segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

A nova aliança atlântica

Roberto Campos
Domingo 07 de fevereiro de 1999

Na década dos 80 emergiram várias teorias sobre o "declinismo" ou o "decadentismo" americano. A grande nação estaria sofrendo de "sobreextensão imperial" - moléstia que explica o perecimento de vários impérios do passado. Essa "sobreextensão" pode resultar de aventuras militares, do debilitamento financeiro pelo excesso de encargos ou do esgotamento do modelo político-ideológico.

Este último fator explicou a espetacular implosão do império soviético em 1989. Na mesma década, começou-se a falar que o século 21 deixaria de ser o século do Atlântico para se tornar o século do Pacífico. Sucediam-se no Japão proezas tecnológicas, o país se tornara o maior credor do mundo, começava a se manifestar o dinamismo chinês, e os "tigres asiáticos" se distanciavam crescentemente dos demais "emergentes".

Na Europa receava-se o surgimento de uma nova doença, a "euroesclerose". Conquanto se confirmasse a superioridade do capitalismo sobre o socialismo, tornaram-se comuns avaliações depreciativas do capitalismo americano, de tipo individualista e bucaneiro, comparativamente ao capitalismo europeu, um pouco mais dirigista e assistencialista, e sobretudo ao capitalismo japonês, que parecia conciliar proeza tecnológica, coesão social, baixo desemprego e crescimento sustentado. Estaria à vista na franja do horizonte, o "século asiático".

Na atual década dos 90 a conjuntura global mudou dramaticamente. Os Estados Unidos deram a volta por cima, enquanto que a economia japonesa entrava num longo período de estagnação, insensível a juros baixos e estímulos fiscais, numa espécie de "armadilha de liquidez".

A Europa iniciou sua dieta de emagrecimento pois que a preparação para a moeda única, iniciada em 1992 com o Tratado de Maastricht, impôs severos tetos ao déficit público. Os emergentes asiáticos continuaram sua trajetória ascendente, reforçada pelo surto de crescimento das regiões capitalistas da China Continental, mas foram afinal colhidos pela crise em 1997.

Que está na raiz da retomada do crescimento americano, que tornou esse país a verdadeira locomotiva do fim do século?

Em primeiro lugar, a aceitação, mais desinibida do que na Europa ou Japão, do capitalismo competitivo, que resulta, como dizia Schumpeter, numa constante "destruição criadora". Com menores encargos assistenciais que os europeus, os americanos exploraram melhor as virtuosidades da redução de impostos para estímulo da oferta privada (supply side economics).

Em segundo lugar, a flexibilidade da mão-de-obra, quer em termos de livre negociação salarial, quer de mobilidade física em busca de oportunidades de trabalho.

Em terceiro lugar, o espírito de inovação, que não se confina ao aspecto tecnológico, mas que abrange qualquer medida que contribua para incrementar o "valor adicionado".

Enquanto que, na década dos 80, os japoneses superavam os ocidentais em inovações no processo fabril, na atual década são os americanos os pioneiros nas inovações no setor de finanças, serviços e tecnologias científicas. Obedecendo a impulsos de mercado, antes que à "política industrial" de burocratas iluminados, os americanos assumiram a liderança dos setores de tecnologia mais dinâmica como informática, telecomunicações e engenharia genética.

Se a década dos 80 foi predominantemente asiática, a dos 90 hegemonicamente americana, é provável que na próxima década assistamos a um renascimento europeu. Este será facilitado por dois motivos. Primeiro, a criação da moeda única, que formará um mercado comercial e financeiro de 6,5 trilhões de dólares, pouco abaixo dos 8 trilhões do mercado americano. Ambos os grupos exportam cerca de 11% do PIB e têm uma porcentagem do comércio mundial em torno de 18%.

Há na Bolsa americana 9.900 firmas listadas contra 9.000 nas bolsas européias. Em segundo lugar, porque a economia européia está corrigindo sua defasagem tecnológica em relação aos Estados Unidos, no tocante à tecnologia de finanças, informática, engenharia genética e telecomunicações.

Começam a surgir na Europa os "venture capitalists", voltados profissionalmente para o fomento das inovações. Na década dos 80 os Estados Unidos tinham uma séria desvantagem em relação à Europa: era seu grave déficit gêmeo - o fiscal e o cambial. Hoje o primeiro deles se transformou em superávit mas o segundo, que atinge a casa dos 300 bilhões de dólares anuais gera a apreensão de um eventual colapso do dólar.

Em compensação, os Estados Unidos mantêm duas vantagens: (1) mercado de trabalho mais flexível, resultando em menor desemprego; (2) perfil demográfico mais favorável. Comparativamente à Europa, os problemas fiscais ligados ao envelhecimento da população são menores nos Estados Unidos, onde o envelhecimento é menos rápido, maior o influxo de imigrantes, menos generosa a seguridade pública e mais forte o sistema de capitalização privada.

A perspectiva de um século 21 sob hegemonia asiática é cada vez mais remota, em virtude da crescente integração atlântica entre a Norte-América e a Europa. Essa integração não é propriamente comercial - pois permanecem intensos os atritos mercantis - mas sim financeira e tecnológica. Isso se traduz no fenômeno das mega-fusões e incorporações.

Na indústria automobilística, fundiram-se a Daimler-Benz e a Chrysler. No setor financeiro, fala-se na absorção no Banker's Trust pelo Deutsche Bank. Nas telecomunicações, o grupo inglês Vodaphone adquiriu a Air Touch americana, tornando-se o maior operador mundial de celulares.

São indicadores dessa grande aliança transatlântica em formação o movimento de desregulamentação, as alianças tecnológicas, a integração de complexos financeiros, a uniformização de técnicas gerenciais e a grande onda de fusões e incorporações. 

Contrastando com essa integração da aliança Atlântica, existe uma crescente marginalização dos países emergentes, seja, na América Latina, seja na Cortina de Ferro. O fluxo de capitais que para lá se dirigiam em busca de maior rentabilidade, praticamente secou. Os empréstimos de bancos comerciais dos países credores aos países emergentes caíram de 121 bilhões de dólares em 1997 para 10 bilhões no ano passado.

Cada vez mais o capital flui de ricos para ricos do que destes para os pobres. E os fluxos destinados à compra de ações e títulos de renda fixa se inverteram drasticamente, em resultado das sucessivas crises - a mexicana, a asiática, a russa e agora a brasileira. Em todos esses casos, as desvalorizações monetárias criaram o medo de perdas patrimoniais, que supera o atrativo dos juros altos. E permanece a conhecida lei de Krugman: "não há penas desvalorizações cambiais ou desvalorizações controladas, nos países emergentes".

Nos países desenvolvidos, as desvalorizações cedo se auto-limitam, porque despertam no exterior a vontade de compra dos ativos depreciados. Os fluxos de capitais para os países emergentes se tornaram cada vez mais seletivos, confinando-se hoje a países considerados "apostas estratégicas", como China, Coréia, México ou Polônia. A Rússia e a Indonésia saíram do radar dos investidores. E o Brasil, que no ano passado atraiu 24 bilhões de dólares de investimentos diretos, corre atualmente o risco de perder o caráter de "aposta estratégica".

Para evitar esse desfecho, temos que fazer com que a taxa cambial reencontre rápido seu ponto de equilíbrio, terminando-se o severo "overshooting" sofrido pelo real. É necessário controlar o repique inflacionário através de um ajuste fiscal rigoroso e da manutenção de uma economia desindexada.

Mas o grande trunfo brasileiro para continuar a ser uma "aposta estratégica" está nas privatizações. Longe de ser postergadas em virtude da crise, elas devem ser aceleradas como elemento contributivo para a solução da crise.
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Os ilegais e o Brasil legal

O tema da imigração é algo que a sociedade brasileira precisa começar a se interessar deixando, se possível, a emoção e a ideologia de lado. O mundo atual não é lúdico e não devemos enaltecer apenas as características oníricas de quem aqui aporta.

