Bem, costumo dizer que contra biotipo e idiossincrasia não se briga, busca-se soluções a partir deles.
Abaixo alguém fez uma brilhante adaptação de um texto publicado pelo ensaísta londrino Charles Lamb (1775-1834) do original "Dissertation upon roast pig".
Assim, a tecnologia informacional que funciona muito bem em países desenvolvidos ao ser aplicado em uma sociedade com fortes traços genéticos cartoriais, herança portuguesa da redundância, registro e controle dá no que a estorieta abaixo conta.
Acreditem ou não, semelhante a isto é o que vivo com os sistemas informacionais na minha organização...em pleno século XXI.
Após mais de trinta anos de investimentos em tecnologia da informação, com cada vez mais softwares e hardwares nas organizações, cada vez mais se pede para aumentar a quantidade dos Humanwares, ou seja, cada vez mais, com mais tecnologia, pede-se o ingresso de mais pessoas sem que as missões das organizações tenham tido aumento substancial. Contudo o paulatino aumento das atribuições organizacionais faz com que aumente-se a demanda por pessoas nos setores.
Ah!!! Disseram-me, muitos anos atrás, que a palavra informática vinha da junção das palavras informação mais automática...será mesmo??
A Fábula dos porcos assados
Certa vez, aconteceu um incêndio num bosque onde havia alguns porcos, que foram assados pelo fogo. Os homens, acostumados a comer carne crua, experimentaram e acharam deliciosa a carne assada. A partir dai, toda vez que queriam comer porco assado, incendiavam um bosque... Até que descobriram um novo método.
Mas o que quero contar é o que aconteceu quando tentaram mudar o SISTEMA para implantar um novo. Fazia tempo que as coisas não iam lá muito bem: as vezes, os animais ficavam queimados demais ou parcialmente crus. O processo preocupava muito a todos, porque se o SISTEMA falhava, as perdas ocasionadas eram muito grandes - milhões eram os que se alimentavam de carne assada e também milhões os que se ocupavam com a tarefa de assa-los. Portanto, o SISTEMA simplesmente não podia falhar. Mas, curiosamente, quanto mais crescia a escala do processo, mais parecia falhar e maiores eram as perdas causadas.
Em razão das inúmeras deficiências, aumentavam as queixas. Já era um clamor geral a necessidade de reformar profundamente o SISTEMA. Congressos, seminários e conferencias passaram a ser realizados anualmente para buscar uma solução. Mas parece que não acertavam o melhoramento do mecanismo. Assim, no ano seguinte, repetiam-se os congressos, seminários e conferencias.
As causas do fracasso do SISTEMA, segundo os especialistas, eram atribuídas a indisciplina dos porcos, que não permaneciam onde deveriam, ou a inconstante natureza do fogo, tão difícil de controlar, ou ainda as arvores, excessivamente verdes, ou a umidade da terra ou ao serviço de informações meteorológicas, que não acertava o lugar, o momento e a quantidade das chuvas.
As causas eram, como se vê, difíceis de determinar - na verdade, o sistema para assar porcos era muito complexo. Fora montada uma grande estrutura: maquinário diversificado, indivíduos dedicados exclusivamente a acender o fogo - incendiadores que eram também especializados (incediadores da Zona Norte, da Zona Oeste, etc, incendiadores noturnos e diurnos - com especialização matutina e vespertina - incendiador de verão, de inverno etc). Havia especialista também em ventos - os anemotecnicos. Havia um diretor geral de assamento e alimentação assada, um diretor de técnicas ígneas (com seu Conselho Geral de Assessores), um administrador geral de reflorestamento, uma comissão de treinamento profissional em Porcologia, um instituto superior de cultura e técnicas alimentícias (ISCUTA) e o bureau orientador de reforma igneooperativas.
Havia sido projetada e encontrava-se em plena atividade a formação de bosques e selvas, de acordo com as mais recentes técnicas de implantação - utilizando-se regiões de baixa umidade e onde os ventos não soprariam mais que três horas seguidas.
Eram milhões de pessoas trabalhando na preparação dos bosques, que logo seriam incendiados. Havia especialistas estrangeiros estudando a importação das melhores arvores e sementes, o fogo mais potente etc. Havia grandes instalações para manter os porcos antes do incêndio, alem de mecanismos para deixa-los sair apenas no momento oportuno.
