Erasmo Battistella
O Globo
O mundo acompanhou no final de 2011 a COP-17, a conferência sobre clima organizada pelas Nações Unidas em Durban. Não faltou quem comemorasse o resultado alvissareiro que lançou as bases para um futuro acordo de controle das emissões de gases poluentes envolvendo todas as nações.
Infelizmente o resultado da conferência, a exemplo da de Kyoto em 1995, pode não passar de apenas alvissareiro. Afinal, até 2020 nada se fará pelo combate ao aquecimento global, quando então deverá entrar em vigor "um protocolo com força legal" para tanto, como diz o texto da conferência na África do Sul.
Há muito tempo a questão ambiental deixou de ser um problema do futuro, pois é no presente que ele se mostra inevitável, com o pouco que fazemos para sua solução.
O Brasil, contudo, tem trabalhado para isso. Entre várias linhas de ação se destaca o Plano Nacional de Produção e Uso do Biodiesel (PNPB), que desde 2004 prevê a mistura de 5% de biodiesel no diesel mineral comercializado no país.
De lá para cá, uma indústria dinâmica e inovadora se formou em torno deste importante ativo na matriz energética do futuro.
Cerca de R$4 bilhões foram investidos em pesquisa e desenvolvimento, em um parque fabril composto por mais de 60 usinas espalhadas por todo o país, que geram 1,3 milhão de empregos.
O cenário é o de um verdadeiro "pré-sal" verde, onde cada usina é como uma plataforma de produção cercada por um mar de soja e outras culturas agrícolas, a um custo muito menor do que na camada do pré-sal fóssil e com ganhos de sustentabilidade incomparáveis.
Sem falar nos riscos de acidentes que a exploração do óleo cru implica, como os no Campo de Frade, no litoral norte do Rio de Janeiro, exatamente quando acontecia a conferência da ONU.
Nos últimos cinco anos o setor mobilizou a participação de 103 mil famílias de pequenos agricultores como fornecedores de matérias-primas. Mas o que quase ninguém que se reuniu em Durban sabe é que o caminho pela frente só tende a melhorar se forem dados os passos certos.
O Brasil produz hoje de 2,6 a 2,8 bilhões de litros de biodiesel e consome uns 200 milhões de litros a mais. Esse desempenho faz de nós o terceiro produtor mundial e o líder em consumo, com a retração do mercado interno alemão em função da crise na Europa.
Portanto, se já investimos R$4 bilhões para misturar 5% de biodiesel no diesel vendido no país, para chegarmos a 20% da mistura, como pretendido em 2020, investiremos quase R$30 bilhões. Na geração de empregos, chegaremos a 4,7 milhões de postos de trabalho. E, no envolvimento das famílias agricultoras, serão 531 mil.
Entretanto, o país não tem ainda leis que assegurem a gradativa introdução do combustível na matriz energética, tanto do Brasil quanto do mercado externo, pois hoje não exportamos uma gota de biodiesel, perdendo competitividade e deixando de contribuir para o saldo da balança comercial. O setor tem contribuído, ao menos, para reduzir o déficit suprindo parte das importações de diesel.
Em termos de benefícios ao meio ambiente, à saúde humana e às políticas de saúde pública, os benefícios da adoção do biodiesel são comprovados cientificamente por estudo da Fundação Getúlio Vargas.
O combustível emite 57% menos gases poluentes que o diesel fóssil. Com 10% de mistura, a emissão de gás carbônico reduzirá em 8%. Com 20% misturados ao diesel normal, ela cairá em 12%.
Com 5% misturados no diesel que move ônibus e caminhões em nossas estradas e cidades, o biodiesel contribui para reduzir em 12.945 o número de internações hospitalares por problemas respiratórios. Com 10% misturados, essa redução pode chegar a 34.520. E a 20% de mistura, 77.672 internações a menos.
Na mesma trajetória de aumento de mistura, hoje, com 5% de biodiesel no diesel, 1.838 vidas são poupadas. Com 10%, esse número pode chegar a 4.902. E, quando estivermos com 20%, o Brasil estará salvando 11.029 vidas.
Mas enquanto na Europa e na América Latina (Argentina e Colômbia) a previsão é de chegar em 2020 com 20% de mistura de combustível limpo no diesel, a falta de previsão legal no Brasil, apesar do PNPB e de todo o comprometimento institucional, leva a tomar corpo no setor produtivo a proposta de graduação anual de 1,5% da mistura, para que os benefícios sejam permanentes e para todos.
O crescente consumo de energia no mundo gera previsões da necessidade de um aumento de 30% na produção nos próximos dez anos, vindos do petróleo. O pré-sal brasileiro tem um importante papel a desempenhar nesse cenário. Não podemos, no entanto, esquecer as alternativas limpas e renováveis.
A crise econômica na Europa e nos EUA, a chamada Primavera Árabe e questões como o respeito aos direitos humanos, às minorias e ao meio ambiente podem ser sintomas de que a humanidade vive um momento de inflexão, de onde deve emergir com valores mais nobres, onde o biodiesel pode ser parte desse futuro.
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