4 000 mil haitianos no Acre, via Bolívia, requer cuidado e a Polícia Federal e o Min Justiça, com uma surpreendente independência estão, sim, preservando nossa sociedade. Ademais quem determina a política exterior e as relações internacionais em nosso país é o Senado Federal e não a presidente, só que, com a mão no cofre orçamentário, aqueles dançam conforme a batuda desta.

O texto abaixo tem duas finalidades, a primeira de ressaltar muitos pontos que, de fato, o BRASILEIRO, deveria ser melhor capacitado e segundo é o de como uma pessoa com um bom nível cultural, selecionado para escrever em um jornal importante, não consegue enxergar além de sua janela. Neste particular, a propósito da surpreendente capacidade de haitianos, fugindo do nada, conseguirem recursos para pagar para coyotes bolivianos -logo os bolivianos...que coisa...- segue um importante artigo logo abaixo que dá uma luz nestas trevas...




Os ilegais e o Brasil legal 
JORGE FONTOURA
Correio Braziliense 


A Polícia Federal tem impedido a entrada de haitianos na ponte da Brasileia, no Acre, e em Tabatinga, no Amazonas, a reescrever mais um capítulo da tragédia universal dos refugiados, agora em nossas portas. De forma legal, já recepcionamos grande contingente deles, o que não justifica o anunciado uso de mediadas draconianas, com os rigores da lei, para evitar que venham muitos mais. Usa-se o simplismo ingênuo, de cara anglo-saxã, de proibir, vigiar e punir, na convicção de que em migrações indesejáveis basta fechar-se a porta, a ponte, o porto, para que tudo esteja resolvido.

Os haitianos são sobreviventes de inúmeras tragédias, algumas naturais, como terremotos e tempestades. Outras humanas, como o processo histórico trágico de que são vítimas, com sucessivos surtos de exploração e desgoverno, a gerar hordas errantes, em busca de nova vida e de novos horizontes. Como metáfora, o Haiti é a nossa África e não podemos fazer dela o que os europeus fazem com seus extracomunitários, estigmatizados até pela expressão infeliz que inventaram.

Se os haitianos querem vir para o Brasil, nada impedirá que o façam, com ou sem polícia. Por um lado, imigrantes clandestinos são obstinados e corajosos para desafiar as leis; por outro, podem constituir força de trabalho inigual, como o Brasil hoje necessita, em tantas novas áreas de desenvolvimento, carentes de empenho e de disposição. O Canadá, que está na moda, recebe mais de 250 mil imigrantes por ano, em política inteligente e de benéficos resultados para toda a sociedade.

Aqui, no caso dos haitianos, vê-se desde logo imenso campo de trabalho potencial, como no setor de hotelaria primitiva de que dispomos, a beneficiar-se com o aporte maciço de trabalhadores dispostos e hábeis em línguas internacionais. A construção civil, os grandes projetos hidrelétricos, a cultura açucareira, entre outros, são setores que poderiam capitalizar o elã desses trabalhadores, sem prejudicar a mão de obra nacional.

Soluções legais para a avalanche de imigrantes que se prenuncia são difíceis à luz do Novo Estatuto do Estrangeiro, a Lei 6.815, de 19 de agosto de 1980, que, apesar do nome, já é legislação obsoleta e ultrapassada. A falta de respostas fáceis, no entanto, não representa obstáculo à capacidade criadora do Ministério da Justiça, em particular do secretário executivo, Luis Paulo Barreto, reconhecida autoridade em temas de direito internacional e do direito do estrangeiro.

Talvez em primeiro momento fosse desejável conceder visto temporário de trabalho ou algo de natureza emergencial, apenas para acomodar juriricamente a gravidade da situação. Depois, seria essencial o engajamento da sociedade civil, em grande campanha nacional, para reunirem-se esforços na recepção ordenada dos tantos infelizes que nos vêm procurar.

O Sebrae, os sindicatos, as delegacias regionais do trabalho, os clubes de serviço, as associações comerciais, entre tantas outras instituições, seriam essenciais na condução de programas abrangentes de treinamento e de incorporação de haitianos a nosso mercado de trabalho. O Brasil, que dá lições ao mundo com sua atuação na Minustah (Mission des Nations Unies pour la stabilisation en Haiti), poderia agora dar outro exemplo dignificante, a exercer na prática a vocação generosa do povo.

Se no passado o Brasil é em certa medida a história de imigrações desordenadas e caóticas que ocasionaram aflições e heroísmos desmedidos, no presente, razões e motivações não nos faltam para bem acolher estrangeiros. Afinal, eles são apenas como muitos de nossos ancestrais que um dia também quiseram ser brasileiros.

Por fim, se assim o fizermos, demonstraremos que nossa Constituição não é apenas um amontoado de letras frias na defesa de direitos humanos e de valores humanitários abstratos. Superaremos assim a retórica para passar a ação, com atos de governo e com engajamento cívico e social, na contundência inequívoca das decisões de Estado.





A droga é umas das principais forças na vida política do Haiti

Ben Fountain*
Em Dallas (EUA)
Eloise De Vylder

Em 1999 fiz uma pequena viagem da capital do Haiti, Porto Príncipe, até a charmosa e lânguida cidade de Kenscoff, a algumas horas de carro pelas montanhas. Eu já havia feito essa viagem antes, mas fazia alguns anos, e à medida que a estrada subia não pude evitar minha surpresa com o aumento do número de mansões que haviam tomado conta dos morros.


Mulher espera pela distribuição de comida em Porto Príncipe; o tráfico de drogas exerce uma influência fora de proporção em diversos setores da sociedade haitiana

Se antes a mesma estrada já havia oferecido vistas pacíficas de plantações em terraço, trechos de floresta, aglomerações de casinhas modestas, agora predominavam mansão atrás mansão, como se os McMansions dos subúrbios de Dallas tivessem sido transplantados para as montanhas de onde se avista Porto Príncipe. Será que descobriram petróleo no Haiti? À medida que cada curva revelava novas vistas da arquitetura pretensiosa, meu amigo haitiano no banco do passageiro balançava a cabeça, murmurando a mesma palavra o tempo todo:

Drogue. Drogas.

Desde o terremoto que devastou o Haiti, muita atenção tem sido dada, com razão, para a convergência de forças econômicas, políticas e culturais que deixaram o país tão vulnerável à essa catástrofe. Muitos olharam para o passado em busca de orientação, e as semanas recentes nos ofereceram análises honestas e com frequência perceptivas da história do Haiti, indo até suas origens coloniais brutais, seu orgulho, a guerra de independência impressionante e improvável, e continuando pelos 200 anos seguintes de governança sobretudo miserável, o catálogo deprimente de revoltas, golpes, traições e intervenções – normalmente auxiliado, senão promovido inteiramente, por potências estrangeiras – que esvaziaram o Haiti de boa parte de sua riqueza e esperança.

Mas se formos reconstruir o Haiti, ou não somente reconstruir, mas transformar, então o tráfico de drogas precisa ser reconhecido como o que de fato é: uma das principais forças – pode-se dizer, a força dominante – na vida política do país durante os últimos 25 anos.

Um relatório de 1993, escrito por John Kerry enquanto era presidente do Subcomitê de Terrorismo, Narcóticos e Operações Internacionais do Senado, afirmava que “há uma parceria feita no inferno, na cocaína e nos dólares entre os cartéis colombianos e os militares haitianos”. Na época, o Haiti estava no caminho para se tornar o principal ponto do Caribe de embarque da cocaína que ia da América do Sul para os Estados Unidos, e embora os atores individuais possam ter mudado desde aquela época, a parceria continuou a se fortalecer. Hoje, o tráfico de drogas é um negócio de um bilhão de dólares por ano no Haiti, gerando lucros tremendos num país onde a maioria das pessoas sobrevive com poucos dólares por dia.

