sexta-feira, 14 de outubro de 2011

As rodas da vida


 PAULO SANT’ANA
ZERO HORA



Sou humano nos meus defeitos e divino nas minhas virtudes. 

Eu gosto tanto de um amigo meu, que não tenho dúvida de que, fôssemos os dois de sexos opostos, eu me casaria com ele. 

Recordo com saudade aquela coluna que escrevi certa vez: eu vinha passando pelo Bois de Boulogne, em Paris, durante a Copa do Mundo de 1998, quando vi num banco conversando Sócrates e Platão. 

Quando me viu, Sócrates gritou: “Que bom que apareceste para conversar conosco, Pablo, o papo aqui jáestava ficando maçnte”. 

E conversamos toda a tarde os trê, atéo sol se esconder atrá dos edifíios baixos de Paris. 

E eu me despedi dos dois notáeis filóofos, agora, depois do circunlóuio que estabelecemos, convicto de que Sórates burilou a Filosofia e enviou-a para o Cé, depois Platã foi atéo Cé, adornou e completou a Filosofia, e devolveu-a para a Terra. 

Que coluna! 

O meu problema crucial é que tenho tido tanto amor para dar e encontro dificuldade para encontrar pessoas a quem eu possa distribuí-lo. 

E, por outra parte, não tenho nem um bocadinho de ódio para dar e está cheio de gente no meu derredor que o mereceria. 

Nunca fui um homem, digamos assim, diurno. Sempre fui um homem notívago. 

No entanto, por causa de minhas doenças, tenho dedicado as minhas noites inteiras para dormir. 

Verifica-se, assim, um visível conflito ambiental entre a minha natureza e a minha rotina. 

Eu nasci para pensar e trabalhar à noite e dormir durante o dia. 

Não há nada pior do que isto que a vida tem me reservado nos últimos tempos: condenou um boêmio a dormir durante a noite. Que desperdício! 

Tenho tentado discernir sobre qual a melhor roda para bater papo com os amigos, se a roda do cafezinho ou se a roda da cerveja. 

A roda do café leva uma desvantagem sobre a roda da cerveja: é quase sempre no intervalo do trabalho que se instala a roda do café, enquanto que a roda da cerveja viceja nos momentos de ócio, quando há mais tempo para prosperar a conversa. 

Há amigos que não se entregam de alma à roda do café, pela pressa. Seriam muito mais produtivos e prósperos se fossem encontrados na roda da cerveja. 

A roda da cerveja tem outra vantagem sobre a do café. Quanto mais tempo durar a roda da cerveja ou do champanha, e os participantes do bate-papo ainda mais beberem, tornam-se mais sinceros, enquanto que os integrantes da roda do café, de cara limpa, correm o risco ou o perigo de se tornarem insinceros. 

O café é um veículo muitas vezes da hipocrisia, a roda de bebidas alcoólicas serve mais à franqueza. E eu considero infelizes as pessoas que passam a vida inteira sem participar de qualquer roda. 

Não sabem o que estão perdendo.
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