Valor Econômico
Sob pressão da atividade econômica e da população, o clima da terra está aquecendo de forma perigosa. Uma catástrofe de grandes proporções parece estar a caminho se essa tendência não for revertida. Mas essa reversão tem que permitir que os países em desenvolvimento alcancem os padrões de vida dos países desenvolvidos. A esperança é que isso possa ser feito por meio de novas tecnologias que poupem e absorvam os gases de efeito estufa, além de mudanças de estilos de vida que tornem possível um aumento do bem-estar sem a necessidade de tanta emissão de dióxido de carbono, particularmente nos países desenvolvidos, onde as pressões demográficas estão rapidamente diminuindo. Aos custos do envelhecimento populacional e da contenção dos gases de efeito estufa, se somam nos países maduros os custos de dívidas públicas multiplicadas pela crise financeira de 2008-09. A conclusão parece inevitável que, doravante, o crescimento do PIB dos países desenvolvidos deverá ser muito lento.
O problema é que um crescimento mais lento nos países desenvolvidos pode contaminar as perspectivas dos países em desenvolvimento, que têm necessitado dos mercados daqueles países para crescer mais rapidamente. Há de fato uma associação estreita entre as variações do PIB nos países desenvolvidos e em desenvolvimento no curto prazo. Por causa da globalização, todas as economias mundiais tendem a se mover em sincronia. Mas uma coisa é o ciclo, outra a tendência. Na última década, de forma sistemática os países em desenvolvimento têm crescido mais rapidamente do que os países desenvolvidos. De fato, só assim os primeiros podem alcançar os segundos. Exportações crescentes para os países desenvolvidos têm sido uma característica do padrão de crescimento dos países emergentes da Ásia. Mas, doravante, a convergência de níveis de bem-estar tem que ocorrer sem o estímulo de demanda dos países desenvolvidos para os países em desenvolvimento.
Fundamentalmente, altas taxas de crescimento dependem de melhorias institucionais, acumulação de capital, educação e inovação nos próprios países em desenvolvimento. Mercados mais amplos são importantes para obter economias de escala, competição e especialização. Mas o comércio e o investimento entre países em desenvolvimento - alinhando a abundância de mão de obra e a alta poupança da Ásia com os recursos naturais da África e da América Latina, e expandindo a integração intrarregional -, pode ser uma alternativa às exportações para os países desenvolvidos. O mais importante é que os países desenvolvidos repudiem o protecionismo e apoiem o livre fluxo de capitais, ideias e pessoas.
Para facilitar essa mudança de paradigma é preciso que os países em desenvolvimento não fiquem com medo de crescer mais rapidamente por causa da perspectiva de crises de balanço de pagamentos. Possam confiar que as importações crescentes que façam dos países desenvolvidos terão uma contrapartida em fluxos seguros de capital no curto prazo e em exportações adicionais no médio prazo. A sequência da crise mexicana em 1995, asiática em 1997, russa em 1998 e brasileira em 1999 levou os países emergentes a poupar mais, desvalorizar o câmbio, reforçar a orientação para as exportações e acumular amplas e caras reservas internacionais. Parcial como é, a interpretação de que a crise financeira mundial de 2008-09 resultou da abundância da poupança asiática deve muito de sua fama a essa reação.
A economia mundial pode funcionar de acordo com uma lógica econômica distinta daquela das últimas décadas, quando a dominância do dólar tornou-a dependente do consumidor americano. Em vez disso, o crescimento econômico mundial pode tornar-se dependente, do ponto de vista da demanda, do poder crescente de consumo dos países em desenvolvimento. Mas para isso é preciso imaginar um mecanismo financeiro adequado, idealmente na forma de um seguro, estabelecido por tratado internacional, que dê acesso imediato a reservas internacionais, em caso de crises de financiamento externo. Isso permitiria liberar os países emergentes do temor de paradas súbitas da entrada de capitais privados, permitindo que eles gastem mais, de acordo com sua perspectiva de renda de longo prazo.
Esse gasto adicional daria um estímulo para a atividade econômica nos países desenvolvidos e seria consistente com um redirecionamento do crescimento mundial para os países em desenvolvimento.