ONU reforça segurança na distribuição de alimentos no Haiti

Em qualquer país, esse tipo de riqueza forneceria um amplo incentivo e meios para adquirir poder, mas no Haiti o tráfico de drogas exerce uma influência fora de proporção em outros setores da sociedade. A narrativa da política haitiana desde a queda do regime de Duvalier em 1986 acompanha de perto a ascensão do tráfico de drogas. À medida que o Haiti lutou para realizar eleições nos anos imediatamente seguintes a destituição do presidente Jean-Claude Duvalier, provas persuasivas apontaram para um envolvimento no tráfico de drogas do coronel Jean-Claude Paul e outros altos oficiais, uma facção dos militares haitianos que foi, talvez não coincidentemente, especialmente impiedosa em sua supressão do movimento democrático.

Os militares continuaram intimamente ligados ao tráfico de drogas durante o breve primeiro mandato de Jean-Bertrand Aristide como presidente, interrompido pelo golpe de 30 de setembro de 1991, e pouco mudou depois de sua saída. De fato, o chefe de polícia de Porto Príncipe, tenente coronel Joseph Michel François, emergiu como próximo homem-chave no tráfico de drogas do Haiti, comandando uma notória rede de soldados e paramilitares que, além de expandir o tráfico de drogas do país, deu andamento a um impiedoso programa de terrorismo político no qual milhares de haitianos foram assassinados.

Esses anos de intensa repressão coincidem com a ascensão do Haiti como o principal ponto de embarque de cocaína da região, posto que manteve até mesmo depois que o governo civil foi restaurado em 1994. Em 2000, cerca de 75 toneladas, ou 15 % da cocaína consumida anualmente nos Estados Unidos, passava pelo Haiti. A corrupção ligada às drogas e a violência se tornaram endêmicas durante o segundo mandato de Aristide como presidente, com muitas pessoas de seu círculo – incluindo o chefe de segurança do Palácio Nacional, o diretor da Polícia Nacional Haitiana, o chefe de uma unidade de investigações da Polícia Nacional, e o presidente do Senado haitiano – eventualmente cumprindo penas em prisões norte-americanas por violações às leis de narcóticos e de lavagem de dinheiro dos EUA.

Praticamente há duas décadas e meia, as tentativas do Haiti de estabelecer as instituições e normas da sociedade civil foram subvertidas ou esmagadas, com frequência com a atuação evidente do tráfico de drogas. O governo do presidente Rene Preval tomou passos mais largos do que qualquer outro governo anterior em direção a uma verdadeira reforma, mesmo assim o progresso até de 12 de janeiro foi tênue. A Polícia Nacional continuou sendo uma força fraca e incerta; o judiciário era disfuncional; os ministros do governo eram altamente politizados e corruptos; conceitos de transparência, direitos humanos e Estado de direito eram, na melhor das hipóteses, frágeis.

Agora, não falta debate sobre como melhor reconstruir o Haiti. Planejar melhor. Construir melhor. Pressionar por uma reforma institucional. Derramar muitos bilhões de dólares em ajuda internacional, com uma fiscalização maior, soluções mais firmes, maior envolvimento do público haitiano e dos setores privados. Uma escola de pensamento oposta diz que a ajuda deve ser totalmente cortada, forçando os haitianos a assumirem a responsabilidade sobre o destino de seu país; apenas a terapia de choque pode romper com o ciclo contínuo de dependência, disfunção e pobreza auto-imposta.

Para qualquer lado que você se incline, as chances são de que o poder e os lucros do tráfico de drogas condenarão sua prescrição à irrelevância. Sim, os norte-americanos mostraram uma tremenda generosidade para com o Haiti desde 12 de janeiro – mais de US$ 20 milhões em doações à Cruz Vermelha, US$ 57 milhões pelo telethon Hope for Haiti Now, que continua arrecadando, os aviões particulares congestionaram os aeroportos do sul da Flórida, esperando um lugar para pousar em Porto Príncipe. Esta é a parte da história que nos faz sentir bem.

Mas há a outra parte. Os Estados Unidos são o maior consumidor de cocaína do mundo, o que significa que há uma linha que liga o nosso vício estupendo pela droga às condições no Haiti, a todos esses anos de governança tóxica que estabeleceram o cenário para tanta destruição, tantos mortos e feridos.

Então chegamos a isso: o país mais rico do hemisfério e o mais pobre, a primeira república e a segunda, presos juntos na falha moderna mais gritante do Novo Mundo, a guerra contra as drogas. Seria ingênuo esperar que os norte-americanos larguem a cocaína a curto prazo pelo bem do Haiti. Mas seria igualmente ingênuo não reconhecer esse imenso obstáculo no caminho do Haiti, e o papel que tivemos em criá-lo. Nossas aspirações para o Haiti passam diretamente pelos nossos vícios.


*(Ben Fountain é autor da coleção de contos “Brief Encounters with Che Guevara” [“Breves Encontros com Che Guevara”.)
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Inferno na torre… de marfim

Thomaz Wood Jr.


Certas profissões e ocupações -povoam os sonhos dos jovens, sugerindo autorrealização ou simbolizando status. Porém, após conhecerem o apogeu, parecem seguir para um inevitável declínio.


'A engenharia, a advocacia e a medicina já tiveram dias melhores, mas seguem a trilha da proletarização'. Foto: Felipe Corazza.
A engenharia, a advocacia e a medicina já tiveram dias melhores, mas seguem a trilha da proletarização, perdendo o prestígio e a aura. A economia e a administração também mostram sinais de decadência, depois de momentos fugazes de glória. Fenômeno similar parece atingir a ocupação de professor-pesquisador, praticada por uma pequena elite, incrustada nos andares mais elevados das torres de marfim do ensino superior. Comecemos pelo sonho. Depois, o feijão.

O professor-pesquisador, profissional que atua em programas de pós-graduação, é um ser privilegiado.

Não é nem será um milionário, mas conta com salário digno e emprego vitalício. Tem liberdade para trabalhar no que lhe interessa e conta com acesso facilitado aos recursos de fundos de pesquisa.

Viaja regularmente pelo mundo para discutir suas descobertas científicas em cidades fascinantes e resorts bucólicos. Dedica-se à nobre função do magistério, mas apenas oito meses por ano. Leciona poucas horas por semana para pequenas classes povoadas por corações interessados e mentes brilhantes.

Seu horário de trabalho é flexível e seus objetivos e metas são determinados por ele mesmo. Vive em um campus arborizado e tranquilo, longe da poluição e da agitação. Seus encontros sociais envolvem conversas inteligentes sobre temas relevantes. Desobrigado de olhar para o tedioso presente, concentra-se em desvendar o passado e mirar o futuro.

De tempos em tempos, para ampliar seus horizontes, tem direito a um período sabático, durante o qual, com apoio de uma agência governamental, leva sua família para a Europa ou para os Estados Unidos. É reconhecido por seus pares e pela sociedade, que o têm na mais alta conta por sua sapiência e dedicação desinteressada ao bem comum. Afinal, ajuda a edificar os pilares do nosso progresso tecnológico e a formar nossa futura elite intelectual.

Essa imagem idílica pode ser observada em Harvard, Oxford e Cambridge ou, mais provavelmente, nos películas de Hollywood que romanceiam a vida nessas universidades. No entanto, a realidade parece caminhar em outra direção.

Em renomadas instituições de ensino locais o mato cresce, o ar-condicionado não funciona, as mentes brilhantes deram lugar a criaturas conformistas e opacas, e a vida acadêmica assemelha-se cada vez mais ao trabalho em uma linha de montagem fordista, com capatazes, metas e uma irritante burocracia.

Consequência: cresce o descontentamento com as condições de trabalho e as pressões por produtividade na torre de marfim. Parte da revolta deve-se à reação usual a mudanças. No entanto, há também uma preocupação legítima com um sistema caro, pouco produtivo e que apresenta efeitos colaterais preocupantes, como a multiplicação de mestres e doutores ineptos e a proliferação de artigos científicos que nunca serão lidos.

