O Globo
Professor da USP vê paradoxo entre criação de vagas e seguro-desemprego recordes
O SOCIÓLOGO José Pastore sugere que FGTS renda mais para aqueles que só sacarem o fundo na aposentadoria
SÃO PAULO. O Brasil vive o paradoxo da criação recorde de vagas de emprego e, ao mesmo tempo, gastos também recordes com o seguro-desemprego. No ano passado, essas despesas chegaram a R$32 bilhões, valor que deve, no mínimo, ser repetido neste ano, de acordo com estimativa do sociólogo José Pastore, professor da Faculdade de Economia e Administração da USP e presidente do Conselho de Emprego e Relações do Trabalho da Fecomercio-SP. Para ele, "essa estranha combinação" se deve em grande parte a incentivos mal desenhados, que levariam o trabalhador a entrar num ciclo de demissões autoprovocadas e trabalho informal, com o objetivo de tirar o máximo dos recursos públicos destinados a amparar o desempregado. Para ele, é preciso adotar um conjunto de medidas para corrigir o problema.
Paulo Justus
paulo.justus@sp.oglobo.com.br
Por que o Brasil gasta tanto com o seguro-desemprego, mesmo com altas taxas de criação de vagas?
JOSÉ PASTORE: É um paradoxo. Isso ocorre, no meu entender, devido a leis de má qualidade, que, em lugar de dar incentivos na direção certa, do trabalho, dão incentivos na direção errada, da ociosidade gratificada, remunerada e indenizada.
Quais são esses incentivos?
PASTORE: O seguro-desemprego, a partir de seis meses num mesmo emprego, pode ser usado por um período de até quatro meses. Num mercado aquecido como o nosso, muitos empregados até conseguem provocar sua demissão sem justa causa e buscar depois um outro emprego. Assim, um trabalhador que recebe mil reais por mês durante um ano numa mesma empresa tem acumulado R$1.040 de Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e ainda direito à indenização de 40%, que totalizará R$1.440 no momento da demissão. Além disso, tem direito a mil reais de décimo terceiro salário, R$1.333 de férias e abono, somando R$3.773. Depois de desligado da empresa, tem direito a quatro parcelas de seguro-desemprego de R$763,29, totalizando R$3.053,16. Somando-se tudo isso, o empregado disporá nesses quatro meses de R$6.826, o que dá uma média de R$1.706 por mês, cerca de 70% a mais do que receberia quando estava trabalhando. Além disso, com muita frequência esse desempregado passa a trabalhar quase que imediatamente no mercado informal, mas continua recebendo o seguro-desemprego. Vencido o período do benefício, ele volta ao mercado formal, onde trabalha por mais 18 meses até que faça jus ao novo saque e recomece o ciclo. Você verifica que as leis são um prêmio legal que o país oferece às pessoas que se utilizam desse tipo de expediente. Não tem nada de ilegal, pode ser imoral, mas não é ilegal.
Qual foi o prejuízo desse sistema para o país?
PASTORE: Em 2011 houve um gasto de mais de R$22 bilhões só com seguro-desemprego. Isso é uma fábula num país que hoje está até com falta de mão de obra. É um absurdo gastar um montante desse num problema que é produzido por regulamentos mal orientados.
Qual seria um valor condizente com a situação da nossa economia?
PASTORE: Eu estimaria que cairia pela metade, o que já é um bom dinheiro. Daria para gerar muito emprego.
Que medidas poderiam ser tomadas para corrigir essas distorções?
PASTORE: A exigência de se aceitar um emprego oferecido pelo Sistema Nacional de Emprego, que o Ministério do Trabalho adotou, é uma boa solução. Há outra medida que também foi aprovada recentemente junto com o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec), mas ainda depende de regulação: diz que a pessoa que estiver desempregada tem de estar num curso de treinamento para receber o benefício. Isso é uma coisa boa porque impede essa manobra de entrar no mercado informal e ficar cumprindo tabela para poder usar novamente a legislação. Uma outra proposta seria conjugar o FGTS com a aposentadoria. Você restringiria os motivos de saque que hoje vão desde pagamento de pensão até calamidades, e daria uma remuneração mais decente do que a que existe hoje, para aquele trabalhador que concordasse em sacar o fundo na sua aposentadoria. Você teria uma espécie de incentivo para não sacar.
Quais são os trabalhadores que mais tiram vantagem dessas brechas na lei?
PASTORE: Esses incentivos funcionam mais para os salários mais baixos, que constituem a grande maioria dos salários no Brasil, já que cerca de 80% dos rendimentos de hoje estão em até 2,5 salários mínimos.
Em que setores isso é mais comum?
PASTORE: Serviços, comércio agrícola e empregado doméstico, nos casos em que há opção do Fundo de Garantia, que são poucos, além de pequenas indústrias. Afeta mais as pequenas empresas numa maneira geral. Setores que pagam salários maiores, como a indústria altamente qualificada e o setor bancário, não sofrem tanto com isso.
O trabalhador realmente consegue provocar a sua própria demissão?
PASTORE: A dispensa pode ser determinada pelo trabalhador ou pelo empregado. O que acontece é que você consegue registrar bem nas estatísticas a demissão provocada pelo empregador, mas aquela provocada pelo empregado também é registrada como se fosse de iniciativa do empregador. Quando o funcionário tem vontade de sair e quer sacar o Fundo, cria uma série de problemas na empresa. Simplesmente faz uma operação tartaruga e reduz sua produtividade. Não precisa nem agredir ninguém. A empresa faz o cálculo e vê que é melhor demitir e pagar os 40% de indenização e arranjar um outro trabalhador do que ficar com ele com uma produção baixa. A Justiça não pode fazer nada para punir esse trabalhador que não teve uma produtividade adequada.
A própria formalização não pode estar impulsionando esse aumento dos gastos com seguro-desemprego, já que mais trabalhadores agora têm direito ao benefício?
PASTORE: A formalização pesa, mas não motiva essa disparada. O principal é o uso inteligente de leis não inteligentes, para não dizer que são burras, leis de má qualidade.
Os gastos com o seguro-desemprego vão continuar a aumentar em 2012?
PASTORE: Acho que vão crescer ainda neste ano. Até entrar em vigor essa parafernália toda de incentivos bem direcionados, acho que ainda vai repetir o resultado do ano passado.
Como fiscalizar isso?
PASTORE: Sei que o Ministério do Trabalho tem um modelo para tentar identificar aquele trabalhador que está na formalidade para ver se ele já trabalhou na informalidade, mas é difícil.
Hoje existe alguma penalidade prevista?
PASTORE: Do lado do empregador, sim, tem penalidades claras, mas do lado do empregado, não. Caberia uma ação criminal contra aqueles que estão trabalhando informalmente e recebendo o seguro-desemprego, porque isso é estelionato. Mas aquele que recebe sem trabalhar não está cometendo nenhum crime. Às vezes, você faz leis com boas intenções, para ajudar, mas são predatórias e devastadoras, em termos de despesas de governo e de competitividade da economia. Essa lei é um exemplo claro.
.
Nenhum comentário:
Postar um comentário