É nesse contexto que também emerge a necessidade de um acordo internacional para colocar um teto para a emissão de gases de efeito estufa. Desse acordo deveriam participar os principais países desenvolvidos e em desenvolvimento. Ele deveria incluir fortes incentivos para o desenvolvimento de fontes renováveis de energia e de inovações tecnológicas, tanto as que poupem quanto as que absorvam essas emissões. O objetivo é tornar um maior crescimento dos países em desenvolvimento consistente com a preservação do clima mundial e a melhoria da qualidade de vida em todo o planeta.
Edmar L. Bacha é diretor do Instituto de Estudos de Política Econômica "Casa das Garças".
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O problema é que um crescimento mais lento nos países desenvolvidos pode contaminar as perspectivas dos países em desenvolvimento, que têm necessitado dos mercados daqueles países para crescer mais rapidamente. Há de fato uma associação estreita entre as variações do PIB nos países desenvolvidos e em desenvolvimento no curto prazo. Por causa da globalização, todas as economias mundiais tendem a se mover em sincronia. Mas uma coisa é o ciclo, outra a tendência. Na última década, de forma sistemática os países em desenvolvimento têm crescido mais rapidamente do que os países desenvolvidos. De fato, só assim os primeiros podem alcançar os segundos. Exportações crescentes para os países desenvolvidos têm sido uma característica do padrão de crescimento dos países emergentes da Ásia. Mas, doravante, a convergência de níveis de bem-estar tem que ocorrer sem o estímulo de demanda dos países desenvolvidos para os países em desenvolvimento.
Fundamentalmente, altas taxas de crescimento dependem de melhorias institucionais, acumulação de capital, educação e inovação nos próprios países em desenvolvimento. Mercados mais amplos são importantes para obter economias de escala, competição e especialização. Mas o comércio e o investimento entre países em desenvolvimento - alinhando a abundância de mão de obra e a alta poupança da Ásia com os recursos naturais da África e da América Latina, e expandindo a integração intrarregional -, pode ser uma alternativa às exportações para os países desenvolvidos. O mais importante é que os países desenvolvidos repudiem o protecionismo e apoiem o livre fluxo de capitais, ideias e pessoas.
Para facilitar essa mudança de paradigma é preciso que os países em desenvolvimento não fiquem com medo de crescer mais rapidamente por causa da perspectiva de crises de balanço de pagamentos. Possam confiar que as importações crescentes que façam dos países desenvolvidos terão uma contrapartida em fluxos seguros de capital no curto prazo e em exportações adicionais no médio prazo. A sequência da crise mexicana em 1995, asiática em 1997, russa em 1998 e brasileira em 1999 levou os países emergentes a poupar mais, desvalorizar o câmbio, reforçar a orientação para as exportações e acumular amplas e caras reservas internacionais. Parcial como é, a interpretação de que a crise financeira mundial de 2008-09 resultou da abundância da poupança asiática deve muito de sua fama a essa reação.
A economia mundial pode funcionar de acordo com uma lógica econômica distinta daquela das últimas décadas, quando a dominância do dólar tornou-a dependente do consumidor americano. Em vez disso, o crescimento econômico mundial pode tornar-se dependente, do ponto de vista da demanda, do poder crescente de consumo dos países em desenvolvimento. Mas para isso é preciso imaginar um mecanismo financeiro adequado, idealmente na forma de um seguro, estabelecido por tratado internacional, que dê acesso imediato a reservas internacionais, em caso de crises de financiamento externo. Isso permitiria liberar os países emergentes do temor de paradas súbitas da entrada de capitais privados, permitindo que eles gastem mais, de acordo com sua perspectiva de renda de longo prazo.
Esse gasto adicional daria um estímulo para a atividade econômica nos países desenvolvidos e seria consistente com um redirecionamento do crescimento mundial para os países em desenvolvimento.
É nesse contexto que também emerge a necessidade de um acordo internacional para colocar um teto para a emissão de gases de efeito estufa. Desse acordo deveriam participar os principais países desenvolvidos e em desenvolvimento. Ele deveria incluir fortes incentivos para o desenvolvimento de fontes renováveis de energia e de inovações tecnológicas, tanto as que poupem quanto as que absorvam essas emissões. O objetivo é tornar um maior crescimento dos países em desenvolvimento consistente com a preservação do clima mundial e a melhoria da qualidade de vida em todo o planeta.
Edmar L. Bacha é diretor do Instituto de Estudos de Política Econômica "Casa das Garças".
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