Uma pesquisa publicada recentemente por Otacilio Antunes Santana, do Centro de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Pernambuco, explora outra dimensão preocupante da mesma questão: o efeito das condições de trabalho sobre a saúde dos docentes de pós-graduação.

Seu ponto de partida foi a constatação do aumento de pedidos de licenças médicas, principalmente aquelas relacionadas a sintomas ou consequências de doenças cardiovasculares.

Santana analisou dados de 540 professores de seis faixas etárias, entre 36 e 65 anos. Suas conclusões fazem eco a um debate emergente na academia brasileira, acerca da pressão por produção científica e pela formação de mestres e doutores.

A pesquisa comprovou que, quanto maior o número de publicações científicas e o número de orientandos, maior o número de intervenções cardíacas, doenças coronárias e acidentes vasculares cerebrais. Em suma, trabalhar nessas condições faz mal.

O quadro é agravado, segundo Santana, pela falta de dieta equilibrada, de atividades físicas e acompanhamento médico -regular dos docentes.

Nas mais diversas latitudes e longitudes, o modelo tradicional de universidade está sendo criticado. Acelerar a linha de montagem e produzir mais mestres, doutores e artigos científicos é uma resposta simples para o desafio que se coloca, mas parece estar matando os operários e prejudicando a qualidade da produção.

Pode ser mais um marco da passagem da era da elite bem pensante para a da pesquisa burocrática, conduzida por operários do conhecimento, uma etapa que talvez ainda resulte em ciência, mas por enquanto apenas mascara um sistema caro, improdutivo e insalubre.
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domingo, 29 de janeiro de 2012

OS PREÇOS DOS COMBUSTÍVEIS


EDITORIAL
O ESTADO DE S. PAULO


Complicam-se todos os dias os problemas do governo relacionados aos preços dos derivados de petróleo, especialmente aos da gasolina. O rápido crescimento da frota de automóveis no País tem aumentado muito a demanda do combustível em uma fase de recuo da produção de etanol. Como a capacidade de refino da Petrobrás está esgotada, a importação de gasolina vem disparando. A média diária de importação chegou a 45 mil barris em 2011, cinco vezes mais que no ano anterior (9 mil barris/dia). Em dezembro e no início deste ano, período de férias, a importação de gasolina bateu em 100 mil barris/dia, quase um quarto do consumo total do País, que é de 449 mil barris/dia. Com o congelamento há anos dos preços dos derivados, os investimentos na área do refino de petróleo em boa parte têm sido adiados.
É uma situação que não pode perdurar por muito mais tempo, considerando o cenário político no Oriente Médio, que tem mantido os preços do petróleo no mercado internacional acima de US$ 100 o barril. A isso, é preciso acrescentar os efeitos da inflação sobre os custos de produção, refino e distribuição de petróleo, bem como a elevação da cotação do dólar diante do real, que diminuiu recentemente, mas é apreciável em relação aos níveis de meados do ano passado.
A questão dos preços dos derivados de petróleo tornou-se um tabu dentro do governo, que sempre teme os efeitos de uma alta dos derivados sobre os níveis de preços em geral, em uma fase delicada de combate à inflação. Naturalmente, os técnicos da Petrobrás preferem não falar do assunto, sabendo que a decisão sobre preços de combustíveis só pode ser tomada no mais alto nível da República. Mas não há como conter o aumento do consumo de gasolina e de outros derivados, como o diesel, a prazo médio. A Petrobrás já alterou a sua previsão de importação para este ano para 55 mil barris/dia de gasolina, em média, esperando que, depois do pico nos meses de férias, o consumo passe a declinar. Paulo Roberto Costa, diretor de Abastecimento da Petrobrás, pondera que, se o PIB crescer 4%, como gostaria o governo, o consumo de derivados deve crescer 6%, pelo menos.
Só a mais longo prazo se pode esperar um aumento significativo da capacidade de refino do País, que é de 1,96 milhão de barris/dia, segundo recente relatório de mercado da Agência Internacional de Energia (AIE). O refino no País só deve começar a aumentar com a entrada em operação da Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, em julho de 2013. Em sua primeira fase, aquela unidade será voltada principalmente para a produção de óleo diesel. Até 2014, o País deve adicionar 400 mil barris à sua capacidade de refino, segundo estimativas da AIE, o que diminuiria bastante a necessidade de importação de derivados, se o consumo interno permanecer estável. O País está ainda muito longe de alcançar a autossuficiência na área de derivados de petróleo, o que só ocorreria com a entrada plena em operação das refinarias Premium da Petrobrás no Maranhão e no Ceará, entre 2016 (primeira etapa) e 2019 (segunda etapa).
É verdade que, no ano passado, o Brasil consolidou sua posição como exportador líquido de petróleo bruto, tendo as vendas externas do produto atingido US$ 21,603 bilhões, de acordo com dados da Secex. Como as importações foram de US$ 14,080 bilhões, o superávit foi de US$ 7,543 bilhões, um bom resultado. No item óleos combustíveis, porém, as importações (US$ 7,882 bilhões) superaram as exportações (US$ 3,772 bilhões), deixando um déficit de US$ 4,110 bilhões. Nota-se que, no início deste ano, as importações brasileiras têm sido pressionadas pelas compras de combustíveis e lubrificantes.
Se, como está previsto, forem adicionados 2,3 milhões de barris/dia de petróleo à produção brasileira até 2015, o País deve manter um descompasso semelhante entre petróleo bruto e derivados até o fim da década, a não ser que haja um aumento substancial da produção de etanol, que depende de um preço mais alto da gasolina para ser vantajoso para o consumidor.
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As armadilhas da semântica



