Bolívar Lamounier
O assunto desta semana em Havana são duas novas decisões tomadas pelo presidente Raúl Castro .
De fato, ele liberou informações mais substanciais sobre a reforma econômica que está deslanchando e ao mesmo tempo convocou para a segunda quinzena de abril o Sexto Congresso do Partido Comunista – o primeiro depois de 13 anos .
Eu já comentei aqui a dramática decisão cubana de demitir 500 mil (isso mesmo, 500 mil) de seus 4 milhões de empregados públicos nos próximos meses.
Suprimindo essa enorme massa de empregados, o governo conta matar dois coelhos com uma mesma cajadada . Por um lado, alivia a folha de pagamento do setor estatal. Pelo outro, usa os mesmos 500 mil indivíduos como base ou reforço para um o setor privado.
Mas ninguém iria levar a sério a realocação dessa quantidade de gente a um setor privado de brincadeirinha . Em Cuba, como se sabe, até pequenos serviços continuam estatais.
Agora sim, o governo começou a falar sério. A retórica é a “atualização do socialismo”, mas o documento divulgado diz efetivamente que o país vai trazer investimentos estrangeiros. Grandes investimentos. E vai construir hotéis de luxo, campos de golf e outros horrores burgueses.
Sobre o Congresso do Partido Comunista, Raúl disse ter entregue “ao comandante chefe da revolução” [Fidel Castro] o primeiro exemplar do “projeto de orientações do congresso”, enquanto o segundo foi entregue hoje a Chávez .
Segundo o relato de O Globo, Raúl Castro pediu a participação de toda a população para preparar o conclave do Partido Comunista e recordou que a unidade entre “os revolucionários, a direção e a maioria do povo é a nossa mais importante arma estratégica, a que nos permitiu chegar aqui e [nos permitirá] continuar o futuro aperfeiçoamento do socialismo”.
Eu talvez esteja tentando ler na notícia mais do que ela de fato contém, mas esse palavreado sugere que o Congresso irá definir o novo papel do PCC na vida cubana.
Mal comparando, o modelo parece ser a China. Nesta hipótese, o país vai deixar de lado seus pruridos “socialistas” e mandar ver na abertura ao capitalismo, mas mantendo, ao menos numa primeira etapa, o poder firmemente enfeixado nas mãos do PC.
Na pobreza cubana dos últimos tempos, o governo a rigor nem precisa da ajuda do partido para vigiar e arregimentar a sociedade, ou para legitimar suas decisões. Para isso foi suficiente cooptar seus escalões mais altos, encaixando-os na “nomenkatura”, ou seja, nos melhores empregos e nos privilégios que lhes correspondem. Do resto o próprio governo cuida, com sua polícia e serviços secretos.
Mas a situação se altera, é claro, a partir do momento em que 0 governo resolve dinamizar a economia. Dentro de poucos anos, com investimentos importantes – abrangendo da construção civil à exploração de petróleo -, toda a estrutura econômica e social ganhará complexidade.
Haverá mudança nos padrões de comportamento, novas demandas culturais, muita gente querendo viajar.
Por último, mas não menos importante, as relações com os Estados Unidos e com os descendentes de cubanos que lá residem vão se intensificar e ganhar outra dimensão.
Nesse cenário, o bucolismo totalitário dos irmãos Castro não terá como perdurar ; e não descabe lembrar que Fidel, com 84 anos e Raúl, com 79, já estão saindo de cena. Meio século depois da Revolução, o poder vai finalmente mudar de mãos – pelo menos em termos individuais, passando a indivíduos com outros sobrenomes.
E este é o cerne do problema. Abrir de vez a política, estabelecer um regime democrático, em consonância com a abertura econômica, é um passo que os Castro não darão. Por cautela, ideologia e sabe Deus por quantas outras razões, eles vão se aferrar por mais algum tempo ao que já conhecem. Se não têm mais como manter intacto o sistema dentro do qual cresceram e envelheceram, a China provavelmente lhes parecerá o second best.
Perestroika (reestruturação econômica), sim ; glasnost (transparência, liberdade, democracia), nem a pau.
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