, deve ganhar nova área, não tão singular quanto Alcântara, provavelmente no Ceará.
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