Roberto Campos
27/02/2000

George Orwell, o escritor inglês que nos deu algumas das obras que melhor iluminaram o ambiente dos difíceis anos que duraram da Depressão à Queda do Muro de Berlim, entre elas as duas terríveis sátiras "1984" e "Animal Farm", foi antes de mais nada um homem de excepcional integridade. Firme nas suas convicções de esquerda, foi voluntário contra os franquistas, na Guerra Civil espanhola. Ferido em combate (numa campanha admiravelmente contada em "Homenagem à Catalunha"), enfrentou com coragem os comunistas, quando estes, na tentativa de assumir o controle do movimento, traíram seus outros camaradas de esquerda. Foi depois objeto de um patrulhamento feroz que tentou transformá-lo numa "não-pessoa". Morreu em 1950, aos 47 anos.
Águas políticas passadas, talvez. A União Soviética, a ex formidável pátria do socialismo, não existe mais, esfarelada em repúblicas conflituosas. Para felicidade do gênero humano, não se realizaram as sombrias previsões orwellianas de "1984" _uma sociedade hipertotalitária, metida em guerras intermináveis, impondo ao povo um brutal controle do pensamento e da expressão_, o "novopensar" (newthink) e a "duplafala" (doublespeak). A televisão não se tornou um instrumento de massificação ideológica em favor do Big Brother, sendo, ao contrário, um instrumento de denúncia, que dificulta o ocultamento de selvagerias ditatoriais.
As previsões de Orwell não se realizaram ao pé da letra. Mas os verdadeiros escritores têm o dom de entrever formas da realidade que escapam facilmente aos olhos da multidão. Porque alguma coisa do "novopensar" e do "duplofalar" se encontra em nosso cotidiano. Raramente as mensagens que a humanidade troca entre si são meramente descritivas. Em geral, atingem-nos mais pelas associações de idéias e sentidos. Não haveria poesia, nem literatura, nem mesmo prece, sem adjetivos, metáforas e toda a ilimitada teia de ligações que vão se estabelecendo entre as palavras, ao longo do tempo. Mas o que faz prece ou poesia pode fazer também intriga e malefício. Questão de intenção e de dose.
Parece que mesmo línguas robustas, como o inglês, vêm perdendo a velha simplicidade por conta da "duplafala". Nos Estados Unidos, parece praga. Não há muito, uma companhia que estava mandando embora 500 empregados esclareceu: "Não caracterizamos isto como dispensa de pessoal; estamos gerenciando nossos recursos administrativos". Há consultores que trabalham especialmente no ramo de mandar gente embora e apresentam seus serviços como "consultoria para terminação e colocação externa" ou "engenharia de reemprego". No Canadá, um acidente de helicóptero foi higienizado como "desvio de um vôo normal". E os advogados do famoso jogador de futebol americano O. J. Simpson, o tal que teria matado a mulher (em quem dava surras) e o amante dela, pintaram essa relação como mera "discórdia marital". E consta que na Universidade da Califórnia, em Berkeley, a turma da educação física passou a chamar-se de "departamento de biodinâmica humana".
Exemplos inesgotáveis, alguns engraçados, outros ridículos. Mas embaçam a percepção da realidade, embora hoje não tão sinistros como no auge dos totalitarismos.
Uma ilustração recente tem pegado por aí muita gente distraída. Temos ouvido muito a expressão "excluídos" para designar grupos de pessoas de baixa renda ou supostamente marginalizadas. Há palavras apropriadas para as situações concretas: "pobre", "analfabeto", "doente", "desempregado", "drogado", por exemplo, designam situações em que determinadas pessoas objetivamente se encontram num dado momento. No resto da sociedade, espíritos decentes certamente sentirão um dever de solidariedade e, sem dúvida, pensarão no que possa ser feito para mudar esse estado de coisas.
A exclusão, no entanto, supõe uma ação deliberada contra o excluído, no caso, essa gente pobre, desempregada etc. Portanto subentende que alguém impeça à força que ela tenha acesso a bens que todos desejam. O "excludente" passa a ser indiciado como "culpado" por essa situação penosa.
Essa generalização é safada, porque sub-repticiamente legitima todas as demandas de supostos "excluídos", à custa dos demais. Houve políticas deliberadas (e criminosas) de exclusão, como a nazista, contra os não-arianos, e a comunista, contra os não-proletários.
Mas há formas de "exclusão" legítimas e até indispensáveis à existência do indivíduo e da espécie. Os países costumam fechar suas fronteiras para não serem atropelados por massas de imigrantes deslocados de outras paragens. O abuso da palavra "excluído" é particularmente frequente nas conferências internacionais. Muitos países se queixam de serem "excluídos" pela globalização, pela revolução tecnológica ou pelo liberal-capitalismo. Ao mesmo tempo praticam um nacionalismo excludente, que hostiliza capitais estrangeiros, supridores de poupança e tecnologia. Ou se impõem automutilação tecnológica, como o Brasil, com sua política de nacionalismo informático. Para não falar de países recipientes de ajuda externa, que gastam dinheiro em armamentos ou guerras tribais.
Essa confusão semântica atrapalha a compreensão do desenvolvimento econômico. Antes do processo de acumulação que é a civilização, os bandos dos nossos primitivos tataravós viviam em "equilíbrio" com a natureza _quer dizer, em média, pouco mais de 10 anos, chegando a em torno de 20 anos ao tempo de Roma, e só alcançando 40 anos nas sociedades industrializadas, no final do século passado. Fome, frio e doença eram a regra geral. E permanente guerra de pilhagem entre tribos e clãs. A escassez universal era a regra que gerava a violência.
A aquisição da racionalidade tem sido um longo esforço humano de "inclusão" ao longo de milênios. A globalização é um fenômeno de "inclusão" e não o contrário. Pelo menos usar as palavras sem deformar a mensagem está nas nossas mãos. E é parte da solução.

Roberto Campos, 82, economista e diplomata, foi senador pelo PDS-MT, deputado federal pelo PPB-RJ e ministro do Planejamento (governo Castello Branco). É autor de "A Lanterna na Popa" (Ed. Topbooks, 1994).
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O LUGAR DOS IDOSOS NO MERCADO




EDITORIAL
O ESTADO DE S. PAULO


O Brasil se beneficia hoje do que se convencionou chamar de "bônus demográfico": dispõe de um enorme contingente de habitantes em idade útil para o trabalho, enquanto cai a taxa de natalidade, possibilitando mais recursos para atendimento à população infantil e reduzindo o atraso em educação e saúde. Graças, porém, à melhoria das condições de vida, que elevou para 73,5 anos a expectativa de vida do brasileiro, o bônus demográfico deve ser visto de forma mais abrangente. Segundo dados do Censo de 2010, a quantidade de pessoas com mais de 60 anos em atividade no mercado de trabalho cresceu 65% em relação a 2000, saltando de 3,3 milhões para 5,4 milhões de pessoas.
Com o aquecimento da economia, milhões de brasileiros, muitos deles já aposentados, continuam fazendo parte da população economicamente ativa (PEA) em todas as regiões. As taxas de expansão chegam a ser muito expressivas em determinadas áreas, como o Distrito Federal (151%), o Amapá (135%) e Santa Catarina (104%). Com a experiência adquirida durante décadas, esses trabalhadores mais velhos não aceitam ser relegados à inatividade, seja por uma questão de satisfação pessoal, seja porque precisam complementar seus rendimentos.
Se aposentados pelo INSS, a maioria desses idosos recebe hoje, no máximo, R$ 3.691,74 mensais, se tiver 35 anos de contribuição (para os homens) ou 30 anos (para as mulheres). Os valores são consideravelmente menores no caso de aposentadoria proporcional com 30 anos de contribuição (homens) e 25 (mulheres). Com o envelhecimento progressivo da população, é previsível que esse número aumente apreciavelmente nos próximos anos.
Nota-se que, em determinadas áreas, os idosos chegam a constituir 30% da força de trabalho. Mesmo no Nordeste, com uma massa maior de população jovem, a proporção de pessoas idosas em exercício profissional regular fica ao redor de 25% da PEA. Ainda que fosse mudada a legislação, elevando gradativamente a idade média para aposentadoria - o que alguns economistas consideram inevitável para conter a escalada do déficit previdenciário - isso não afetaria os idosos. O fato é que os aposentados hoje com mais de 60 anos, se trabalharem com carteira assinada, devem continuar contribuindo para a Previdência Social, embora não haja possibilidade de aumentar o valor de sua aposentadoria. São raros os casos de aposentados que voltaram a trabalhar e obtiveram na Justiça a revisão do valor de seus proventos. Para muitos, portanto, a legislação possibilitando a constituição de empresas individuais foi uma importante abertura.
O que se nota hoje é a revalorização do trabalho de pessoas de mais de 60 anos por parte das empresas, principalmente para o preenchimento de vagas que exigem nível técnico elevado. Depois da crise econômica, houve uma mudança de mentalidade, passando-se a valorizar também a experiência, observa Francisco Monteiro da Costa, diretor da consultoria de RH Human Brasil. Segundo ele, os selecionadores começaram a ver a possibilidade de aproveitamento de profissionais seniores e também de uma distribuição mais equitativa entre jovens e velhos nas equipes. De fato, em muitas empresas os mais experientes são muitas vezes utilizados para treinar os mais jovens ou atuar como controladores da execução de tarefas que requerem mais apuro.
Esse "mix" é tanto mais útil considerando que, segundo o IBGE, 20 milhões de brasileiros ingressaram no mercado de trabalho nos últimos dez anos. A proporção de trabalhadores com carteira assinada passou de 36% para 44%, enquanto a proporção de informais caiu de 24% para 18%. Boa parte desses trabalhadores, independentemente da sua escolaridade, aprende o ofício no trabalho e, frequentemente, quem os prepara para a prática são profissionais mais velhos. E estes não deixam de estar atualizados com relação a novas técnicas. Muitos deles se reciclam por meio de cursos específicos para as atividades que desejam desempenhar em um mercado em constante transformação.
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sábado, 28 de janeiro de 2012