Foram formados professores especializados na construção dessas instalações. Pesquisadores trabalhavam para as universidades para que os professores fossem especializados na construção das instalações para porcos. Fundações apoiavam os pesquisadores que trabalhavam para as universidades que preparavam os professores especializados na construção das instalações para porcos etc.
As soluções que os congressos sugeriam eram, por exemplo, aplicar triangularmente o fogo depois de atingida determinada velocidade do vento, soltar os porcos 15 minutos antes que o incêndio médio da floresta atingisse 47 graus e posicionar ventiladores gigantes em direção oposta a do vento, de forma a direcionar o fogo. Não é preciso dizer que os poucos especialistas estavam de acordo entre si, e que cada um embasava suas idéias em dados e pesquisas específicos.
Um dia, um incendiador categoria AB/SODM-VCH (ou seja, um acendedor de bosques especializado em sudoeste diurno, matutino, com bacharelado em verão chuvoso) chamado João Bom-Senso resolveu dizer que o problema era muito fácil de ser resolvido - bastava, primeiramente, matar o porco escolhido, limpando e cortando adequadamente o animal, colocando-o então numa armação metálica sobre brasas, até que o efeito do calor - e não as chamas - assasse a carne.
Tendo sido informado sobre as idéias do funcionário, o diretor geral de assamento mandou chamá-lo ao seu gabinete, e depois de ouvi-lo pacientemente, disse-lhe: "Tudo o que o senhor disse esta muito bem, mas não funciona na pratica. O que o senhor faria, por exemplo, com os anemotecnicos, caso viéssemos a aplicar a sua teoria? Onde seria empregado todo o conhecimento dos acendedores de diversas especialidades?". "Não sei", disse João. "E os especialistas em sementes? Em arvores importadas? E os desenhistas de instalações para porcos, com suas maquinas purificadores automáticas de ar?". "Não sei". "E os anemotecnicos que levaram anos especializando-se no exterior, e cuja formação custou tanto dinheiro ao pais? Vou manda-los limpar porquinhos? E os conferencistas e estudiosos, que ano após ano tem trabalhado no Programa de Reforma e Melhoramentos? Que faço com eles, se a sua solução resolver tudo? Heim?". "Não sei", repetiu João, encabulado. "O senhor percebe, agora, que a sua idéia não vem ao encontro daquilo de que necessitamos? O senhor não vê que se tudo fosse tão simples, nossos especialistas já teriam encontrado a solução ha muito tempo atrás? O senhor, com certeza, compreende que eu não posso simplesmente convocar os anemotecnicos e dizer-lhes que tudo se resume a utilizar brasinhas, sem chamas! O que o senhor espera que eu faça com os quilômetros e quilômetros de bosques já preparados, cujas arvores não dão frutos e nem tem folhas para dar sombra? Vamos, diga-me?". "Não sei, não, senhor". "Diga-me, nossos três engenheiros em Porcopirotecnia, o senhor não considera que sejam personalidades cientificas do mais extraordinário valor?". "Sim, parece que sim". "Pois então. O simples fato de possuirmos valiosos engenheiros em Porcopirotecnia indica que nosso sistema é muito bom. O que eu faria com indivíduos tão importantes para o pais?" "Não sei". "Viu? O senhor tem que trazer soluções para certos problemas específicos - por exemplo, como melhorar as anemotecnicas atualmente utilizadas, como obter mais rapidamente acendedores de Oeste (nossa maior carência) ou como construir instalações para porcos com mais de sete andares. Temos que melhorar o sistema, e não transforma-lo radicalmente, o senhor, entende? Ao senhor, falta-lhe sensatez!". "Realmente, eu estou perplexo!", respondeu João. "Bem, agora que o senhor conhece as dimensões do problema, não saia dizendo por ai que pode resolver tudo. O problema é bem mais serio e complexo do que o senhor imagina. Agora, entre nós, devo recomendar-lhe que não insista nessa sua idéia - isso poderia trazer problemas para o senhor no seu cargo. Não por mim, o senhor entende. Eu falo isso para o seu próprio bem, porque eu o compreendo, entendo perfeitamente o seu posicionamento, mas o senhor sabe que pode encontrar outro superior menos compreensivo, não é mesmo?".
João Bom-Senso, coitado, não falou mais um "a". Sem despedir-se, meio atordoado, meio assustado com a sua sensação de estar caminhando de cabeça para baixo, saiu de fininho e ninguém nunca mais o viu.
Autor da adaptação eu desconheço.
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