Tramitam hoje no Congresso 76 projetos de lei para incluir novas matérias no já inflado currículo escolar - um despropositado repertório que ignora as reais deficiências na sala de aula
O currículo das escolas brasileiras chama atenção por um fato que nada tem a ver com a qualidade - poucos do mundo são tão extensos. Daí causar espanto o que mostra um recente levantamento feito nos escaninhos do Congresso. À espera de votação, encontram-se nada menos que 76 projetos de lei que têm por objetivo aumentar ainda mais a grade de disciplinas e temas a ser contemplados no ensino básico. A salvo de algumas poucas exceções, o teor da maioria das propostas beira o absurdo, resvalando para interesses específicos de grupos e manifestações ideológicas, quando não peca pela falta de propósito. Para se ter uma ideia do leque, há congressistas que sugerem aos estudantes brasileiros aulas como cooperativismo (para orientar os jovens a “refutar” o capitalismo e a se organizar em cooperativas), educação para as mídias (um olhar “crítico” sobre o noticiário) e esperanto, idioma criado no século XIX com a pretensão, frustrada, de se tornar universal. À frente dessa última proposta, o senador Cristovam Buarque (PDT-DF) justifica: “Se você vai para certas cidades do interior da China, descobrirá que ninguém fala inglês, mas que ali existe, isso sim, uma sociedade esperantista”.
Cabe indagar por que dedicar atenção a ideias de tamanha irrelevância quando o Brasil ainda acumula deficiências tão básicas no ensino, alerta o economista Claudio de Moura Castro, articulista de VEJA e especialista em educação: “Todas essas propostas ignoram a premissa de que, para acrescentar tópicos ao currículo, é necessário reduzir o tempo destinado às disciplinas fundamentais, como matemática, ciências, história - um absurdo”. Em seu afã de expandir a grade escolar, os congressistas dão, na verdade, um passo para trás ao aprofundar um velho problema brasileiro: com os currículos já abarrotados, impera a superficialidade na sala de aula. O matemático russo André Toom, ligado à Universidade Federal de Pernambuco, mapeou isso de forma bem prática. Ele se dedicou a uma detalhada comparação entre os livros de matemática no Brasil e em outros países. Concluiu que um típico aluno brasileiro do 5° ano é apresentado a quase dez vezes o número de itens ensinados a um estudante de Singapura. Com um detalhe assombroso: os exercícios no material brasileiro avaliado exigem, basicamente, uma única operação aritmética para ser equacionados - ao passo que, no de Singapura, eles vão ganhando complexidade, gradativamente.
Está claro que a maioria das atuais propostas não atende ao propósito que deveria, afinal, movê-las - o de promover o necessário avanço nas escolas. No vasto rol de projetos, outros interesses se sobrepõem. Não é difícil achar aí textos voltados para demandas de certas classes profissionais, grupo no qual é emblemático o caso do músico Frank Aguiar, ex-deputado federal pelo PTB, hoje vice-prefeito de São Bernardo do Campo. Aguiar propõe que as escolas passem a incluir no currículo de todo o ensino básico a cultura popular, que abrangeria, segundo o próprio, manifestações artísticas não eruditas e “não elitizadas”. O autor, que em paralelo luta por aulas sobre o Código Nacional de Trânsito desde o maternal, esclarece: “Fui muito cobrado por artistas e produtores de diversos segmentos. Existe, sim, um grande movimento por trás dessa idéia”. A motivação para algumas dessas propostas vem, às vezes, de um círculo até menor. O deputado Ciro Pedrosa (PV-MG), por exemplo, inspirou-se na experiência de parentes e amigos que integram uma turma de veteranos da Força Expedicionária Brasileira, enviada à Itália na II Guerra Mundial, para formular um projeto que obrigaria os colégios a reservar um vasto capítulo ao assunto. Pedrosa se limita a dizer: “Precisamos incentivar o patriotismo no Brasil”.
Certos projetos hoje em trâmite no Congresso são até providos de valor - caso dos que contemplam disciplinas que podem ajudar alunos do ensino médio a dar os primeiros passos rumo a uma carreira, tais como educação financeira, direito e psicologia. Há um consenso na academia, porém, de que seria um exagero incorporá-las à grade de disciplinas obrigatórias. Nesse campo, o Brasil deveria se mirar na bem sucedida experiência de países europeus e na dos Estados Unidos, onde matérias de tal natureza são oferecidas em turno adicional e como eletivas, para que o aluno monte a própria grade de acordo com seus interesses e a área em que pretende especializar-se mais tarde. Com um sistema bem mais diversificado e flexível, está provado que a escola se torna também mais atraente. O engessado currículo brasileiro, por sua vez, tem contribuído de forma decisiva para a elevada taxa de evasão escolar no Brasil, beirando os 10%. Espera-se que os parlamentares sejam capazes de compreender a questão com a clareza que ela requer - e que legislem, enfim, em prol do avanço.
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Eu como professora sou a favor que não se deveria criar tantos projetos que na prática não vão resolver o problema da educação e sim, em alguns casos até piorar, porque é comum encontrarmos alunos da 8ª série que não sabem ler direito, pode ser um absurdo para a maioria mas isso é decorrência da péssima qualidade do ensino no Brasil, referindo-se a matérias essenciais na vida do aluno, como português e matemática. Em vez de criar projetos utópicos melhorar a realidade do aluno no Brasil?
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