Governo do trilhão

MIRIAM LEITÃO
O GLOBO


O governo federal tirou dos contribuintes quase R$1 trilhão no ano de 2011 em forma de impostos. E, mesmo assim, terminou o ano no vermelho, com um déficit nominal de 2,4% do PIB. O bolso do contribuinte, pessoa física e jurídica, também teve que mandar outros bilhões de reais para sustentar os governos estaduais e municipais.
A carga tributária pode ter aumentando 1,12 p.p. sobre o PIB, pelas contas do IBPT, e há fatos curiosos. A arrecadação aumentou 10,1%, descontando a inflação, apesar de o país ter desacelerado o ritmo no final do ano. O país cresceu menos de 3% em 2011, e a receita do governo federal com impostos e contribuições aumentou sobre 2010, em que o PIB cresceu 7,5%.
Em parte, isso é efeito de defasagem em impostos, como o Imposto de Renda, por exemplo, que cresceu quase 20%, mais do que a média das outras taxas. Mas há outros fatores que explicam o resultado positivo: a suspensão das isenções fiscais para o setor automobilístico, o aumento do imposto de importação, uma elevação do tributo sobre ganhos de capital. E um pagamento de uma dívida que estava sendo contestada pela Vale. Só a empresa pagou ao governo R$5 bilhões, mesmo antes de encerrar a discussão judicial. A nova diretoria da Vale decidiu fazer o recolhimento.
Até a Cide, Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico, nome pomposo do imposto que incide sobre combustíveis, teve aumento de arrecadação, apesar da redução do tributo para favorecer a Petrobras. Como a estatal está tendo perda com a importação de gasolina a preço acima do que ela pode cobrar das distribuidoras, foi feita uma gambiarra: o governo reduziu o tributo, mas manteve o preço para que a estatal fique com uma parte maior do dinheiro. Mesmo assim, recolheu R$9 bilhões. A Cide foi criada para financiar o investimento em infra-estrutura de transporte. Se fosse todo dedicado a isso, e se o Ministério dos Transportes usasse bem o dinheiro - sem desvios e com eficiência - o Brasil teria dado no ano passado um salto na qualidade da logística. Não foi o que aconteceu.
O problema no Brasil não é apenas que o governo cobra imposto demais, é que ele usa os recursos de forma ineficiente, a cada ano precisa de mais impostos, e sempre está fechando as contas com déficit. É uma dinâmica que não pode ser mantida indefinidamente. A carga tributária tem aumentado há quase 20 anos.
Para cumprir as metas fiscais, de superávit primário, o governo precisou postergar investimentos e recolher mais impostos. Imagina o que teria acontecido se a arrecadação não tivesse aumentado? O governo não pode contar sempre com aumento da receita para fechar as contas, porque haverá anos difíceis. Em 2012, muito provavelmente os impostos não crescerão nessa proporção. O ajuste tem que ser feito pelo lado da despesa e não apenas pela elevação da receita.
O presidente do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário, João Eloi Olenike, disse que normalmente a arrecadação federal é 70% de todos os impostos pagos pelos brasileiros. Se juntarmos com o que os contribuintes recolheram aos estados e municípios a carga que pesou sobre os nossos bolsos foi de R$1,375 trilhão. Só nos primeiros vinte dias de 2012 os brasileiros já pagaram R$100 bilhões, segundo o impostômetro da Associação Comercial de São Paulo.
Parte do aumento da arrecadação é por maior eficiência fiscalizatória. É bom que haja, para evitar a sonegação. Mas o peso dos impostos continua sendo distribuído desigualmente.
- Os impostos em sua maioria incidem sobre o consumo e assim não se separa por faixa de renda. Todos pagam igual, o que é inconstitucional. O pobre paga tanto quanto o rico - diz Olenike.
O brasileiro não recebe a informação do imposto que está sendo pago em cada produto. Ao contrário de outros países, no Brasil não há a discriminação dos impostos embutidos no preço.
Aumento da transparência de quanto pagamos de impostos indiretos é uma das tarefas urgentes para que ambos - governo e contribuintes - tenham mais consciência do custo que recai sobre a população. Um lado se sentiria mais obrigado a prestar contas do uso do dinheiro, e o outro lado teria mais consciência dos direitos que tem para exigi-los.
O governo diz que esse dinheiro cobrado retorna para a sociedade em forma de serviços, e deu como exemplo a forte redução da pobreza nos últimos anos. Isso é apenas parte da verdade. Com programas como Bolsa Família o governo gasta uma fração do dinheiro arrecadado, já o Bolsa Rico é bem mais caro. Não se sabe quanto. O Bolsa Rico é o conjunto de transferências feitas através das isenções de impostos aos lobbies mais poderosos, dos empréstimos subsidiados, e das capitalizações de empresas feitas muitas vezes com o BNDES pagando preço acima do valor de mercado. O Bolsa Família está no Orçamento, o Bolsa Rico, não.
Há inúmeras comparações que se pode fazer. Todas elas chegarão ao mesmo ponto. O governo gasta muito com a sua própria manutenção, tem 38 ministérios, desperdícios, e são frequentes os casos de desvio. O governo precisa merecer o dinheiro que recebe da sociedade.
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Berço esplêndido até quando?

ROBERTO RODRIGUES
Blog do Murillo

Nós aqui, sem estratégia, ainda criamos dificuldades para atrair investidores; sem falar no custo Brasil

Alguns dos principais líderes mundiais públicos e privados estão reunidos na gelada Davos, na Suíça, debatendo acaloradamente o futuro. A crise financeira da Europa -com seus reflexos na economia global- está por trás das discussões todas.

Como sempre, analistas farão as mais variadas previsões, das quais muitas jamais se confirmarão.

É o World Economic Forum (WEF), onde os dirigentes têm uma excelente oportunidade de trocar ideias e experiências, além de entabular negócios.

E, finalmente, a agricultura ganhou importância no temário geral, empurrada pelas questões ligadas ao combate à fome e ao aquecimento global, entre outros fatores.

Um competente grupo de trabalho foi constituído para estudar o assunto, e construiu o documento "Uma nova visão para a agricultura", alicerçado em três pilares (segurança alimentar, sustentabilidade e oportunidade econômica).

Ele estabelece o Compromisso 20/20/20, propondo que a cada década o planeta aumente a produção agrícola em 20%, reduza as emissões de gases de efeito estufa em 20% e diminua a pobreza rural em outros 20%.

Naturalmente, cada um desses pilares tem uma variada receita de propostas e projetos que passam pelo uso de novas tecnologias, minimização de desperdício, melhoria de hábitos alimentares, redução do impacto no ambiente, gestão de bacias hidrográficas, sequestro de carbono, preservação da biodiversidade, aumento da renda dos mais pobres etc.

E também assinala a necessidade de esforços coordenados e concentrados no sentido de investimentos em inovação, infraestrutura e logística e mecanismos de mercado acessíveis a todos.

O interessante desse trabalho de fôlego é a premissa principal: mobilizar o setor privado internacional para tornar a agricultura o motor central do crescimento social e da estabilidade do futuro.

Não há nenhuma garantia de que isso gere ações concretas, até porque a receita é extremamente variada e rica, dependendo do país em que seja aplicada.

Mas é a primeira vez que um fórum da qualidade do WEF, com a assistência de tantos líderes poderosos, trata do agro de forma objetiva e propositiva.

A compreensão de que a fome é ameaça à paz pode estar determinando essa novidade.

E, é claro, o Brasil emerge como um potencial grande produtor mundial. Mas, surpreendentemente, com importância relativa menor.

A propósito, nesta semana estive em Berlim para um encontro de grandes empresas mundiais ligadas ao agro para discutir investimentos em agricultura na África.

Os números mostrados lá foram impressionantes. Somente a África subsaariana teria mais de 200 milhões de hectares agricultáveis, três vezes a área atualmente cultivada no Brasil. Nós temos mais 100 milhões de hectares para incorporar à área produtiva. E temos tecnologia, gente e competência para crescer rapidamente, mas não temos estratégia, política coordenada, regras.

Já os países africanos não têm isso, nem infraestrutura, nem gente preparada e ainda lhes falta institucionalidade, como a propriedade da terra, por exemplo.

Mas os governos africanos estão chamando os investidores e pedindo para dizerem o que querem, propondo-se a fazer o que for necessário para que venham investir.

E esses, percebendo o potencial de altíssimos lucros em razão de custos baixos e de um gigantesco mercado demandante, querem ir logo, com pressa.

E nós aqui, sem estratégia, ainda criamos dificuldades de toda ordem para atrair investidores. Sem falar no nosso conhecido custo Brasil.

Será possível que ficaremos deitados eternamente em berço esplêndido? Está na hora de nos levantarmos do berço, trabalhar com vigor para depois dormirmos tranquilos na grande cama que estão querendo levar para outros continentes.

Basta ver os pesados investimentos agrícolas que estão sendo feitos por empresários estrangeiros na Rússia, na Ucrânia e em outros países da Europa Central. E agora é a vez da África...
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AS ASAS DE DEUS




 
 
 
 
 















Asas de Deus
Depois de um incêndio florestal no Parque Nacional de Yellowstone, guardas florestais começaram a sua caminhada até uma montanha para avaliar os danos do inferno e Um ranger encontrou um pássaro literalmente petrificado em cinzas,empoleirado s no chão na base de uma árvore. Um pouco enojado com a visão misteriosa, ele derrubou o pássaro com uma vara. Quando ele bateu nela delicadamente, três filhotes minúsculos correram sob as asas de sua mãe morta. A mãe amorosa,em plena consciência do desastre iminente, tinha levado seus filhos para a base da árvore e reuniu-os debaixo das asas, instintivamente sabendo que a fumaça tóxica subiria. Ela poderia ter voado para a segurança, mas se recusou a abandonar seus bebês. Em seguida, o incêndio chegou e o calor tinha queimado seu corpo pequeno, a mãe havia permanecido firme ... porque ela tinha se disposto a morrer, assim que aqueles sob a cobertura de suas asas viveriam. "Ele te cobrirá com as suas penas, e debaixo das suas asas você encontrará refúgio". (Salmo 91:4) Minhas instruções foram para enviá-lo para as pessoas que eu queria que Deus abençoasse e eu escolhi vocês. Por favor, passem esta mensagem as pessoas que você quer  abençoar. Tempo não espera por ninguém. Valorize cada momento que você tem.

 



Energia cara demais

CELSO MING
O Estado de S.Paulo

A maioria dos países produz energia elétrica a partir de matéria-prima cada vez mais cara: petróleo, gás, urânio enriquecido ou carvão mineral. No Brasil, 75% da geração provém de recursos obtidos a custo operacional próximo de zero: água de rios ou vento.

Seria o suficiente para garantir a tarifa mais barata do mundo. Mas, desgraçadamente, acontece o contrário: a energia elétrica tupiniquim para a indústria já é a quarta mais cara (veja tabela). É um dos itens que mais derrubam a competitividade da produção nacional.

Na média, a indústria brasileira paga R$ 329,00 por megawatt/hora (MWh), 35% acima da média mundial, de R$ 215,50 por MWh - aponta a Federação das Indústrias do Rio de Janeiro.

Tomando-se apenas países da sigla Bric, a tarifa do Brasil é 43% superior à da Índia; 57%, à da China; e 72%, à da Rússia. (Cálculos feitos a partir de dados da Aneel e da Agência Internacional de Energia).

Além da China, Estados Unidos e Alemanha são os maiores concorrentes comerciais do Brasil. Lá o produtor paga, respectivamente, 35% e 62% a menos.

Quase um terço do custo do quilowatt/hora consumido pela indústria do Brasil é imposto - sobretudo ICMS e PIS-Cofins. Na Alemanha, no Chile, no México e em Portugal, o tributo embutido na energia é zero - seus governos entendem que não se pode prejudicar a competitividade da produção interna. Por aqui, a voracidade tributária dos Estados e do governo federal prevalece sobre a necessidade de criar empregos e de reduzir o custo Brasil.

(Atenção: a comparação de todos esses custos está sujeita a variações cambiais e pode mudar todos os dias.)

Outros 17,5% do custo no Brasil são formados por encargos setoriais pagos ao governo para desenvolvimento do setor e pelo uso do sistema de transmissão.

Levando-se em conta apenas geração, transmissão e distribuição (média estimada em R$165,50), o custo do MWh no País ainda ultrapassa as tarifas cheias (incluídos aí os impostos) de China, Estados Unidos, Argentina e Rússia. É gol contra do Brasil especialmente agora quando a crise global - de desfecho ainda imprevisível - acirra a luta pela conquista dos mercados.

Carlos Eduardo Spalding, vice-presidente do Conselho Diretor da Associação Brasileira de Consumidores Industriais de Energia e conselheiro da Confederação Nacional da Indústria, lembra que, em 2015, vencem concessões equivalentes a 20% da capacidade de geração de energia. "Grande oportunidade para baixar tarifas." Mas nada indica que o governo pense assim.

Para Spalding, o preço da geração da energia teria de cair no mínimo 35% para, ao menos nesse ponto, o produto brasileiro voltar a conferir competitividade.

A questão tributária envolve complicadas negociações, congeladas sempre que a reforma volta à pauta. Se prevalecer a visão de que o ICMS seja cobrado pelo Estado do destino da mercadoria (ou do insumo) e não pelo da origem, alguns perderão enorme fonte de renda, como o Paraná - onde está Itaipu, a maior hidrelétrica do País.
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Manter o sonho


MERVAL PEREIRA
O GLOBO

O Fórum Econômico Mundial chega ao fim aqui em Davos com um saldo bastante favorável. Pela primeira vez nos últimos anos, desde que a crise econômica se acentuou no final de 2008, não se viam debates tão objetivos e resultados tão eloquentes quanto os desta edição.

O pessimismo com que está sendo visto o futuro da Europa se transformou em esperança de que passos concretos serão dados nos próximos dias e meses, como a assinatura do acordo de convergência fiscal que deve ser assinado no final do mês.

O presidente do Banco Central Europeu, Mario Draghi, classificou esse acordo como fundamental para restaurar a credibilidade da União Europeia, e acentuou que até meses atrás nenhum país se dispunha a abrir mão de sua soberania para aceitar regras fiscais comuns.

O acordo a ser assinado seria o primeiro passo para um programa fiscal único na União Europeia, com uma supervisão acima dos estados nacionais.

O presidente do BCE fez esse diagnóstico momentos depois de uma sessão que reuniu ministros da área econômica da zona do euro, que também passaram uma mensagem esperançosa com o futuro que está sendo negociado.

O acordo de convergência fiscal foi considerado por eles como um passo essencial para restaurar a confiança em suas economias em apuros.

"Estamos reconstruindo a estrutura econômica da Europa", comemorou o Comissário Europeu para Assuntos Econômicos e Monetários, Olli Rehn, acrescentando que para tal há a necessidade de um acordo fiscal comum.

Já o ministro dos Negócios Econômicos e Competitividade da Espanha, Luis de Guindos Jurado, ressaltou que a palavra chave a esta altura é "prevenção", e todos estão empenhados em prevenir uma crise fiscal e desequilíbrios externos que aconteceram no passado, com um tremendo custo humano, salientou, referindo-se ao desemprego em taxas alarmantes, especialmente entre os jovens, e sobretudo na Espanha.

Para o ministro espanhol, o passo vital para restituir a confiança na Europa é o quadro institucional que vier a ser adotado, e o compromisso dos países de cumpri-lo.

O ministro Guindos Jurado garantiu que já há um consenso na Europa de que é preciso evitar os erros cometidos no passado.

Mas ficou claro durante o debate que ainda existem muitas divergências em medidas importantes que teriam que ser tomadas, como, por exemplo, a adoção da proteção (firewall) para países como Itália e Espanha, para prevenir a disseminação do pânico no caso de uma situação sair do controle.

Com relação ao lançamento de Eurobonds, a dificuldade é que a Europa precisa criar primeiro uma estrutura fiscal comum, como salientou o ministro das Finanças da Alemanha, Wolfgang Schäuble.

Os ministros econômicos concordaram que a reestruturação da dívida da Grécia, o grande problema atual, está bem encaminhada, e todos se manifestaram otimistas quanto a um resultado positivo.

Schäuble chegou mesmo a dizer que não acreditava que a Grécia pudesse quebrar, sendo apoiado pelo Comissário Rehn, que concordou que o acordo grego com seus credores está perto de ser fechado.

François Baroin, ministro da Economia, Finanças e Indústria da França, ressaltou que a decisão do Banco Central Europeu de garantir fundos ilimitados para os empréstimos foi um esforço muito bem-vindo para ajudar a combater a crise.

Como o BCE é percebido como um órgão independente, ressaltou Baroin, a garantia por três anos reduziu consideravelmente as tensões no sistema bancário europeu, e ajudará na recuperação da confiança.

Já tratando o assunto como resolvido, o ministro francês disse que agora a Europa tem que pensar em como voltar a crescer. O ministro espanhol Guindos concordou, lembrando que a liquidez não é a cura final dos problemas, mas apenas uma ajuda importante.

A cura final virá com crescimento e mais empregos, ressaltou, refletindo a preocupação com a taxa altíssima de desemprego em seu país.

Vários painéis foram realizados para discutir o futuro da Europa, tanto do lado prático quanto do lado psicológico.

A necessidade de um forte corte nos gastos é ponto pacífico entre os debatedores, mas também há o consenso sobre o papel desse aperto fiscal: ele não ajudará os países da zona do euro a crescer.

Uma proposta surgida num dos painéis foi a de diminuir o tamanho do Estado, que pode chegar em alguns países a 50% do PIB.

Um corte em subsídios, especialmente na agricultura, poderia fornecer dinheiro para investimentos na infraestrutura, que além de modernizar os países geraria empregos imediatos.

Outra preocupação é com a inclusão da juventude no mercado de trabalho, e a educação técnica na França, ligada a grandes projetos, é um exemplo a ser seguido.

Mesmo com todas as dificuldades, não há consenso sobre a necessidade de reduzir o estado de bem-estar social.

É majoritária a ideia de que tudo pode continuar como está, com pequenos ajustes, inclusive porque as reformas do mercado de trabalho, ou ajustes no sistema de previdência, são temas politicamente delicados que devem ser tratados como metas de longo prazo.

No painel onde os aspectos subjetivos da crise europeia foram discutidos, houve um acordo sobre as consequências na identidade da região, questionando-se especialmente até que ponto sua história comum, valores compartilhados e conquistas recentes serão suficientes para manter a unidade do grupo.

Apesar de existir o receio de que a crise possa favorecer o surgimento de populismos divisionistas, o anseio maior é de que a Europa continue sendo um exemplo de democracia, capaz de oferecer um modelo social alternativo.
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O segredo da acumulação primitiva neoliberal

O texto, que fala sobre imigração, já tem dez anos e fala de uma lamentável realidade mundial se intensificando no Brasil.

Uma visão de um filósofo renomado para ressaltar a recente questão dos haitianos que a mídia, em meu ver, não está aprofundando para reflexão da sociedade.




Contardo Calligaris

Na quarta-feira da semana passada, a coluna de Elio Gaspari na Folha evocava o drama recente de um navio de crianças escravas errando ao largo da costa do Benin. Ao ler o texto -que era inspirado-, o navio tornava-se uma metáfora de toda a África subsaariana: ilha à deriva, mistura de leprosário com campo de extermínio e reserva de mão-de-obra para migrações desesperadas.

Além da África, a viagem do navio negreiro evocava o sofrimento de imigrantes asfixiados em caminhões que atravessavam o Canal da Mancha, afogados no meio do rio Grande ou vencidos pelo sol e pela sede no deserto do Texas -os heróis das fotografias de Sebastião Salgado.

Elio Gaspari propunha um termo para designar esse povo móvel e desesperado: "os cidadãos descartáveis". "Massas de homens e mulheres são arrancadas de seus meios de subsistência e jogadas no mercado de trabalho como proletários livres, desprotegidos e sem direitos." São palavras de Marx, quando ele descreve a "acumulação primitiva", ou seja, o processo que, no século 16, criou as condições necessárias ao surgimento do capitalismo.

Para que ganhássemos nosso mundo moderno, foi necessário, por exemplo, que os servos feudais fossem, à força, expropriados do pedacinho de terra que podiam cultivar para sustentar-se. Massas inteiras se encontraram assim, paradoxalmente, livres da servidão, mas obrigadas a vender seu trabalho para sobreviver.

Quatro ou cinco séculos mais tarde, essa violência não deveria ter acabado? Ao que parece, o século 20 pediu uma espécie de segunda rodada, um ajuste: a criação de sujeitos descartáveis globais para um capitalismo enfim global.

Simples continuação ou repetição? Talvez haja uma diferença -pequena, mas substancial- entre as massas do século 16 e os migrantes da globalização: as primeiras foram arrancadas de seus meios de subsistência, os segundos são expropriados de seu lugar por uma violência comparável à da fome, por exemplo, mas quase sempre eles recebem em troca um devaneio. O protótipo poderia ser o prospecto que, um século atrás, seduzia os emigrantes europeus: sonhos de posse, de bem-estar e de ascensão social.

As condições para que o capitalismo invente sua versão neoliberal são subjetivas. A expropriação que torna a passagem possível é psicológica: necessita que sejamos arrancados nem tanto de nossos meios de subsistência, mas de nossa comunidade restrita, familiar e social, para sermos lançados numa procura infinita de status (e, hipoteticamente, de bem-estar) definido pelo acesso a bens e serviços. Arrancados de nós mesmos, devemos querer ardentemente ser outra coisa do que somos.

Depois da liberdade de vender nossa força de trabalho, a "acumulação primitiva" do neoliberalismo nos oferece a liberdade de mudar e subir na vida, ou seja, de cultivar visões, sonhos e devaneios de aventura e de sucesso. E, desde o prospecto do emigrante, a oferta vem se aprimorando. A partir dos anos 60, por exemplo, a televisão forneceu os sonhos para que o campo não só devesse, mas quisesse ir para a cidade.

Cuidado: a criação das condições psicológicas necessárias para o neoliberalismo não coincide com a simples promoção de um consumo massificado.

O requisito para que a máquina neoliberal funcione é mais refinado do que a venda dos mesmos sabonetes ou filmes para todos. Trata-se de alimentar um sonho infinito de perfectibilidade e, portanto, uma insatisfação radical. Não é pouca coisa: é necessário promover e vender objetos e serviços por eles serem indispensáveis para alcançarmos nossos ideais de status, de bem-estar e de felicidade, mas, ao mesmo tempo, é preciso que toda satisfação conclusiva permaneça impossível.

Para fomentar o sujeito neoliberal, o que importa não é lhe vender mais uma roupa, uma cortina ou uma lipoaspiração. Mas alimentar nele sonhos de elegância perfeita, casa perfeita e corpo perfeito. Pois esses sonhos perpetuam o sentimento de nossa inadequação e garantem, assim, que ele seja parte inalterável, definidora da personalidade contemporânea.

Provavelmente seria uma catástrofe se pudéssemos, de repente, acalmar nossa insatisfação. Aconteceria uma queda total do índice de confiança dos consumidores. Bolsas e economia iriam para o brejo. Desemprego, crise etc.

Melhor deixar como está. No entanto a coisa não fica bem. Do meu pequeno observatório psicanalítico, parece que o permanente sentimento de inadequação faz do sujeito neoliberal uma espécie de sonhador descartável, que corre atrás da miragem de sua felicidade como um trem descontrolado, sem condutor, acelerando progressivamente por inércia -até que os trilhos não aguentem mais.
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